Jornalista angolano defendeu no julgamento de Rui Pinto o “contributo positivo” do Luanda Leaks na denúncia da corrupção em Angola
O jornalista angolano Rafael Marques, ouvido esta quarta-feira como testemunha no julgamento de Rui Pinto, afirmou que “o Luanda Leaks veio amplificar a participação internacional no saque de Angola”, admitindo que foi “extremamente importante o papel do Luanda Leaks [de que Rui Pinto admitiu ser uma das fontes] na divulgação da corrupção em Angola”.
Rafael Marques não se pronunciou sobre Rui Pinto, que disse não conhecer pessoalmente, mas apenas sobre o impacto das divulgações do Luanda Leaks. “A denúncia contra a corrupção começou em Angola, o que o Luanda Leaks fez foi amplificar essa luta a nível internacional”, afirmou o jornalista, fundador do site Maka Angola.
Marques admitiu que “os níveis de corrupção permanecem altos em Angola”, mas essa corrupção já não é institucional. “Destapou-se a ponta do icebergue. Que haja mais Luanda Leaks” declarou o jornalista.
“Não acredito que haverá um outro caso de uma família a saquear um povo, isso não voltará a acontecer”, disse ainda Rafael Marques, chamando a atenção para o impacto que as revelações do Luanda Leaks tiveram nas várias empresas internacionais, portuguesas incluídas, que trabalhavam com Isabel dos Santos e deixaram de o fazer.
Questionado pela defesa de Rui Pinto sobre o efeito do Luanda Leaks – que expôs em janeiro de 2020 alegados esquemas financeiros da empresária Isabel dos Santos e do marido, que lhes terão permitido retirar dinheiro do erário público angolano através de paraísos fiscais -, a testemunha admitiu ter sido contactado por outros jornalistas antes da publicação em órgãos de comunicação social internacionais e que as revelações precederam a ação da justiça.
Os processos já estavam em curso e estavam a ser investigados pela justiça angolana. Pode ser coincidência, mas foi depois do Luanda Leaks que a justiça angolana promoveu o arresto dos bens de Isabel dos Santos. Foi muito importante a luz que se lançou sobre o saque desenfreado em Angola. Os níveis de corrupção mantêm-se altos em Angola, mas deixou de estar institucionalizada. E esse é um efeito que merece todo o apoio”, vincou.
Também ouvido na 43.ª sessão do julgamento em curso no Tribunal Central Criminal de Lisboa foi o diretor da organização Repórteres Sem Fronteiras, Christophe Deloire, que declarou que o denunciante “é essencial à descoberta da verdade” e que também deve merecer proteção, tal como as fontes jornalísticas. A testemunha subscreveu a defesa do interesse público das informações reveladas por Rui Pinto através do Football Leaks e Luanda Leaks.
“As informações que foram reveladas mereceram a atenção de grandes órgãos de comunicação social, não daqueles que procuram o sensacionalismo, mas o interesse público. Os assuntos da evasão fiscal e da corrupção ganharam evidência”, notou, acrescentando: “Essas informações permitiram a revelação de assuntos com interesse público evidente”.
O julgamento do processo Football Leaks prossegue apenas no próximo dia 24 de junho. Paralelamente, o advogado de Rui Pinto, Francisco Teixeira da Mota, disse ao coletivo de juízes, presidido por Margarida Alves, que o arguido vai prestar declarações no julgamento, após a inquirição das testemunhas e antes da fase de alegações finais.
Rui Pinto, de 32 anos, responde por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada. Este último crime diz respeito à Doyen e foi o que levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto.
O criador do Football Leaks encontra-se em liberdade desde 07 de agosto, “devido à sua colaboração” com a Polícia Judiciária (PJ) e ao seu “sentido crítico”, mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.