“Portugal foi a lavandaria, aliás, há vários anos que Portugal tem servido como lavandaria para fundos ilícitos provenientes da corrupção em Angola”, disse Salvador Freire.
A Transparência Internacional (TI) considerou, esta quinta-feira, “muito grave” a existência de indícios de branqueamento de capitais angolanos envolvendo o Banco Comercial Português e exigiu “total transparência” sobre as investigações, após uma queixa de três ONG envolvendo a Sonangol.
“A Transparência Internacional Portugal considera muito graves os indícios de prática continuada de branqueamento de capitais envolvendo o Banco Comercial Português (BCP), exigindo total transparência sobre os resultados das auditorias realizadas pelo Banco de Portugal (BdP) e o reforço dos poderes das autoridades de supervisão bancária na União Europeia”, lê-se numa nota, divulgada na sequência de uma queixa apresentada em Lisboa.
Três organizações não-governamentais (ONG) angolanas apresentaram uma queixa na justiça portuguesa, denunciando alegados esquemas de corrupção e branqueamento de capitais, protagonizados por ex-gestores da Sonangol, petrolífera estatal angolana, entre os quais o ex-vice-presidente Manuel Vicente.
“A queixa agora apresentada contra o BCP, associada a tudo o que já sabemos sobre o EuroBIC de Isabel dos Santos, denuncia um padrão que não pode ser ignorado: o sistema bancário português foi ou ainda é usado para branquear capitais ilícitos provenientes de Angola”, disse a diretora executiva da TI Portugal, Karina Carvalho, citada no comunicado.
“O Banco de Portugal não parece ser capaz de travar a lavandaria de luxo instalada no nosso país, nem fazer cumprir eficazmente a legislação nacional e comunitária, pelo que só nos resta apelar a que sejam tornadas públicas todas as auditorias realizadas às instituições bancárias e os seus resultados para que se perceba exatamente a extensão do problema, bem como a atuação do BdP na prevenção destes crimes”, acrescentou.
A presidente da TI Portugal, Susana Cardoso, apontou, por seu turno, que o BdP “parece ter grandes dificuldades em impor aos bancos a adoção de medidas reforçadas de identificação e diligência, sobretudo tratando-se de relações de negócio e operações implicando países terceiros de elevado risco, como Angola”.
Em conferência de imprensa esta quinta-feira em Luanda, representantes da Associação Mãos Livres, Fórum Regional de Desenvolvimento Universitário (Fordu) e a Associação Omunga, ligadas à defesa dos direitos humanos e ao exercício da cidadania, informaram que foi apresentada uma queixa junto do Departamento Central de Investigação Penal (DCIAP) português.
Segundo Salvador Freire, da Mãos Livres, porta-voz do grupo, os factos ocorreram entre 2005 e 2012 e além dos ex-quadros diretivos da Sonangol está envolvido o Banco Millenium BCP (Banco Comercial Português).
O representante das três ONG referiu que a queixa foi apresentada, no dia 7 deste mês, em Portugal, considerando que o país europeu “serviu de lavandaria” para o dinheiro supostamente desviado de Angola.
As denúncias são contra Baptista Muhungo Sumbe, José Pedro Benge, Manuel Domingos Vicente, Fernando Osvaldo dos Santos e outras pessoas, incluindo atuais ou ex-funcionários do Millenium BCP.
Em resposta aos jornalistas, Salvador Freire disse que o banco onde as ações ocorreram está baseado em Portugal e as organizações possuem evidências suficientes sobre este facto, embora os fundos provenham da corrupção envolvendo atores angolanos.
“Portugal foi a lavandaria, aliás, há vários anos que Portugal tem servido como lavandaria para fundos ilícitos provenientes da corrupção em Angola, evidenciando que este tipo de criminalidade transcende as fronteiras nacionais em detrimento dos angolanos, por isso esta é uma iniciativa de responsabilizar os beneficiários e os facilitadores do esquema de corrupção”, referiu.
O advogado e ativista frisou que o processo poderia ter sido intentado em Angola, mas as organizações decidiram avançar com a ação “numa esfera em que fosse possível responsabilizar os diferentes atores”.
Apesar de a queixa ter sido apresentada em Portugal, o anúncio feito esta quinta-feira em Luanda visa que a Procuradoria-Geral da República de Angola investigue as denúncias, salientou Salvador Freire.
Salvador Freire disse que o esquema envolve negócios da Sonangol International Inc no valor de 35 milhões de dólares (29,7 milhões de euros), que se suspeita terem sido ilicitamente pagos em 2012 pela subsidiária da SBM, a SBM Holding Inc. SA. à segunda empresa fantasma no Panamá, a Sonangol International Inc e sob circunstâncias muito similares as dos pagamentos da Madrill.
O ativista angolano disse acreditar na justiça angolana e explicou que a queixa surge nove anos depois dos factos, depois de um “processo aturado [de investigações]”.
“Nós tivemos que trabalhar muito neste processo e encontrar elementos suficientes que sustentassem a denúncia, portanto, levou-nos tempo e tivemos que fazer investigações aqui e não só, por isso é que levou esse tempo todo. Trouxemos provas suficientes, quer provas documentais e testemunhais”, sublinhou.