Eleições gerais de agosto são um teste à maturidade do regime, após um mandato em que os problemas sociais e económicos do país não registaram melhorias. Oposição preconiza aliança para materializar a alternância no poder.
No topo, a fotografia. Por baixo lê-se “João Manuel Gonçalves Lourenço, presidente do MPLA”. Em baixo, na bandeira do partido, a faixa horizontal preta tem inscrito “2022 reeleito” na mesma cor do que a estrela. Além de ilegal, a propaganda afixada em postes de várias cidades a mais de oito meses das eleições presidenciais revela a ansiedade de quem sentirá na pele a ameaça de, pela primeira vez desde a independência, a possibilidade de o MPLA perder o poder.
Uma sondagem realizada em novembro pela Angobarometro deu a liderança nas intenções de voto ao candidato da UNITA, Adalberto Costa Júnior, com 53,2%, destacando-se de forma clara (30,1%) em relação a João Lourenço, o atual presidente que busca novo mandato. Não sendo uma corrida a dois, os outros candidatos que se perfilam – Abel Chivukuvuku, Benedito Daniel, Filomeno Vieira Lopes e Manuel Fernandes – recolhem juntos pouco mais de 16% das intenções de voto, pelo que na prática prevê-se uma campanha bipolarizada. Apesar de a sondagem ter recolhido as intenções de voto nos líderes partidários, nas eleições gerais os angolanos escolhem partidos, traduzindo-se os resultados em deputados na Assembleia Nacional e na escolha do presidente, que é também o chefe do governo.
João Lourenço chegou ao poder com um discurso de moralização dos cargos públicos e tomou algumas medidas de corte com o passado, em especial com a família do antecessor, José Eduardo dos Santos. Recentemente, dois generais do círculo do ex-presidente, Helder Vieiras Dias “Kopelipa” e Leopoldino Nascimento “Dino” viram os seus ativos congelados nos Estados Unidos, o que deverá ter consequências nas investigações a decorrer em Luanda. No entanto, em várias manifestações e nas redes sociais denuncia-se a seletividade da luta contra a corrupção. “João Lourenço não tem colhido muita popularidade da sua luta contra a corrupção. As pessoas têm noção de que o que está em jogo é mais uma vingança pessoal, ou política, do que uma limpeza estrutural”, avaliou à Lusa Ricardo Soares de Oliveira, autor do livro Angola, Magnífica e Miserável.
Além disso, há suspeitas de que o próprio Lourenço é parte do problema. A Associação Justiça, Paz e Democracia acusa o presidente de “atos propiciadores de corrupção e desvio de fundos” relacionados com adjudicações diretas e no início do ano surgiu a notícia de que procuradores norte-americanos estariam a investigar o presidente e a primeira-dama Ana Lourenço por eventuais fraudes bancárias. Indiferente a estas notícias, o presidente reafirmou a luta “contra a impunidade” e o “empenho de recuperar os ativos ilicitamente adquiridos onde quer que se encontrem” durante o último congresso do MPLA, no qual foi reeleito líder com 98% dos votos.
Às questões da corrupção e da justiça junta-se a preocupação da oposição sobre a transparência do apuramento dos votos. Segundo a lei eleitoral, alterada apenas com os votos do MPLA, prevê-se a contagem centralizada dos votos em vez de ser realizada nas assembleias de voto. Para a UNITA está aberta a porta para a “adulteração dos resultados eleitorais”, como disse o deputado Diamantino Mussokola.
Frente contra MPLA
O partido do galo negro tem mais queixas sobre a justiça angolana. Em outubro, o Tribunal Constitucional decidiu anular o congresso de novembro de 2019 da UNITA, no qual Adalberto Costa Júnior havia sido eleito líder porque alegadamente o candidato não teria renunciado à dupla nacionalidade (angolana e portuguesa). O anúncio da anulação coincidiu com a formalização da plataforma Frente Patriótica Unida (FPU), que reúne a União Nacional para a Independência Total de Angola, o Bloco Democrático e o PRA JÁ Servir Angola.
O acordo, que coloca Adalberto Costa Júnior na liderança da plataforma, prevê um acordo de programa de governo e de incidência parlamentar. Na cerimónia de relançamento da FPU, acusou-se o regime de tentar “irracionalmente” imiscuir-se nos destinos da UNITA e 2021 o ano em que se manobrou tendo em vista “o assassínio da democracia multipartidária e à inviabilização de quaisquer garantias para a alternância no exercício do poder”.
A economia do país, dependente dos proveitos da exploração petrolífera, esteve cinco anos seguidos em recessão e 2021 termina com indicadores contraditórios. A pandemia e a seca no sul do país agudizaram os problemas sociais e económicos. Há relatos de uma migração em massa para a Namíbia e a fome a atingir níveis preocupantes, com o internamento de milhares de crianças por desnutrição, com dezenas delas a morrerem.
Perante este panorama, os analistas preveem que as eleições serão as mais disputadas desde 1992. “Desta vez temos um candidato da oposição muito forte, temos uma sociedade que mudou e amadureceu muito e, portanto, está mais exigente, e depois temos uma coisa que não pode ser ignorada, que são os desafios económicos e sociais que não foram resolvidos”, diz à Lusa o coordenador do Observatório Político e Social de Angola, Sérgio Calundungo.