O Presidente da República de Angola (PRA), João Lourenço “está numa posição difícil, a tentar reformar o passado sem ter agarrado o futuro”, disse à Lusa Rui Verde, investigador que lançou este mês um livro que traça o perfil do líder angolano.
Ao longo das 122 páginas de “João Lourenço – Herança, frustrações, sucessos (e a derrota em Luanda)”, Rui Verde apresenta um João Lourenço que depois da falência do sistema político e económico angolano em 2017 “teve a presciência de perceber aquilo com que se confrontava” e apostou na via reformista.
Essa aposta trouxe-lhe “a inimizade dos seus pares e da oligarquia dominante”, considera no último capítulo da obra Rui Verde, investigador associado do Centro de Estudos Africano da Universidade de Oxford, onde desenvolve um projeto sobre as relações sino-angolanas.
João Lourenço é atualmente “um homem numa posição difícil, porque muitos dos antigos aliados se viraram contra ele e muito dos antigos inimigos, não estão com ele”, e “está naquela linha muito difícil entre reformar o passado, mas ainda não ter agarrado o futuro”, descreve o investigador.
Rui Verde socorre-se de uma imagem metafórica para apresentar João Lourenço: “Comparado a todos os reformistas que já houve, uns com sucesso, outros com insucesso, desde o Marcello Caetano ao Adolfo Suarez, um caso de insucesso e um caso de sucesso [respetivamente], está, no que eu gosto de chamar, a meio da ponte”.
“Quando ele tomou o poder como Presidente da República (2017) percebeu que de facto tinha tudo armadilhado e, portanto, foi desarmadilhando a pouco e pouco. A minha ideia é que José Eduardo dos Santos [antecessor de João Lourenço na Presidência] só entregou poder, além das questões de saúde, porque tinha chegado a um beco sem saída, a um certo bloqueio do regime, nem politicamente tinha soluções e economicamente não sabia o que fazer”, considera.
Rui Verde acredita que João Lourenço “não tinha bem noção do que o esperava”, daí que nos primeiros meses desse mandato presidencial se confrontasse com “surpresa após surpresa” às quais “ia reagindo”.
“Possivelmente não pretendia ser um Presidente reformista, mas apenas ir gerindo as situações e foi obrigado a tornar-se um Presidente tentativamente reformista. Vamos ver como é que isto acaba, não é? E por isso, gerou o que podemos chamar a confusão atual, de grande insatisfação”, acrescenta.
“No fundo neste segundo mandato” (iniciado em setembro passado), João Lourenço “só depende dele”. Se no primeiro mandato presidencial pode alegar que tinha uma “pesada herança”, agora “só depende dele”, reitera.
No plano externo, João Lourenço decidiu fazer um “realinhamento parcial pró-Ocidente, com os Estados Unidos – e, aliás, veja-se o voto de Angola na última Assembleia Geral, a propósito da Ucrânia -, mas também uma abertura a garantir investimentos alemães, franceses e, de algum modo, de ingleses”.
Rui Verde afirma que Angola encetou agora um “declínio na relação com a Rússia e a renegociação obrigatória da relação com a China”.
João Lourenço espera que este “realinhamento geoestratégico” se traduza em investimentos para o país.
“O que ele espera deste realinhamento geoestratégico é que traga investimentos. Primeiro, digamos assim, foi obter o selo de qualidade do FMI [Fundo Monetário Internacional]” e com esses “novos investimentos finalmente relançar o crescimento económico”, opina.
As opções que João Lourenço adotou têm riscos, destaca Rui Verde.
“Há dois problemas. Um é o desapoio interno dentro do MPLA [partido que João Lourenço lidera e que governa Angola desde a independência em 1974] e que sentiu os seus benefícios a fugirem e, portanto, não apoia com entusiasmo o Presidente. E o segundo problema, que acaba por ser mais importante, é a população”, frisa.
“A população ainda não sentiu benefícios nenhuns. Podem dizer que agora são amigos da América, mas a população não come a bandeira americana. Podem dizer que o FMI faz muitos elogios, mas a recuperação económica ainda não chegou ao povo. E esse é o problema principal”, adianta.
“O problema é fazer chegar os supostos benefícios de uma política à população. Porque se não chega, a população procurará outras soluções”, antecipa.
Socorrendo-se dos resultados das anteriores eleições angolanas, Rui Verde considera que a população é “politicamente ativa e já com bastante sentido crítico”, porque “o amorfismo que se viveu após o final da guerra civil, já não existe”.
O MPLA terá de fazer como a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), que nestas eleições “fez uma grande abertura à sociedade civil”.
“O MPLA tem que fazer o mesmo, para continuar a ganhar eleições. O velho sistema que podemos chamar soviético, de decidir em cima, o centralismo democrático, acabou. Portanto, o MPLA tem de voltar outra vez ao povo, aos intelectuais, aos professores, aos médicos, a toda a gente que hoje constitui o embrião da classe média”, defende.
Rui Verde diz que “essa mudança tem de existir” e que “há esperança que o processo autárquico também permita alguma abertura”.
Os dois últimos parágrafos do livro lançam as pistas para o futuro de João Lourenço e Angola: “Não tenhamos dúvidas. A última palavra pertencerá à juventude. Nos últimos anos em Angola, aparentemente nada mudou, para que tudo mudasse. Uma mudança total teria sido muito provavelmente um regresso ao passado, o que é necessário é parecer que não muda, para tudo mudar”.