A Procuradoria-Geral da República (PGR) identificou, em Março deste ano, oito crimes praticados pelo juiz-conselheiro presidente do Tribunal Supremo (TS), tendo, num desses ilícitos criminais, contado com o concurso de um memorando rubricado por Joel Leonardo e pelo ex-ministro da Justiça e dos Direitos Humanos Francisco Queiroz.
A informação, de carácter confidencial, é parte do ‘Ponto de Situação’ enviado ao Presidente João Lourenço, a 30 de Março deste ano, ao qual o !STO É NOTÍCIA teve acesso, elaborado no quadro do Processo n.º NUP 9240/2023 DNIAP, que investiga as alegadas práticas criminais imputadas ao presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo.
De acordo com o documento, que alertava para a continuidade das investigações, até àquela data já havia sido “possível apurar fortes indícios da prática de crimes, mormente através da realização de transferências a partir da conta bancária n.º 1139557 10 002, IBAN AO06 0005 0000 0113 9557 1029 4, titulada pelo Tribunal Supremo, domiciliada no Banco BCI [Banco de Comércio e Indústria]”, que tinha como assinantes (na fase 1) Joel Leonardo e Irina Gomes Martins Apolinário; e Joel Leonardo e Fátima Ferreira (na fase 2).
O ‘ponto de situação’ identificou um conjunto de cinco operações, a saber:
- Transferências indevidas de valores provenientes do Cofre Geral da Justiça para a conta titulada pelo Tribunal Supremo;
- Transferência de competências (retenção de receitas destinadas a CUT [Conta Única do Tesouro];
- Transferências irregulares provenientes da conta titulada pelo Tribunal Supremo a favor do presidente do Tribunal Supremo e a favor do juiz de direito Isidro Coutinho;
- Pagamentos realizados para o Condomínio Vila Mar; e
- Pagamentos realizados a favor de diversas empresas.
Para cada caso em particular, o documento faz um enquadramento da situação, identificando os factos praticados por Joel Leonardo e, no fim de cada abordagem, apresenta uma relação com os vários ilícitos criminais correspondentes a cada uma daquelas situações ali expostas, previstas e puníveis nos termos das várias leis do ordenamento jurídico angolano.
O caso envolvendo o então ministro da Justiça e dos Direitos Humanos — que não vincula este último em práticas de gestão danosa — deveu-se a transferências de um montante de 1 296 263 868,47 kz (mil, duzentos e noventa e seis milhões, duzentos e sessenta e três mil, oitocentos e sessenta e oito kwanzas e quarenta e sete cêntimos), provenientes do Cofre Geral da Justiça para a conta titulada pelo Tribunal Supremo, realizada de acordo com um memorando rubricado por Joel Leonardo e por Francisco Queiroz.
Na sequência da transferência destes valores, o Tribunal Supremo passou a “responsabilizar-se pelo cumprimento de atribuições que, a rigor da Lei, deveriam ser realizadas pelo Cofre Geral da Justiça, violando gravemente o quadro legal vigente nesta matéria”.
O documento dá ainda nota de que, após recebimento de um outro montante, na ordem dos 878 738 826,00 kz (oitocentos e setenta e oito milhões, setecentos e trinta e oito mil, oitocentos e seis kwanzas), o referido valor foi movimentado para a subconta 005, do Tribunal Supremo, domiciliada no Banco BCI, que serviram “para pagamentos a pessoas colectivas próximas ao presidente do Tribunal Supremo, venerando juiz-conselheiro presidente Dr.º Joel Leonardo, como demonstra o extrato em anexo”.
Uma outra situação enviada ao Presidente João Lourenço tem que ver com o “desvio de receitas do Tesouro”, na ordem dos 267 279 303,78 kz (duzentos e sessenta e sete milhões, duzentos e setenta e nove mil, trezentos e três kwanzas e setenta e oito cêntimos). Na verdade, este valor correspondia, até à data da elaboração documento, a uma análise referente a três meses, uma vez que as investigações continuam em curso.
Foram também identificadas “transferências irregulares provenientes da conta titulada pelo Tribunal Supremo, a favor do presidente do Tribunal Supremo e do juiz de direito Isidro Coutinho, na ordem dos 30 000 000,00kz (trinta milhões de kwanzas); transferências irregulares para o Condomínio Vila Mar, referentes a custos com as casas onde residem o juiz-conselheiro e presidente da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, Daniel Modesto, e o juzi de direito Isidro Coutinho, na ordem dos 2 862 000,00 (dois milhões e oitocentos e sessenta e dois mil kwanzas)”.
O documento reporta também transferências suspeitas realizadas a favor de diversas (alegadas) empresas, na ordem dos 122 432 444,00 kz (cento e vinte e dois milhões, quatrocentos e quarenta e quatro mil kwanzas).
Neste sentido, e porque a maior parte dos crimes se repetem nos cinco casos elencados no documento, estão identificados um total de oito crimes, a saber:
- Violação do princípio da legalidade, Lei n.º 3/11 de 29 de Março, art.º 4º;
- Violação do princípio da Lealdade, nos termos do artigo 14º, da Lei da Probidade Pública, aprovada pela Lei n.º 3/11 de 29 de Março;
- Abuso de Confiança, previsto e punido pelo Art.º 405º do Código Penal, aprovado pela Lei n.º 38/20, de 11 de Novembro;
- Peculato, previsto e punido pelo art.º 362º do Código Penal aprovado pela Lei n.º 38/20, de 11 de Novembro;
- Abuso de Poder, previsto e punido pelo art.º 374º do Código Penal aprovado pela Lei n.º 38/20, de 11 de Novembro;
- Associação criminosa, previsto e punido pelo art.º 296º do Código Penal, aprovado pela Lei n.º 38/20, de 11 de Novembro;
- Enriquecimento sem causa, nos termos do artigo 37º, da Lei da Probidade Pública, aprovada pela Lei n.º 3/11 de 29 de Março;
- Crime de infidelidade, previsto e punido pelo Art.º 426º do Código Penal, aprovado pela Lei n.º 38/20, de 11 de Novembro.