As centrais sindicais em Angola temem que a revisão da lei geral do trabalho seja utilizada como “jogada eleitoral” pelo Governo. Exigência antiga dos trabalhadores, a lei poderá ser aprovada só em 2022, ano de eleições.
O Governo angolano anunciou, recentemente, a revisão da lei geral do trabalho, que espera ser “consensual”. Esta é uma exigência dos sindicatos desde 2015. O documento poderá ser aprovado em finais deste ano ou apenas em 2022, ano de eleições gerais em Angola.
Para além da criação de uma comissão integrada por académicos, juristas, técnicos dos movimentos sindicais e entidades patronais, o Governo também tenciona levar o assunto à discussão pública, segundo Pedro Filipe, Secretário de Estado para o Trabalho e Segurança Social.
“Estamos em crer que os resultados deverão refletir aquelas que são as diferentes sensibilidades quer dos empregadores quer dos trabalhadores. Em última instância, [a revisão da lei do trabalho] deverá refletir os interesses da sociedade angolana”, defendeu Filipe.
Entre as várias questões a serem revistas estão a precariedade dos contratos de trabalho, a diferenciação das indemnizações no caso dos despedimentos improcedentes e as férias.
Centrais sindicais com “um pé atrás”
Francisco Jacinto, secretário-geral da Central Geral dos Sindicatos Independentes e Livres de Angola (CGSILA), comemora: “Nós estamos expectantes. Em princípio, louvamos este gesto do Governo em atender as reclamações dos sindicalistas, dos sindicatos em Angola”.
Mas o sindicalista ainda está com “um pé atrás”, por vários motivos. Por exemplo, Jacinto lembra que, em 2015, foram “discutidos na integridade” todos os artigos do anteprojeto que resultou na atual lei geral do trabalho. Porém, ficou espantado com o resultado final.
“E recordo-lhe que nos foram colocados 45 artigos, e nós, na discussão com o Governo, chegamos ao entendimento sobre 44 artigos. Mas o nosso espanto foi que, quando a lei saiu da Assembleia Nacional, veio tal e qual tinha sido apresentada a proposta do anteprojeto de revisão”, lembrou.
Para que isso não volte a acontecer, o jurista angolano Agostinho Canando aconselha “aos sindicalistas e aos juristas, a uma maior pressão, maior intervenção nesse processo”.
Alerta aos sindicatos
Ainda assim, Canando chama estas eventuais mudanças de “moribundas”: “No sentido de que está aí a caminho uma nova lei da greve, uma nova lei sindical e, muito provavelmente, uma nova lei sobre o direito à negociação coletiva. E nestas leis também podemos encontrar nos seus projetos algumas disposições que visam desfazer todos os direitos adquiridos pelos trabalhadores angolanos nos termos das duas leis que vieram de 1991”, alertou.
A 22 de dezembro de 2020, a CGSILA entregou ao Presidente da República um memorando resultante de um trabalho apoiado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), mas até ao momento não obteve resposta.
No documento, constam, entre outros pontos que devem ser revistos, a discriminação na indemnização e o regime contractual.
“Nós não podemos permanecer num Estado em que o regime de contratação por tempo determinado seja regra. Aquilo que era excecional é que se tornou regra e a regra passou a excecional, reivendicou o secretário-geral da CGSILA.
E Jacinto sublinha que “os fundamentos do surgimento do direito do trabalho não prescrevem isso, não recomendam isso, não estabelecem isso. E isso também tem a ver com o princípio de estabilidade do emprego”.
Canando diz que também é preciso que a futura lei proteja o elo mais fraco da relação jurídico-laboral: o trabalhador. “Para que estes não sofram as atrocidades das entidades empregadoras”.
Aprovação da lei em ano eleitoral?
O ano legislativo em Angola terminou na última sexta-feira (13.08) e o próximo começa a 15 de outubro, mas com atenções viradas para o Orçamento Geral do Estado. Tudo indica que a lei geral do trabalho será apenas aprovada em 2022, época de eleições gerais, embora o Governo fale em finais deste ano. Muitos observadores acreditam que esta seja uma “jogada eleitoral”.
Francisco Jacinto afirma que a CGSILA não admite “uma questão destas do ponto de vista eleitoralista”. “Os nossos trabalhadores filiados sabem o caminho que devemos prosseguir. E a lei geral de trabalho ao se rever não é um favor que o Governo está a fazer aos sindicatos e aos trabalhadores, é um dever é uma obrigação do Estado proteger o seu trabalhador. Não pode ser aproveitada como uma ocasião para um ato eleitoral”, defendeu Jacinto.
Desde 2015, que os sindicatos exigem a revisão da atual lei geral do trabalho, mas sem sucesso. “Será que vão ser atendidos agora por se tratar de um ano pré-eleitoral?”, questionou o jurista Agostinho Canando.