Sérgio Piçarra é um dos vencedores da edição 2020 do Prémio franco-alemão dos Direitos Humanos e do Estado de Direito. À DW África, o cartunista diz que em Angola a liberdade de expressão está em “queda livre”.
É a primeira vez que uma personalidade angolana recebe este prémio, atribuído desde 2016 a pessoas “que contribuíram de modo excecional para a proteção e promoção dos Direitos Humanos e do Estado de Direito nos seus países e a nível internacional”.
DW África: O que esta distinção representa para si?
Sérgio Piçarra (SP):Foi uma grande surpreesa para mim. E é sempre bom quando os nossos trabalhos são reconhecidos. Naturalmente estamos todos felizes e muito honrados. E nos dá mais força de continuarmos a trabalhar e irmos dando voz a outras pessoas e a outros lutadores. E que sirva de exemplo, para que esta luta pelos direitos humanos siga em frente e que seja vitoriosa.
DW África:Sérgio Piçarra é cartunista por “mera paixão” ou por uma questão de ativismo?
SP:No nosso contexto em Angola pode-se confundir com ativismo, porque nós vivemos uma situação muito complexa, ao nível daquilo que são as liberdades, no geral, e, em particular, a liberdade de imprensa e de expressão. Portanto, o meu cartoom, em particular, assume esta dimensão de ativismo, quando noutros países do mundo seria apenas, uma mera expressão de opinião do artista. Mas eu estou perfeitamente confortável com estas duas dimensões. Se serve com motivação para que os ativistas de direitos humanos e de outras causas possam se inspirar, fico muito orgulhoso por este facto.
DW África:Como é que analisa a situação dos direitos humanos em Angola?
SP:Falar dos direitos humanos em Angola é uma das coisas mais complexas e mais complicadas, porque temos tido uma história muito complicada neste sentido, que data desde o período da independência tivemos um Estado muito fechado e muito repressor, não obstante a Constituição da República referir que somos um Estado direito democrático, mas o que a gente vê na prática é completamente contrário. Há muitos truques para contornar este Estado de direito democrático, essencialmente na questão da imprensa pública que é paga pelos nossos impostos, e no fim de tudo somos manipulados por ela.
Portanto, se estes pressupostos não estão a ser cumpridos, naturalmente que os direitos humanos estão a ser gravemente feridos. E esta é uma das minhas grandes preocupações que expresso no meu trabalho sempre que posso.
DW África: É fácil em Angola para um cartunista expressar as suas opiniões?
SP: Não tem sido fácil, embora eu não tenha muitas queixas no meu dia-a-dia, como pressão ou outro tipo de ameaças. Mas eu publico em jornais e algumas revistas privadas e nos jornais públicos não sou permitido.Isso é um indicador de que as coisas andam em avanços e recuos.
DW África: Sente que há uma censura neste órgãos?
SP: Completamente. E nos últimos tempos a questão tem estado a piorar. Os ciclos de liberdade e de pressão sobre a imprensa têm um bocado a ver com os ciclos eleitorais. Depois das eleições, sentimos que há um pouco de abertura para a imprensa, mas quando nos aproximamos a outro pleito eleitoral a situação agrava-se.
Neste momento, aqui em Angola, temos tido uma série de eventos sociais, como manifestações e quando a gente liga a televisão, o que se vê são factos manipulados. E isso é quase uma repetição daquilo que vivemos no regime passado [de José Eduardo dos Santos] e que pensávamos que já não íamos ver mais. E isto é o que mais preocupa, porque neste momento estamos a ver recuos muito graves noutras áreas e sobretudo, na questão da liberdade de expressão. Preocupa-me ainda que aqui em Angola não existam mais cartunistas.
DW África: Acha que há alguma auto-censura deste cartunistas?
SP: Julgo que sim, porque todo contexto não é convidativo para que os jovens cartunistas se aventurem nesta área da crítica aos políticos, pois sabem que de alguma forma vão ter problemas.