Muitas famílias estão a atravessar a fronteira em busca de segurança alimentar na Namíbia. São conhecidos como “deslocados da fome”. No sul de Angola, a população está no “limiar de um desastre humanitário”.
A fome na província angolana do Cunene é partilhada entre as famílias sempre que não há alimentação, diz o padre Gaudêncio Félix, da organização não governamental Ame Naame Omunu (ANO) – que trabalha com comunidades locais.
Este prelado católico revela ainda que, nessa altura, a situação “é preocupante”.
“Preocupante, não só para aquelas pessoas que não tinham comida, já. Mas a fome também está a ser partilhada com outras famílias. Há famílias que abandonaram as suas aldeias, que abandonaram as suas casas e que foram acolhidas por outras famílias. E, assim, elas vão partilhando a fome. Vão partilhando a comida que estiver em casa”, descreve.
Na Huíla, vive-se a mesma situação. O padre Pio Wakussanga, da ONG Construindo Comunidades, não encontra palavras para descrever a situação da fome na zona assolada também pela praga do gafanhoto.
“Então, isso faz com que a maior parte dessa região toda, esteja, agora num limiar de um desastre humanitário”, avalia.
Ainda assim, a fome na região sul, ainda não atingiu o seu pico, acrescenta.
“É verdade que as pessoas já estão a sofrer, já está a morrer gente. Mas a fome ainda não chegou no seu pico. Grande momento é partir de setembro, outubro, novembro e dezembro”, considera.
Muitas famílias da Huíla e do Cunene atravessam a fronteira de Santa Clara, a principal porta de entrada e saída terrestre do país, em busca de segurança alimentar na vizinha Namíbia. Em Angola, são chamados “deslocados da fome”. O padre Gaudêncio, duvida que estas famílias regressem a Angola algum dia.
“É lá onde estão a sobreviver, é lá onde estão a ser acolhidas pelos nossos irmãos namibianos, é lá onde estão a encontrar a sobrevivência. E duvidamos que todos esses nossos irmãos que estão a ir para a Namíbia regressem,” considera o responsável da ANO.
Solidariedade
Para ajudar os cidadãos do sul, muitas organizações levam a cabo ações de angariação de bens não perecíveis.
Na semana passada, por exemplo, lançou-se em Luanda a campanha “Um Abraço Solidário” – uma iniciativa das empresas de comunicação social públicas e privadas. O jornalista Sebastião Lino, da Rádio Nacional de Angola (RNA), é membro da campanha.
“As zonas mais afetadas pela seca e pela estiagem no sul de Angola serão as primeiras beneficiadas, nomeadamente, Cuando Cubango, Cunene, o Namibe e a Huíla,” revela.
Salgueiro Vicente jornalista angolano da Rádio Eclésia, afeta à Igreja Católica, louva a iniciativa, mas diz que não vai resolver o problema do fundo: a fome.
“Porque as ajudas que estão a ser feitas agora são residuais, são ajudas circunstanciais. Vão, eventualmente, ajudar no momento, mas depois essas pessoas vão sofrer”, acredita.
Então, por onde passaria a solução deste problema que assola milhares de famílias desde 2011?
O padre Gaudêncio Félix é de opinião que a solução não passa pelas “respostas paliativas. Enviar dois, quatro sacos de arroz, de fuba e distribuir às populações, não. É tempo de se encontrar soluções viáveis, sustentáveis e duráveis”.
É preciso investir naquilo que a comunidade faz, afirma Gaudêncio.
“Se a própria comunidade sobrevive da agricultura, então é preciso reforçar e apoiar essa comunidade na agricultura. Se a comunidade vive de pesca, então é preciso apoiar essa comunidade nesse sentido. Se as pessoas se alimentam de massango, então não vale a pena lhes levar arroz, procurem massango”, enumera.
É tempo de agir
Por sua vez, o padre Pio Wakussanga aconselha o Governo central a decretar estado de calamidade pública, a armazenar cereais para fazer face aos meses mais críticos que se avizinham e “aproveitar todas as linhas de água superficiais, assim como as reservas subterrâneas, para se incentivar a pequena agricultura”.
Por isso, o jornalista Salgueiro Vicente sugere alocar mais verbas e a realização de um estudo nas zonas afetadas.
“Mas, sobretudo, estabelecer um estado de emergência na região sul do país e fazer-se, sobretudo, um estudo que é fundamental para se aferir quantas pessoas passam por necessidades, quantas pessoas passam fome”, conclui.