À distância de quase 9 mil quilómetros, Luanda optou por uma posição neutral no conflito russo-ucraniano ao cultivar, à esquerda, relações históricas com Moscovo e ao manter, à direita, relações comerciais com Kiev. Mas a invasão da Ucrânia ameaça prejudicar a economia angolana, pois põe em causa alguns negócios, nomeadamente na área dos diamantes.
Esperando por uma condenação de Angola à invasão russa, que não aconteceu, o Ocidente não gostou da posição angolana e, por isso, não hesitou em manifestar o desapontamento ao chefe da sua diplomacia. Reunidos em bloco com o ministro das Relações Exteriores, Tété António, os embaixadores da União Europeia pretendiam obter uma demarcação clara do posicionamento neutral de Luanda em relação à guerra.
“Eventuais consequências da posição neutral de Angola na votação da moção condenatória da Rússia pela invasão da Ucrânia, na Assembleia-Geral da ONU, poderão passar por alguns dos grandes investidores estrangeiros serem levados a reavaliar o seu posicionamento, acrescendo que há outros países, mesmo em África, muito mais atrativos do que Angola”, disse ao Expresso Alves da Rocha, diretor do Centro de Estudos e de Investigação Científica da Universidade Católica de Angola.
Centrando a pressão no petróleo, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Itália, Luigi di Maio, veio a Luanda solicitar a influência do ministro angolano dos Recursos Minerais, Petróleos e Gás, Diamantino Azevedo — que até ao ano passado presidiu à OPEP —, para que esta organização suba a quota de produção para aumentar a oferta de crude aos países da Europa Ocidental até aqui dependentes do fornecimento de petróleo por parte da Rússia.
Ao posicionar-se, nas atuais condições, como o principal importador de crude russo, a China tenderá, por outro lado, a deixar de comprar petróleo a Angola. “Com o aumento da procura no mercado internacional, isso não é um problema pois os italianos, entre outros, estão interessados em ver o nosso país acudir às suas necessidades de combustíveis e nós, em contrapartida, estamos abertos a que a ENI acelere o desenvolvimento do bloco 14 e promova investimentos na exploração conjunta com a BP e a Total de gás não associado ao petróleo”, disse ao Expresso Diamantino Azevedo.
A guerra começa a provocar os primeiros estragos na economia angolana. E apesar de as relações económicas entre Luanda e Moscovo não serem expressivas — no último ano, Angola não importou da Rússia mais do que 172 milhões de dólares de mercadorias e as suas exportações para aquele país não ultrapassaram os 500 milhões —, os projetos de investimento entre ambos não são marginais.
Efeitos das sanções
Por força das sanções impostas a Moscovo, o cancelamento de alguns desses projetos, pela sua magnitude, poderá representar um verdadeiro soco no estômago da economia angolana.
É o caso da parceria que estava prestes a ser celebrada entre o gigante de diamantes russo Alrosa e a sul-africana DeBeers que, depois da vinda da Rio Tinto, converteria Angola no maior produtor de diamantes de África e num dos cinco primeiros a nível mundial. “A aplicação de sanções ao presidente da Alrosa acabou por abortar esta parceria”, revelou Diamantino Azevedo. Outra consequência será o fim da parceria entre a Endiama e a Alrosa na exploração da Mina de Catoca — a terceira maior do mundo a céu aberto.
A exclusão da Rússia do sistema de transferência SWIFT também “vai acarretar graves problemas no pagamento dos conselheiros russos que se encontram em Angola a prestar assistência técnica à manutenção dos equipamentos e aparelhos da Força Aérea”, revelou ao Expresso fonte do Ministério da Defesa angolano.
No plano bancário, embora o banco russo VTB, com uma filial em Luanda, não represente um perigo sistémico para a banca angolana, todos os seus clientes foram aconselhados a suspender a realização de operações em moeda estrangeira.
Com Angola dependente da importação de quase tudo, os efeitos desta guerra fazem-se sentir no aumento dos preços das importações de bens alimentares da cesta básica. “Sendo a Rússia e a Ucrânia os nossos principais fornecedores de grão de trigo, estamos a bater a todas as portas para não paralisarmos a produção das moageiras, sendo certo que o preço do pão vai disparar”, afirma César Rasgado, presidente da Associação Angolana de Produtores de Farinha de Trigo.