No final de 2020, vimos a loucura que foram as filas de jovens desempregados nas instalações do grupo Boa Vida, depois de esta empresa ter anunciado a existência de 500 vagas em áreas ligadas à construção civil. Possivelmente, estes e outros jovens já tinham estado na Feira de Emprego em Belas em 2019, onde ocorreram desmaios e a maior das confusões face ao desespero da busca por um emprego. O desemprego abunda, o acesso à educação está muito aquém do desejável, e as escolas e universidades que existem não estão a preparar as pessoas para a vida, descurando as competências práticas e o desejo de empreender.
De acordo com o Instituto Nacional de Estatística de Angola, no segundo trimestre de 2021 o desemprego situava-se nos 31,6%. A taxa de desemprego juvenil é ainda maior, estando provavelmente mais de metade dos jovens que querem trabalhar sem emprego ou apenas com “biscates” ou actividades informais mal remuneradas.
O desemprego é, talvez, o principal problema de Angola. Não faz sentido um país ter uma larguíssima parte da sua força de trabalho desocupada. Além do desperdício económico de não utilizar recursos disponíveis, é uma catástrofe social.
O drama do desemprego decorre de dois grandes problemas: o problema educacional – as escolas não têm saberes virados para o empreendedorismo e para as artes e ofícios; e o problema da política de emprego, que não está adequada à realidade angolana, mas a um manual de economia norte-americano antiquado.
Ignorando por agora o primeiro problema (que será tratado num próximo artigo), vamos aqui abordar o segundo: a necessidade de mudar a política de emprego. E por aí vamos começar por Hyman Minsky (1919-1996), um economista norte-americano cujos estudos sobre o desemprego servem de argumento para defender que a actual política do governo de João Lourenço sobre o emprego deve ser mudada rapidamente.
A política de João Lourenço, seguindo a ortodoxia do Fundo Monetário Internacional, é deixar que o sector privado e a economia de mercado resolvam o problema. Segundo esta teoria, ao ser garantida a estabilização financeira do país, deixa-se a economia de mercado funcionar livremente, o que trará crescimento económico; daí virá o emprego. Portanto, o emprego é um resultado indirecto do crescimento económico, que por sua vez também deriva indirectamente das medidas de estabilização financeira do FMI. O raciocínio é simples, elegante e… errado. Isto poderá funcionar assim em economias de mercado maduras com grau de desenvolvimento elevado e sem elevadíssimas taxas de desemprego, e em todo o caso nem sempre.
Tem-se verificado que não há uma “lei automática” que determine que o crescimento do produto interno bruto traga automaticamente mais emprego, e sobretudo não ao nível do que é necessário em Angola.
É aqui que entram as teorias de Minsky. Minsky defende, na esteira de Keynes, mas aprofundando o raciocínio deste, que o investimento é uma actividade especulativa em todas as economias, dependendo das perspectivas dos empresários, portanto, nunca saberemos exactamente como se vai processar e como vai afectar o emprego. Pode acontecer que haja investimento que traga mais emprego, pode nem haver investimento, mesmo que existam condições para que ele aconteça, ou pode haver investimento que se centre em maquinaria, e não gere mais emprego. Esta instabilidade inata do investimento implica que o Estado não possa deixar o emprego nas mãos do sector privado, pois tal é um risco demasiado grande. É que nem sempre o sector privado tem capacidade ou não queira criar empregos.
Tal fenómeno, acrescentamos, é ainda mais acentuado numa economia como a angolana, que tem um sector privado pouco desenvolvido, que viveu numa economia oligárquica fechada assente na intermediação e no consumo, e não na criação de mais-valias. Na verdade, não há sequer em Angola sector privado ou economia de mercado em funcionamento que permitam ao Estado entregar-lhe a criação total de emprego.
Continuando com Minksy, este argumenta que compete ao Estado fornecer uma procura infinitamente elástica de trabalho com um patamar que não dependa das expectativas de lucro dos negócios. A criação de emprego deve ser um objectivo directo do governo, e não o resultado indirecto de políticas a favor do crescimento.
É aqui que Minsky discorda em absoluto da política que vem sendo seguida em Angola por indicação do FMI. O emprego tem de contar com o empenho directo do governo, e não resultar de um acaso no funcionamento da economia.
A sua teoria é reforçada com o conceito de employer of last resort (empregador de último recurso – ELR), um papel que atribui ao Estado. Segundo o conceito de ELR, o Estado oferecerá um salário base para quem deseja trabalhar. O Estado contrata todos os trabalhadores desempregados com o salário ELR, garantindo assim o pleno emprego efectivo. Naturalmente, o salário do ELR é menor do que os salários do sector privado; assim, se o sector privado necessitar de mão-de-obra, o ELR não terá um efeito crowding out, isto é, não retirará do mercado potenciais trabalhadores.
O ELR pode alcançar o pleno emprego. Esta é a sua característica mais importante e mais forte. Isto é particularmente importante para os trabalhadores pobres: o ELR é eficaz no combate à pobreza, porque aumenta o número de trabalhadores por família. Pleno emprego é o primeiro e o melhor objectivo a ser alcançado em qualquer sociedade, porque permite a melhor utilização da capacidade produtiva e garante que o rendimento nacional seja mantido no máximo.
É tempo de o governo rever a sua abordagem ao problema do desemprego. A política indirecta do FMI não funciona e não funcionará por muito tempo, até porque, nesta fase de contenção, a política financeira seguida (corte de despesa, aumento de impostos e restrição da massa monetária em circulação) tem efeitos recessivos. E o governo tem razão ao querer controlar as finanças e estabilizar a economia, conforme aconselha o FMI.
Contudo, o governo tem de criar contrapartidas e reequilíbrios ao nível da economia, para não provocar situações angustiantes e potencialmente insurreccionais. Ora, é para esse equilíbrio que devem ser lançadas políticas de emprego de tipo ELR, significando isto que o Estado se deve assumir como empregador e criar postos de trabalho.
Recentemente, o presidente da República anunciou, no seu discurso do Estado da Nação, que as projecções fiscais actualizadas do governo apontam para um aumento da receita de 26% face ao Orçamento Geral do Estado para 2021, apesar de a produção petrolífera estar abaixo do previsto, sendo que os excedentes das receitas petrolíferas vão reforçar a conta única do Tesouro. Isto quer dizer que há dinheiro. Até é possível que o excedente venha a ser maior.
Sendo o desemprego o principal problema económico-social de Angola e necessariamente uma prioridade do governo, este deve usar uma parte do excedente orçamental para o resolver, promovendo políticas activas de emprego como as que aqui expusemos.