POR UM COMBATE À CORRUPÇÃO E À IMPUNIDADE SÉRIO E JUSTO CONTRA TODOS OS SUSPEITOS
Luanda, 19 Novembro de 2020
I. O Estado angolano e a comunidade internacional identificam a corrupção como um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento e à construção do Estado de Direito.
II. O MPLA institucionalizou uma política pública inconstitucional e ilegal de criação de uma suposta burguesia ou casta de capitalistas, político-empresários, como supostos agentes do desenvolvimento. O resultado deste facto redundou no subdesenvolvimento e pobreza da maioria dos angolanos e angolanas. A situação económica de Angola já era de enorme gravidade e com um impacto negativo para milhões de angolanos e angolanas antes mesmo do início da actual pandemia. Era suposto o Estado, neste momento, dispor de mais dinheiro, poupado, não tivesse esse mesmo dinheiro, ilicitamente, passado a ser dinheiro de servidores públicos e membros do partido que governa Angola.
III. Nos últimos 18 anos, o MPLA dispôs de recursos financeiros e maiorias qualificadas na Assembleia Nacional suficientes para ter promovido o desenvolvimento em vez da pobreza generalizada, caso tivesse tido uma cúpula formada por pessoas comprometidas com a probidade pública e a competência.
IV. O enriquecimento ilícito de agentes públicos abrange um número elevado de servidores públicos e o valor pecuniário em causa estará muito acima de 24 ou 100 bilhões de dólares. O enriquecimento ilícito não abrange apenas transferências ou supostos empréstimos de dinheiro feitos a agentes públicos, seus familiares ou amigos. O enriquecimento ilícito também foi feito pelo favorecimento na contratação de bens e serviços de empresas de familiares e amigos de agentes públicos que detinham o poder de em nome do Estado fazerem esses contratos.
V. Os agentes públicos que enriqueceram não têm justificação para a riqueza que detêm.
VI. O Presidente da República
O Presidente João Lourenço, um dos construtores da pseudodemocracia angolana e um dos beneficiários da corrupção; pelas suas próprias palavras e práticas, deixa-nos saber que o seu modelo de promoção da luta contra a corrupção e do desenvolvimento é um modelo autoritário, sustentado por uma Constituição que atribui ao Presidente da República excessivos poderes, sem o contrapeso do Parlamento.
1. Referiu-se a Deng Xiaoping como o seu modelo de liderança para promover o desenvolvimento.
2. Não quer rever a Constituição autoritária de 2010, em vigor.
3. Mantém os órgãos de comunicação social públicos (a TPA, a RNA, O Jornal de Angola e a ANGOP) sob controlo político-administrativo, o que é inconstitucional e ilegal.
4. Não quer institucionalizar o poder local, por via das autarquias, praticando uma inconstitucionalidade por omissão.
5. Está a fazer privatizações que podem concorrer para o branqueamento de capitais de pessoas que enriqueceram ilicitamente, porque não se conhece procedimento ou medida idónea para se averiguar se os compradores de empresas têm a ficha limpa, não são pessoas que enriqueceram ilicitamente e que por via das privatizações em curso pela administração Lourenço passam a branquear o dinheiro ilicitamente adquirido.
6. Contra a Constituição e a Lei da Probidade Pública mantém Edeltrudes Costa, no cargo de Chefe do Gabinete do Presidente da República, que enriqueceu ilicitamente por ser detentor de um cargo público.
7. Em desrespeito pela Lei da Alta Autoridade contra a Corrupção, não promove a institucionalização deste órgão do Estado.
8. Detém o poder de viabilizar a competência fiscalizadora do Parlamento, mas, embora tenha assumido publicamente que este órgão de soberania deveria fazê-lo, passados três anos, não ordenou ao Grupo Parlamentar do seu partido a pôr fim à violação da Constituição que prevê a criação de Comissões Parlamentares de Inquérito: “Compete à Assembleia Nacional, no domínio da sua organização interna: … c) constituir… as Comissões Parlamentares de Inquérito” (art. 160.°/c da CRA).
9. Tem o poder de fazer respeitar e garantir o trabalho autónomo atinente às investigações criminais contra os agentes públicos e membros do MPLA que detêm ilicitamente activos do Estado.
10. A luta contra corrupção está a ser promovida sem a devida transparência.
11. A luta contra a corrupção está a ser promovida com parcialidade, pois, existem fortes indícios de que os suspeitos da prática de corrupção sob protecção do Presidente da República são intocáveis.
VIII. A Procuradoria-Geral da República
1. Em 2019 a sociedade civil angolana levantou a questão de se saber se o actual Procurador-Geral da República de Angola reunia de facto condições para promover o combate à corrupção.
2. Em 2019 o actual Procurador-Geral da República de Angola disse que não havia nenhuma queixa ou processo contra a senhora Isabel dos Santos. Quando na verdade havia um pedido de abertura de inquérito sobre o enriquecimento de filhos do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, desde 2011, reiterado formalmente por escrito em 2016 e 2019.
3. Foram feitas várias denúncias públicas do favorecimento à Empresa TRAFIGURA. Todavia, até ao presente momento, passados três anos, não há notícia de que a Procuradoria-Geral da República de Angola tenha promovido investigações sobre a ilicitude dos negócios dessa empresa constituída por agentes públicas quando estavam em pleno exercício de funções públicas.
4. Um grupo de cidadãos pediu ao Procurador-Geral da República que procedesse à abertura de inquéritos contra os senhores José Eduardo dos Santos, Fernando Dias dos Santos “Nando”, Manuel Domingos Vicente, Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, Higino Carneiro, Manuel Rebelais, Lima Massano, Joaquim David, João Melo, José Pedro de Morais, José Van-Dúnem e os primeiros juízes do Tribunal Constitucional de Angola por terem recebido do BPC um empréstimo na ordem dos três milhões de dólares. Todavia, continuamos a assistir à parcialidade da Procuradoria-Geral da República, porque apenas foram abertos inquéritos contra algumas dessas pessoas.
5. Foi pedido que se abrisse um inquérito por causa das actividades empresariais do Procurador Mota Liz, incompatíveis com a função pública de que é titular. Contudo, não há notícia de que tenha sido aberto o inquérito, entretanto, pedido ao Procurador-Geral da República.
6. Foi pedida a abertura de inquérito para apurar a responsabilidade criminal do Juiz Rui Ferreira. Mas também não existe notícia de se ter iniciado o inquérito pedido.
7. Foi pedida a abertura de inquérito contra o actual Presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial. Também, não há notícia de que o Procurador-Geral da República tenha mandado instaurar o inquérito que se impõe.
8. É público que o senhor Edeltrudes Costa enriqueceu na condição de agente público fazendo directa ou indirectamente negócios com o Estado. Contudo, até ao presente momento a Procuradoria-Geral da República de Angola não abriu o competente inquérito.
9. A Procuradoria-Geral da República, bem como os demais órgãos do Estado, está sujeita ao princípio da legalidade. Perante as responsabilidades civil e criminal, não deve apenas recuperar os activos do Estado sem a instauração dos competentes processos criminais que couberem. Não compete à Procuradoria-Geral deixar de investigar os factos criminais e deduzir a acusação quando for caso disso.
10. Os processos de investigação criminal não estão a abranger os activos mais significativos dos suspeitos de enriquecimento ilícito, como por exemplo, já se tem passado com os senhores Augusto Tomás, Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, Fragoso do Nascimento “Dino”, Valter Filipe Duarte da Silva, Filomeno dos Santos, Manuel Rebelais e outros.
IX. Os Tribunais
1. Os tribunais, bem como os demais poderes, a saber, o legislativo e o executivo, estão obrigados a combater a corrupção. Sabe-se que existem processos judiciais contra dirigentes políticos que devem a bancos, mas que não andam, estão parados processualmente. Porquê?
2. Os juízes do Tribunal Constitucional e do Tribunal Supremo terão estabelecido eles próprios os seus salários. Todavia, salvo seja melhor entendimento legal, compete à Assembleia Nacional fazê-lo e não aos juízes desses dois tribunais.
3. O Tribunal de Contas, sob impulso do magistrado do Ministério Público junto desta jurisdição, com base no documento do ex-Presidente da Comissão Nacional Eleitoral, tornado público, que atesta ilegalidades no uso de dinheiros desse órgão do Estado pelo então Presidente da Comissão Provincial Eleitoral de Luanda, deveria ter agido, mas, até ao presente momento, não abriu nenhum processo para averiguar a responsabilidade desse servidor público entretanto eleito para o cargo de Presidente da Comissão Nacional Eleitoral, cargo que exerce presentemente.
4. Os juízes do Tribunal Constitucional não podem ser jubilados por serem membros deste Tribunal. Exercem um cargo a tempo determinado, por mandato, findo o qual deixam de ser juízes do Tribunal Constitucional. Podem, sim, os magistrados judiciais, os magistrados de outros tribunais e os magistrados do Ministério Público jubilar-se nestes cargos, respeitadas as regras previstas para o efeito, quando terminarem o mandato de juízes do Tribunal Constitucional ou atingirem a idade da reforma. Coisa bem diferente é os juízes do Tribunal Constitucional de acordo com a lei terem direito à reforma.
X. O Conselho Superior da Magistratura Judicial
O Conselho Superior da Magistratura Judicial este ano instaurou já três processos disciplinares contra três magistrados judiciais, que são do domínio público. Mas ainda não instaurou um processo disciplinar ao Venerando Juiz Joel Leonardo pela prática de desrespeito de uma decisão judicial do Tribunal da Comarca de Benguela, que também constitui um crime.
XI. O que deve ser feito
1. O Presidente João Lourenço deve: (1) exonerar o senhor Edeltrudes Costa (2) promover sem mais delongas a revisão da Constituição (3) na qualidade de Presidente do MPLA, ordenar ao Grupo Parlamentar do seu partido a apoiar a constituição de Comissões de Inquérito Parlamentar (4) solicitar à IGAE, ao SIC, ao Serviço de Informação Interna e ao Serviço de Informação Externa a investigação do enriquecimento de membros do Conselho de Administração da Sonangol (5) pôr fim à existência de um Ministério da Comunicação Social e ao controlo político-administrativo dos órgãos de Comunicação Social do Estado (6) observar o dever de transparência no combate à corrupção (7) contribuir para o fim do combate parcial, direccionado e selectivo à corrupção (8) criar as condições materiais indispensáveis para que os Tribunais da Relação comecem de facto a funcionar (7) institucionalizar as autarquias locais.
2. A Procuradoria-Geral da República deve: (1) apresentar o mais depressa possível o número de novos procuradores, funcionários auxiliares e peritos de outras áreas de que necessita para aumentar a sua capacidade de abrir e concluir processos de investigação de crimes de corrupção (2) desenvolver iniciativa própria de investigação criminal a agentes públicos com altos cargos públicos, sem que seja por pressão da sociedade ou com aval tácito das instâncias políticas (3) respeitar o princípio da legalidade, que manda, para além da responsabilidade civil (devolução de activos e indemnização por danos causados ao Estado), quando couber, promover a responsabilidade criminal de todos aqueles sobre os quais recaem fortes suspeitas da prática de crimes de corrupção (3) deixar de omitir os crimes de abuso de poder e prevaricação previstos na Lei da Probidade Pública (4) deixar de omitir o facto de cessar o dever de obediência dos agentes públicos perante o superior hierárquico sempre que as ordens e instruções deste último implique a prática de crimes e que em consequência os primeiros devem ser responsabilizados criminalmente se tiverem obedecido a ordens e instruções que se traduzam na prática de crimes.
3. Os Tribunais devem: (1) cumprir os prazos processuais legalmente estabelecidos e fazer justiça em tempo útil. E os juízes devem obediência à Constituição e à Lei, que devem respeitar escrupulosamente.
4. O Conselho Superior da Magistratura Judicial deve: (1) promover processos disciplinares contra todos os magistrados da jurisdição comum incluindo os Venerandos Juízes Conselheiros do Tribunal Supremo se estes por actos e omissões violarem normas que justifiquem a abertura daqueles processos (2) instaurar o processo disciplinar contra o Venerando Juiz Joel Leonardo (3) concorrer com seriedade para o início do funcionamento dos Tribunais da Relação (4) apresentar ao poder político, com total independência, o quadro actual inaceitável de condições de trabalho e salariais dos magistrados judiciais.
5. O Parlamento deve: (1) promover a constituição de Comissões de Inquérito contra actos de corrupção de agentes públicos da administração pública do Estado (2) rever as definições legais dos crimes genericamente designados por crimes de corrupção na legislação nacional de maneira a que a sua formulação seja compatível com o princípio constitucional da correcta tipificação desse tipo de crimes (3) debruçar-se sobre as condições de trabalho e salariais dos magistrados judiciais e do Ministério Público no quadro do debate do orçamento geral do Estado e da função legislativa que detém.
XII. Ao resistir ao cumprimento da sua obrigação de demitir o senhor Edeltrudes Costa, o Presidente João Lourenço contribui para a manutenção da impunidade como cultura reinante do poder instituído em Angola. E produz uma prova irrefutável de que o combate à corrupção é selectivo e de que os seus protegidos estão isentos da responsabilização civil e criminal pelos actos ilícitos que tiverem praticado.
XIII. Reafirmamos que o combate contra a corrupção, um princípio consagrado no 12./1-h da Constituição, implica a institucionalização de facto da democracia e do Estado de Direito.
Os promotores da manifestação do dia 21 de Novembro
Leandro Freire
Helena Victória Pereira
Fernando Macedo
Muata Sebastião
Laura Macedo