Luanda prevê realizar o sonho de muitos angolanos: ter rádios comunitárias através de uma nova lei que está em fase de consulta pública. Jornalistas esperam que a proposta não traga “valores absurdos” e duras exigências.
O Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA) defende que a adequação do pacote legislativo da Comunicação Social, que está em fase de consulta pública em Angola, deve banir “os valores absurdos” exigidos para a constituição de uma estação radiofónica.
Em Angola, os investidores no setor da imprensa encontram enormes dificuldades para constituir uma estação televisiva ou uma rádio. A rádio é o meio de comunicação mais utilizado pelos angolanos, mas a sua abrangência e pluralidade ainda está fora da realidade.
Só a Rádio Nacional de Angola (RNA) é ouvida em todo o país. A lei angolana exige perto de 100 mil euros para quem queira ter uma rádio local em Angola. Este valor é “absurdo”, segundo o secretário-geral do sindicato dos Jornalistas Angolanos, Teixeira Cândido.
“Dizem ainda que se quiser ter uma rádio que emite em todo o território nacional, deve-se pagar 250 milhões de Kwanzas (mais de 330 mil euros). Estes valores são absurdos por um lado, porque não há bancos que nos vão conceder isso, segundo, impede que os jornalistas e outros profissionais possam constituir órgãos de comunicação social”, diz Teixeira Cândido, defendendo que “há aqui uma limitação de livre concorrência. Este é um dos grandes problemas”.
Pacote da Comunicação Social
Até ao dia 24 deste mês, estão disponíveis dois anteprojetos legislativos para adequação do pacote legislativo da Comunicação Social ao contexto atual e aos novos desafios que se colocam ao setor e jornalistas.
São as propostas de Lei das Rádios Comunitárias e das Sondagens e Inquéritos de Opinião e que vêm complementar o pacote legislativo angolano da comunicação social – fazem parte deste pacote as Leis de Imprensa, de Televisão, de Radiodifusão, da Entidade Reguladora da Comunicação Social, do Estatuto do Jornalista e da Lei da Publicidade, aprovadas em 2016.
Angola é único país da região da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) que não tem rádios comunitárias. Teixeira Cândido defende mais debate sobre esta proposta, porque, com a sua implementação, a comunicação vai chegar aos povos angolanos que não falam português.
“A rádio comunitária pode ser feita por qualquer pessoa. Desde que a comunidade entenda ter uma rádio, pode ter. Ela não persegue lucros e não tem publicidade. Pode ser feita em Umbundo, pode ser feita em Kimbundo. É uma grande oportunidade esta, para levarmos a comunicação para aqueles povos que não falam português, porque as rádios comerciais emitem 99,9 por cento em português, e só um por cento, às vezes, na língua local.”
“É necessário vermos as propostas ponto por ponto”
A presidente da Comissão de Carteira e Ética (CCE), Luísa Rogério, quer que a classe analise o pacote legislativo com rigor, para ver que melhorias a lei vai trazer ao jornalismo angolano.
“É necessário vermos as propostas ponto por ponto, para aferir até que ponto vão trazer mudanças práticas que a classe anseia para podermos fazer um jornalismo melhor”, diz Luísa Rogério.
Mariano Brás não espera mudanças vantajosas para o setor com a revisão do pacote legislativo da imprensa. O jornalista angolano confessa que começa a “perder a esperança de um jornalismo melhor”.
“É o que estamos assistir agora nos órgãos públicos, que voltaram com o jornalismo da bajulação, a levantar debates xenófobos, debates de injúrias e o banquete que está proibido até de ouvir o contraditório, e ninguém se manifesta. Os órgãos que acautelam o exercício do jornalismo não reagem”, diz o diretor do jornal O Crime.
Liberdade de imprensa
Para o Governo angolano, a revisão da lei da Comunicação Social é um cumprimento das exigências internacionais sobre a liberdade de imprensa. O diretor nacional da Comunicação Social, António de Sousa, diz que as preocupações da sociedade serão atendidas com aprovação da lei.
“Temos um pacote legislativo mais moderno e mais conciliador em relação aquilo que são as vontades e preocupações da classe e da sociedade em geral. É um pacote legislativo vai ser submetido à consulta e vai merecer a contribuição de todos os ‘players’ do setor, a parte interessada e trazemos também como inovação a proposta das rádios comunitárias que é um vazio no nosso país”, afirmou António de Sousa, à margem do lançamento da campanha de auscultação pública, na passada quarta-feira (24.02) em Luanda.
Segundo o Governo angolano, a consulta disponível em www.consultapublica.gov ao visa responder à necessidade de maior colaboração, entre os profissionais da classe, de modo que haja denominador comum na “ponderação de interesses conflituosos que colocam o Estado, representado pelas autoridades públicas, e os agentes do setor da comunicação social e que nem sempre são convenientemente equacionados pela legislação vigente”.