[Este texto foi retirado da comunicação que apresentei a semana passada no workshop “Eleições e Média” organizado pelo Comissão Nacional Eleitoral (CNE) numa parceria com o Sindicato dos Jornalistas Angolanos.]
Em meu entender acho que uma das razões mais fortes que, no geral, continua a levar com que os jornalistas dificilmente se consigam entender na abordagem do fenómeno eleitoral tem a ver com a forte partidarização da classe e do excessivo domínio/superioridade da comunicação social estatal em termos de cobertura do território nacional, como consequência da ausência de uma saudável concorrência, cujo surgimento tem sido dificultado a todos os níveis pelo poder político no âmbito da sua estratégia de apertada gestão/contenção das liberdades fundamentais.
Faríamos hoje certamente aqui uma abordagem bem diferente e muito mais positiva desta conjuntura, se a nossa paisagem mediática já fosse povoada com vários jornais diários e várias estações de rádio e de televisão com cobertura de todo o espaço nacional.
Este ainda não é o nosso campeonato.
A esperança de com base no compromisso constitucional assumido pelo Governo de assegurar a existência e o funcionamento independente e qualitativamente competitivo de um serviço público de rádio e televisão, cedo voltou a dar a lugar ao cepticismo em relação ao surgimento entre nós de uma comunicação social realmente pública, que é a única que pode justificar a manutenção e a ampliação deste sector com os volumosos investimentos que se conhecem, que mesmo assim ainda não foram capazes de levar o sinal da rádio e da televisão a todos os recantos do nosso imenso país.
A ideia que eu tenho e contrariamente ao que acontecerá noutras latitudes, é que maioritariamente os jornalistas angolanos são militantes activos, sendo mais ou menos evidente a distribuição das suas opções pelo nosso espectro partidário.
A agressiva política de mobilização do partido no poder com base na estratégia do voto seguro fala bem por si, a qual se pode acrescentar o facto inquestionável da maior parte dos jornalistas angolanos trabalhar para a imprensa governamental. É de facto a cereja em cima de um bolo altamente estratégico.
Nas condições concretas de Angola e por enquanto, esta adesão partidária dos jornalistas e a preponderância da média governamental não facilita em nada a emergência e a consolidação de uma consciência de classe mais profissional que possa a curto prazo retirá-los do lado dos potenciais factores de conflito/ruído eleitoral.
É, contudo, este o único país que temos e é com ele, enquanto cidadãos e profissionais, que, com os nossos direitos e deveres, vamos continuar a trabalhar e a reflectir, evitando a postura da avestruz e dando o nosso melhor para que os actuais obstáculos não voltem a crescer ao ponto de se transformarem em muros.
Mesmo assim diante de um quadro tão pouco auspicioso achamos que é possível continuar a falar e a batalhar pela independência editorial e a procurar encontrar formas de garantir que os jornalistas angolanos se relacionem com o fenómeno eleitoral sem provocar danos mais graves que acabam por desequilibrar a própria disputa.
Temos que reconhecer que a desproporção de meios entre os concorrentes, tendo de um lado o partido da situação e do outro os partidos da oposição, é de facto esmagadora a favor naturalmente do partido da situação que começa por beneficiar logo à partida de toda a informação que é feita diariamente sobre a actividade governamental, sobre a actividade do seu governo que é o seu principal instrumento político, pois nenhum governo é neutro nas disputas eleitorais. Antes pelo contrário.
Antes de mais penso que seria da maior importância que a própria legislação eleitoral fosse mais explícita na definição das responsabilidades dos jornalistas e dos médias durante o período da campanha eleitoral, tendo como referência a experiência de 2008, num país chamado Angola onde as queixas da oposição e de uma parte da sociedade civil já não podem ser ignoradas, se quisermos ter um processo eleitoral equitativo, justo e transparente. Há de facto que tirar algumas lições de 2008.
Como suporte fundamental desta legislação ordinária está o princípio constitucional que confere aos partidos políticos direito a um tratamento imparcial da imprensa pública.
Na recente abordagem que fiz deste assunto considerei ser bastante problemática a aplicação do princípio previsto na actual lei eleitoral que obriga a comunicação social a dispensar um tratamento igual aos partidos concorrentes durante a campanha eleitoral, para além dos tempos de antena previstos.
Como traduzir em termos mais práticos este princípio é a grande questão já que as acções mobilizadoras de cada partido são necessariamente diferentes em quantidade e qualidade, ao mesmo tempo que o desempenho editorial de cada órgão apresenta particularidades que os distinguem.
Esta questão coloca-se sobretudo à comunicação social pública tendo em conta as suas responsabilidades constitucionais/legais, assunto que quanto a mim, como já disse atrás, hoje já não faria parte da agenda das nossas preocupações se hoje os médias públicos não fossem tão governamentalizados, para não dizer partidarizados.
Esta barreira não se resolve apenas com discursos assertivos, com desmentidos e com algumas manifestações de intolerância para com um debate sobre a liberdade de imprensa que continua a fazer todo o sentido, porque todos os dias vamos tendo casos que não se podem ignorar.
O problema da liberdade de imprensa em Angola também passa de facto e de jure pela forma como é feita a gestão editorial da média pública, pois ela é o grande espaço a que todos os cidadãos têm direito para informarem, se informarem e de serem informados, sem impedimentos, nem discriminações.
O refúgio no argumento da linha editorial não colhe em nosso entender, quando se trata de contra-atacar as críticas que são feitas em relação a governamentalização.
A actual Lei Eleitoral diz claramente que durante a campanha eleitoral as publicações periódicas, informativas, públicas e privadas devem assegurar igualdade de tratamento aos diversos concorrentes.
Diz ainda mesma lei que os órgãos de comunicação social públicos e privados e seus agentes devem agir com rigor e profissionalismo em relação aos actos das campanhas eleitorais.