A Procuradoria Geral da República está a investigar uma suspeita de sobrefacturação das primeiras doses da vacina russa Sputnik V adquiridas por Angola. Há suspeitas de que a vacina da Sputnik V tenha sido comprada a preço sobrefacturado
Em Março deste ano, o Presidente da República autorizou a compra de 6 milhões de doses da vacina por 111 milhões de dólares.
A milionária aquisição não passou pelo crivo do concurso público. O Decreto Presidencial nº 35/21, de 26 de Março, autorizou a ministra da Saúde a abrir procedimento de contratação simplificada.
Na altura em que João Lourenço autorizou a sua compra, o preço médio da vacina russa no mercado internacional era de 10 dólares por dose.
Pelo valor global da compra, 111 milhões, cada dose da vacina custou aos cofres públicos angolanos 18,5 dólares. Quase o dobro.
“Quando foi anunciado o inicio da comercialização da Sputinik V, o RDIF (Fundo de Investimento Directo Russo, proprietário da vacina), indicou que a sua vacina seria comercializada abaixo de USD 10. Foi esta mesma informação que passou à Agência Europeia de Medicamentos (EMA), quando entregou o processo de aprovação para a comercialização da vacina no espaço europeu”, observou, na altura, o semanário Expansão.
Naquela altura, a escandalosa discrepância de preços não pareceu inquietar qualquer instituição oficial angolana. Não se tomou ciência de qualquer diligência pública no sentido de apurar se João Lourenço teria autorizado um negócio potencialmente prejudicial a Angola.
Porém, fonte geralmente bem informada garantiu ao Correio Angolense que o assunto “não caiu no esquecimento”. A Procuradoria Geral da República “tomou muito a peito as informações veiculadas pela imprensa segundo as quais o preço da vacina poderia estar empolado”.
Segundo essa fonte, a semana passada a ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, teria ido à PGR prestar esclarecimentos sobre o assunto.
“A PGR quer saber se houve sobrefacturação do preço. Pretende, também, saber se a importação dessa vacina implicou algum intermediário”.
No Brasil, uma Comissão Parlamentar de Inquérito investiga suspeitas de que o governo do Presidente Jair Bolsonaro compactuou com empresas que propuseram ao país a venda de vacinas por preços escandalosamente sobrefacturados.
Vários responsáveis do Ministério da Saúde e dirigentes de empresas intermediárias já depuseram perante a CPI da Covid-19.
Acumulam-se as evidências de que o próprio Presidente Jair Bolsonaro estava a par de várias tentativas de impingir ao país vacinas a preços duas ou mais vezes superiores aos de mercado.
Para os crimes de prevaricação, que é aquele em que Jair Bolsonaro pode ser indiciado, o ordenamento jurídico brasileiro estabelece penas de 3 meses a 1 ano de detenção, além de multa.
Em Angola, além das explicações devidas sobre a possível sobrefacturação, Sílvia Lutucuta também está às voltas com o fim de uma chamada “reserva estratégica” da Sputink V, exclusivamente destinada a altas entidades, entre as quais o Presidente da República.
João Lourenço e esposa tomaram a primeira dose da vacina no dia 13 de Maio.
De acordo com o seu fabricante, a Sputnik V atinge 91,6% de eficácia contra a Covid-19 quando as suas duas doses são separadas por 21 dias. Já são passados mais de dois meses desde que o Presidente da República tomou a primeira dose.
No mesmo dia e local imunizaram-se, também, o vice-presidente da República, Bornito de Sousa, e o presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos.
De acordo com fontes do Correio Angolense, a inesperada ruptura da “reserva estratégica” de vacinas teria, nos últimos dias, levado a ministra da Saúde a uma rápida e não programada deslocação ao Dubai para cobrir o “buraco”.
As vacinas contra a Covid-19 não são vendidas em farmácias. São produzidas mediante encomendas feitas com largos meses de antecedência.
As fontes do Correio Angolense não sabem dizer como é que Sílvia Lutucuta, também conhecida como “ministra da Covid”, pela sua dedicação quase exclusiva a essa pandemia, em detrimento de outras, como a malária, incomparavelmente mais mortíferas em Angola, vai suprir a ruptura do stock estratégico.
Segundo protocolos estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde as vacinas anti-Covid não podem ser misturadas. O Presidente da República e todas as outras entidades que tomaram a Sputnik V no dia 13 de Maio terão de aguardar que o Ministério da Saúde lhes providencie a segunda dose da mesma vacina.
Mas o fabricante da vacina russa assegura que quanto maior o hiato entre a primeira e a segunda doses menor é a sua eficácia.