O constitucionalista angolano Carlos Feijó considerou, quinta-feira, em Luanda, “inconstitucional o acórdão do Tribunal Constitucional (TC)” relativo ao processo de fiscalização preventiva à Proposta de Revisão da Lei Magna, remetida pelo Presidente João Lourenço.
Em entrevista à TV Zimbo, o também professor universitário fundamentou que o acórdão 688/2021 “viola os princípios limitativos e da congruência que devem imperar na actuação” deste tribunal.
Esta semana, os juízes do TC devolveram o texto ao Presidente da República, declarando que a Proposta de Lei aprovada pelo Parlamento está conforme os princípios e limites fixados nos artigos 232°, 234°, 235° e 237° da Constituição da República de Angola (CRA), excepto as alíneas 5 do artigo 181°, 4 do art. 182°, 4 do art. 183° e 6 do 184°, por “desrespeitarem os limites materiais na Lei Magna”.
No seu acórdão, os juízes do TC sugerem que a respectiva Proposta de Lei volte ao legislador material (Parlamento), a fim de serem expurgados esses artigos.
No entender do constitucionalista, em obediência aos princípios da auto limitação, a instituição, em sede de fiscalização preventiva, devia limitar-se a matérias “jurisdicionais, e evitar a justicialidade” de questões políticas.
Acusou o tribunal de abusar, também, do princípio da não controlabilidade ao poder legislativo, pelo facto de não ter competência para decidir o mérito ou demérito das opções políticas do legislador e de violar o princípio da congruência, ao ter ido para além da matéria pedida.
Perante uma decisão inconstitucional do Tribunal Constitucional, não havendo outra instituição de recurso, disse que o Presidente da República deve remeter o documento à Assembleia Nacional (AN), que detém o poder legislativo para expurgar o que é considerado inconstitucional.
Manutenção da norma pela Assembleia Nacional
Sublinhou que, se fosse deputado, manteria a norma, tendo acrescentado que a Assembleia Nacional tem o poder de manter a norma como a aprovou, porque o Tribunal Constitucional é um órgão passivo e não pode tomar a iniciativa para reapreciar as alterações da Constituição.
Questionado sobre as razões da incongruência de um órgão com a responsabilidade de fiscalizar sobre a Constituição, respondeu que os tribunais têm legitimidade argumentativa das decisões, enquanto o poder legislativo tem legitimidade popular.
O coordenador da comissão técnica que elaborou a CRA de 2010, qualificou como sem fundamento o TC considerar inconstitucional a obrigatoriedade de prestar conta à Assembleia Nacional, porquanto existe a teoria da responsabilidade pública pelo exercício da função soberana do Estado.
O antigo chefe da Casa Civil do Presidente da República esclareceu que na prestação de contas, expressa na Proposta de Revisão pontual da Constituição, não se viola o princípio da separação de poderes, porque num regime democrático nenhum órgão de soberania fica sem controlo público da Assembleia Nacional, que representa o povo.
O que se pretende é um relatório sobre o estado da justiça e não das decisões judiciais em concreto, clarificou, na sua entrevista à TV Zimbo.
Segundo Carlos Feijó, o atraso à resposta relativa à fiscalização preventiva da revisão constitucional pelo TC devia resultar em responsabilização civil e pública, alertando que o acto pode retardar o processo de preparação eleitoral e da logística necessária ao pleito.
Aprovação da lei eleitoral sem conclusão da revisão constitucional
Abriu um parêntesis para considerar bizarro o facto de a Assembleia Nacional ter aprovado a lei eleitoral sem a conclusão do processo de revisão constitucional, lembrando que o poder legislativo primário é da AN. “Não existindo obrigação legal de consulta, e caso o faça não é vinculativa”, sustentou.
O constitucionalista declarou não existir relação de hierarquia entre os tribunais superiores, mesmo que o Constitucional tenha o poder de rebater as decisões de outros tribunais.
De acordo com Carlos Feijó, a magistratura é uma carreira técnica, na qual se avalia o desempenho, enquanto na carreira política o candidato depende da aceitação popular nas urnas, que o legitima.
Quanto à renúncia do presidente do Tribunal Constitucional, afirmou que era previsível, por, segundo o constitucionalista, dificuldades que tinha em criar consensos, sublinhando que no lugar dele já se teria demitido há um ano.
Manuel Aragão manifestou, quinta-feira, ao Presidente da República o desejo de cessar as funções de presidente do Tribunal Constitucional, pedido aceite por João Lourenço.
Manuel Aragão fez o pedido dois dias depois de ter votado contra a Revisão Parcial da Constituição, argumentando haver retrocessos em algumas matérias sobre a separação de poderes.
Votos vencidos a Manuel Aragão
Na óptica de Carlos Feijó, os votos vencidos reiterados do presidente cessante do Tribunal Constitucional demonstrava estar em contra ponto com a maioria que liderava, dando a impressão de grande instabilidade na instituição.
Para o constitucionalista, a renuncia ao cargo pode coartar a jubilação de Manuel Aragão pelo TC, embora seja já pelo Tribunal Supremo.
Sobre o ensino superior em Angola, Carlos Feijó entende que “vai de mal a pior”, por, na sua visão, não se respeitar os princípios da autonomia científica e da liberdade académica.
A seu ver, a Faculdade de Direito da universidade publica está transformada num “liceu grande”, escusando-se a continuar a abordar o assunto, alegando reserva a seu direito ao silêncio.
Questionado sobre o silêncio que se auto impôs em relação à imprensa, disse haver “tempo para falar, tempo para ficar calado e tempo para falar calado”.
Proposta de revisão parcial da Constituição
A Assembleia Nacional aprovou, a 22 Junho último, com uma maioria qualificada de 152 votos a favor, nenhum contra e 56 abstenções, a primeira revisão ordinária parcial da Constituição, 11 anos depois da sua entrada em vigor, a 5 de Fevereiro de 2010.
Entre outras questões, a revisão esclarece as dificuldades de interpretação que havia, sobre a fiscalização do Executivo pela AN, e assegura o exercício de voto aos cidadãos angolanos residentes no exterior, assim como retira da actual Constituição o gradualismo na implementação das autarquias.
As alterações aprovadas abrangem, igualmente, a estrutura de posicionamento de instituições, como o Banco Nacional de Angola (BNA), que passa a ter estatuto constitucional e uma nova forma de designação do seu governador.
Com a revisão, agora validada, a Constituição passará a ter 249 artigos, contra os actuais 244, sendo que foram alterados 44 e incluídos sete novos.
A Constituição atribui ao Presidente da República e a um terço dos 220 deputados da Assembleia Nacional, em efectividade de funções, a iniciativa de revisão constitucional.
A revisão constitucional em curso é uma iniciativa do Presidente da República, João Lourenço.