Marcolino Moco diz que Frente Patriótica Unida é uma “boa ideia” e que não é por acaso que o “sistema” teria como “um dos seus objetivos” sabotá-la. O “Revú” do MPLA atribui mérito a Adalberto Costa Júnior pela aliança.
Neste período de alvoroço político em Angola por causa das eleições gerais marcadas para 2022 a DW convidou Marcolino Moco, ex-primeiro ministro do país, a fazer um raio x ao cenário. O chamado “revú” do MPLA, partido que governa e a que ele próprio já nem tem a certeza de pertencer, aponta o dedo acusador insistentemente contra o Presidente João Lourenço. Culpa-o por muitos problemas que Angola hoje vive e diz “hoje sou crítico, chamem-me “revú” ou o nome que quiserem, porque as prioridades que têm sido excluídas no período de paz são completamente erradas”.
DW África: O que tem a dizer sobre a governação de João Lourenço?
Marcolino Moco (MM): Das eleições passadas o Presidente simulou que ia tomar uma atitude, é o que o Presidente devia fazer. O Presidente tem tantos poderes que deveria se colocar acima do sistema para estabilizar o país. Mas não, ele prefere fazer simulações, e todas elas favoráveis a uma parte da disputa.
DW África: A UNITA tem vivido uma turbulência interna cujos impactos estão a ser camuflados ou geridos internamente. Uma mão do MPLA para tornar este partido moribundo é algo distante da realidade?
MM: Não, isso está mais do que claro. Não há nenhum partido político, sobretudo os grandes, que não tenham as chamadas alas. No próprio MPLA também há alas. Eu, por exemplo, pertencia [a uma], hoje já não sei se sou do MPLA ou não, mas isso não interessa. Mas há alas, só são atenuadas porque o MPLA está no poder, distribui favores, etc. A UNITA não está no poder e tem alas e nunca foram escondidas, até porque se fossem escondidas a UNITA não se abriria às candidaturas múltiplas já há vários anos. Desde o fim da guerra a UNITA nos seus congressos tem a disputa de vários candidatos. Estas alas não acabam. As pessoas dizem que é o MPLA que está a governar. Mas o tal sistema, que aqui normalmente se chama “ordens superiores”, que também mandam no MPLA, é preciso dizer-se, esse sistema gasta rios e rios de dinheiro para desestabilizar a UNITA, e isso está a luz do dia.
DW África: Agora, em Angola, o senhor é chamado “revú”. Porque só se tornou “revú” depois de ter saído do MPLA?
MM: O problema é que fui governante numa altura que não tem nada a ver com o tempo atual. Fui nomeado primeiro-ministro em 1992 e nessa altura fazíamos gerra contra a UNITA – nós como Governo e a UNITA como rebelde a partir das matas. Ora, esse tempo acabou. Em 2002, tínhamos de entrar numa nova fase de transição do período da guerra para o da paz. O que critiquei inicialmente é que andamos muito devagar em relação ao fim da guerra. Passei a contrariar a ideia do MPLA que dizia que era preciso a guerra para acabar com a guerra e eu dizia que não, que era preciso fazer a paz para obtermos a paz. Mas a guerra acabou, infelizmente com a morte de Jonas Savimbi. Hoje, sou crítico, chamem-me do nome que quiserem, porque as prioridades que têm sido excluídas no período de paz são completamente erradas.
A prioridade é o MPLA manter-se no poder a qualquer custo, é excluir o outro, e a repercussão disso impede o desenvolvimento do país. E diz-se que a guerra prolongada aumentou a unidade das pessoas, todas vieram-se acumular-se nas cidades, e aumentou o desejo de paz, as pessoas aborreceram-se com a guerra. Agora vemos uma sombra porque há uma geração de pessoas que não participaram na guerra, não viram diretamente os efeitos da guerra e não conseguem aceitar a forma como o país está a ser governado.
E muitos já começaram a dizer que não se importam de morrer, os jovens sobretudo, porque isto está insuportável. Sob o consulado do Presidente João Lourenço, preferiu-se imobilizar todas as empresas que funcionavam porque estavam ligadas a José Eduardo dos Santos (JES). Isso é política de Estado? Preferia perder-se empregos, paralisar só porque tinham uma ligação com JES e sua família? E depois, essa guerra não acabou e atiram-se contra a oposição, quer dizer, é fazer guerra contra todos enquanto o país vai se afundando.
DW África: Considerando a natureza da oposição angolana, uma Frente Unida seria uma utopia?
MM: Não, acho que este é um entre muitos atributos de Adalberto Costa Júnior de criar uma frente ampla para ultrapassar algumas desconfianças que ainda existem em relação a UNITA – que ainda não chegou ao poder – e mobilizar todas as forças nacionais para uma futura governação que deixe de ser, como sempre aconteceu até hoje, exclusivamente ligada a um partido. É uma boa ideia, não é por acaso que um dos objetivos desta sabotagem do sistema é impossibilitar o arranque da Frente Patriótica Unida.
DW África: O MPLA também não vive os seus melhores dias, com alguma resistência à liderança de João Lourenço. Aos seus membros convém, porém, que o partido continue no poder devido aos seus interesses, principalmente económicos. Seria este um dos elementos de salvação do MPLA no que diz respeito à coesão da formação?
MM: Não, isso tudo é uma cegueira porque não se cultivou a ideia da alternância como um facto absolutamente natural. Porque aqui em Angola não se semeia a ideia de alternância como uma coisa natural? Porque o MPLA não pensa assim também?