Angola e Espanha mantêm uma relação cada vez próxima em termos político-diplomáticos e económicos, que a visita dos monarcas espanhóis vem reforçar em termos institucionais e que pode tender a subalternizar o papel de Portugal.
A análise é do Investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL(CEI-IUL) Eugénio Costa Almeida, a propósito da visita a Angola dos reis de Espanha, Filipe VI e Letizia, a partir de segunda-feira, na sua primeira deslocação a um país da África subsaariana.
“Houve sempre uma aproximação grande entre Espanha e Angola”, disse o analista, lembrando a permanência de José Eduardo dos Santos, o presidente angolano falecido em julho do ano passado, em Barcelona, onde passou os seus últimos anos de vida.
José Eduardo dos Santos, que presidiu aos destinos de Angola durante quase 40 anos, morreu aos 79 anos em Espanha, para onde se mudou em 2019, afastando-se do regime angolano e do seu sucessor, João Lourenço, que elegeu os seus filhos e colaboradores mais próximos como alvos do combate à corrupção.
Madrid e Luanda têm estreitado relações nos últimos anos, em termos diplomáticos, com visitas ao mais alto nível: João Lourenço, eleito presidente em 2017, visitou nesse mesmo ano Espanha, ainda na qualidade de ministro da Defesa Nacional, e repetiu a passagem pelo país, já como chefe do executivo, em 2021, ano em que recebeu também o primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez em Angola.
“Esta visita também terá essa função de afirmar institucionalmente, diplomaticamente, a boa relação que existe entre o reino de Espanha e a República de Angola”, sublinhou o investigador.
Mas também no plano económico e políticos a aproximação é evidente.
É um espanhol que lidera atualmente a companhia de bandeira angolana TAAG, foi uma empresa espanhola que foi escolhida para assegurar a logística eleitoral das eleições do ano passado (apesar da contestação da oposição), e foi em Espanha que se disputou o corpo de José Eduardo dos Santos.
A morte do antigo Presidente, em vésperas das eleições de 2022, levou a uma ofensiva diplomática angolana em grande escala, na sequência dos processos judiciais interpostos pelas mediáticas filhas mais velhas do antigo presidente, Isabel e Tchizé dos Santos, que recorreram aos tribunais para tentar travar a trasladação do corpo para Angola como pretendia a viúva e mãe dos três filhos mais novos, Ana Paula dos Santos, apoiada pelo governo de João Lourenço.
A disputa não durou muito e Luanda venceu o braço de ferro, recebendo, a 20 de agosto, quatro dias antes das eleições, a urna com o corpo que seria sepultado a 28 de agosto, num funeral de Estado, a contento do regime angolano, mas com escassa participação popular nas cerimónias fúnebres.
“Tudo isto tem impacto. Os bons e cordiais atos merecem agradecimento”, comentou o especialista em relações internacionais.
“Não somos ingénuos ao ponto de pensar que não tenha havido uma pressão diplomática a alertar para as conveniências das boas relações com Luanda”, acrescentou Eugénio Costa Almeida, apontando a forma como esta matéria estava a ser protelada e tornada incómoda quer para Madrid, quer para Luanda e a sua resolução rápida.
Em alguns aspetos, o analista considera até que há uma melhor relação institucional entre Luanda e Madrid do que entre Luanda e Lisboa, sublinhando que Madrid está mais perto do centro da Europa do que Lisboa.
Enquanto Portugal mantém uma relação “mais familiar” com Angola, onde há “altos e baixos, arrufos, zangas”, outras relações são mais institucionais, centradas em interesses económicos e político-partidários, disse, considerando ainda que João Lourenço tende a aproximar-se cada vez mais do bloco ocidental.
“Madrid está muito mais próxima do eixo Paris-Berlim, que é quem gere a União Europeia do que Lisboa, e aí compreende-se a posição do governo de Angola. Portugal poderá achar que está a ficar subalternizado, mas é o governo de António Costa que tem de saber o que tem de fazer. Os países têm interesses a defender”, observou.
Segundo o programa a que a Lusa teve acesso, a chegada dos monarcas espanhóis está prevista para segunda-feira, mas a visita oficial inicia-se apenas na terça-feira com uma deslocação à Praça da Republica — onde se encontra o Memorial António Agostinho Neto e o jazigo do ex-Presidente José Eduardo dos Santos — a anteceder um encontro com João Lourenço.
No Palácio Presidencial está prevista uma cerimónia de condecorações e a assinatura de acordos, seguindo-se, na parte da tarde, uma passagem pelo edifício do Banco Económico, onde será inaugurada uma exposição do pintor catalão Joan Miró, e um encontro com a comunidade espanhola.
O fórum empresarial, que reúne empresários dos dois países, terá lugar na quarta-feira.
No mesmo dia, os reis de Espanha visitam ainda a Assembleia Nacional e o Museu de História Militar, antes de regressarem ao país na parte da tarde.