O Gabinete de estudos económicos do Banco Fomento Angola (BFA) considerou hoje que a retirada dos subsídios aos combustíveis ainda este ano em Angola pode fazer inverter a trajetória, levando a uma “significativa subida” da inflação.
Se houvesse um aumento dos preços dos combustíveis, “a inflação teria tendência a acelerar de modo significativo, podendo voltar para perto de 16% no final do ano e continuando a subir de modo relevante em 2024”, escrevem os analistas num comentário à evolução da inflação em Angola.
Na nota, enviada aos clientes e a que a Lusa teve acesso, o gabinete de estudos económicos do BFA vinca que “o percurso da inflação no segundo semestre do ano está condicionado ao início de um aumento nos preços dos combustíveis”, que resulta da retirada dos subsídios estatais aos combustíveis, algo que fazia parte do acordo de assistência financeira assinado com o Fundo Monetário Internacional (FMI), mas que tem sido adiado.
“Se esta reforma for adiada para depois do final de 2023, a nossa expectativa é de que o atual ambiente de preços alimentares a nível mundial, juntamente com uma depreciação ligeira, permitam que a inflação se mantenha com tendência descendente até ao final do primeiro semestre, acelerando apenas de maneira bastante ligeira para níveis em torno dos 11 a 12% no final de 2023”, diz o BFA.
Os analistas antecipam uma subida da inflação em cadeia entre os 0,8 e os 0,9% nos próximos meses, com a inflação homóloga a “continuar a descer muito gradualmente até um mínimo em torno dos 10% algures a meio do ano”.
No entanto, alertam, este cenário depende da retirada gradual dos subsídios nos próximos meses: “Caso essa adaptação não comece este ano, o que se afigura possível a esta altura, a inflação poderá terminar o ano entre os 11 e os 12%, com a inflação mensal a acelerar no segundo semestre, devido a alguma depreciação e a uma descida menos significativa dos preços dos bens alimentares a nível mundial”.
Em janeiro, a consultora Fitch Solutions alertou que a programada retirada gradual dos subsídios aos combustíveis em Angola será um dos principais riscos políticos este ano, alertando para a possibilidade de manifestações, mas sem ameaçar a estabilidade política.
“O principal risco político em 2023 vem da retirada gradual dos subsídios aos combustíveis, dado que a planeada retirada dos subsídios vai aumentar o preço para os consumidores e influenciar o poder de compra das famílias, provavelmente desencadeando protestos”, escreveram os analistas desta consultora detida pelos mesmos donos da agência de notação financeira Fitch Ratings.
Na análise sobre o risco político de Angola, a Fitch Solutions salientava, no entanto, que “não são visíveis riscos de os protestos serem generalizados ao ponto de ameaçar o Governo” do Presidente João Lourenço.
Angola é um dos maiores produtores de petróleo na África subsaariana, mas importa a maior parte dos combustíveis que consome devido à falta de capacidade de refinação no país.
“A partir de janeiro, o Governo pretende começar a reduzir os subsídios aos combustíveis, com o orçamento de 2023 a indicar que os cortes serão de 36,7%, para 964,3 mil milhões de kwanzas [1,7 mil milhões de euros], o que acreditamos que será feito principalmente em cortes aos subsídios aos combustíveis”, lê-se no relatório.
A retirada dos subsídios aos combustíveis era uma das medidas mais defendidas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) durante a vigência do último programa de ajustamento financeiro, no valor de mais de cinco mil milhões de dólares.
Angola é o quarto país do mundo onde é mais barato encher um depósito de combustível. Enquanto na Europa – e em Portugal, em particular – os automobilistas optam por veículos utilitários e têm o consumo de combustível em conta na altura da compra, em Angola, país dotado de um parque automóvel onde abundam robustos jipes e ‘pickups’, essa não parece ser uma preocupação, já que sai quase sempre mais barato dar de “beber” ao carro do que matar a sede.
Enquanto o preço médio de 1,5 litros de água engarrafada ronda os 180 kwanzas (34 cêntimos), um litro de gasolina custa 160 kwanzas (30 cêntimos), ou seja, cinco vezes menos do que em Portugal, segundo o site Global Petrol Prices, segundo dados de janeiro.
Angola partilha com a Nigéria o estatuto de maior produtor de petróleo em África, mas importa grande parte combustível que consome, tendo apenas uma refinaria em funcionamento (a de Luanda) e outras três em fase de projeto ou construção (Soyo, Lobito e Cabinda).
Só no primeiro trimestre de 2022, o Governo angolano subsidiou 339,7 mil milhões de kwanzas (630 milhões de euros) em combustíveis distribuídos em todo o país.
A ministra das Finanças de Angola admitiu, em dezembro passado, que o país está a negociar com parceiros internacionais as compensações adequadas perante a remoção dos subsídios estatais ao preço dos combustíveis, uma decisão política que ainda não foi tomada.