Onde estão os ativos arrestados da Empresária angolana Isabel dos Santos? Quanto valem? Como têm sido geridos? E para onde vão? É o que quatro organizações da sociedade civil angolana querem saber.
Quatro organizações da sociedade civil angolana exigem aos Procuradores-Gerais de Angola e de Portugal esclarecimentos sobre os processos de recuperação de ativos da empresária Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente angolano José Eduardo dos Santos.
A “Mãos Livres”, “Omunga”, “Pro Bono Angola” e “Uyele” lamentam, em carta aberta, que “as autoridades angolanas e portuguesas [continuem] sem se entender no que toca à devolução dos ativos de Isabel dos Santos apreendidos e arrestados em Portugal, na sequência do escândalo conhecido como “Luanda Leaks”.
No documento, dirigido a Hélder Pitta Gróz e a Lucília Gago, respetivamente Procuradores-Gerais da República (PGR) de Angola e Portugal, as organizações exigem uma “justificação cabal sobre os impedimentos que mantêm em solo português e sob a gestão das autoridades judiciais portuguesas” os ativos de Isabel dos Santos.
Guilherme Neves, da organização “Mãos Livres”, uma das ONG signatárias da carta, explica que as autoridades angolanas e portuguesas têm tido dificuldades quanto à resolução da transferência dos ativos arrestados a Isabel dos Santos.
“O que nós estamos a pressionar, em função daquilo que tomámos conhecimento, é para que as duas PGR venham publicamente dizer qual é a dificuldade que há em transferir os ativos apreendidos e arrestados de Isabel dos Santos”, afirma Neves em declarações à DW África.
Efacec e EuroBic
A carta aberta fala, em particular, dos valores correspondentes às participações que a empresária angolana tinha na multinacional Efacec e no banco EuroBic.
Os subscritores pedem a divulgação pública do real valor do investimento do Estado angolano na aquisição da Efacec, em 2015, por via da participação da ENDE na Winterfell Industries, antes da nacionalização em 2020.
Segundo Guilherme Neves, as organizações da sociedade civil angolanas estão preocupadas com a pouca informação existente sobre esta matéria. “O povo angolano não sabe qual é o valor aplicado na aquisição da Efacec através da ENDE”, nota o ativista, referindo que “o Estado tem a obrigação de informar os angolanos”.
Neves deseja que o dinheiro a ser recuperado no âmbito dos referidos processos venha “a beneficiar realmente as vítimas de corrupção”.
As organizações não-governamentais pretendem igualmente explicações sobre o montante recuperado por Angola após a venda pelo Estado português das ações da Winterfell Industries, em 2023. Por outro lado, questionam “de que forma foi apurada a licitude dos fundos utilizados por Isabel dos Santos para consolidar a sua posição no EuroBic ao longo dos anos”.
Atrasos na recuperação de ativos
As ONG exigem ainda esclarecimentos sobre o valor total pago a Isabel dos Santos pelo ABANCA pelas suas participações no EuroBic, com o montante recuperado por Angola, através do seu Serviço Nacional de Recuperação de Ativos, na sequência da venda do banco.
Essas verbas estarão atualmente congeladas. O presidente do ABANCA, Juan Carlos Escotet, confirmou, de acordo com a imprensa portuguesa, que o dinheiro da aquisição está retido até à conclusão dos processos judiciais em curso em Portugal e Angola.
O economista angolano Carlos Rosado diz que, infelizmente, “as coisas são ao ritmo da Justiça e que “este caso vai durar muitos anos”.
“Sem decisão do tribunal não é possível fazer nada”, insiste. “E mesmo depois da decisão do tribunal, eventualmente ainda vai demorar tempo para o dinheiro regressar”.
O jurista português Rui Verde explica que existe jurisprudência em Portugal que permite que os bens congelados de Isabel dos Santos sejam usados para pagar dívidas a bancos portugueses. Mas coloca um grande ponto de interrogação sobre a atuação da PGR angolana.
“A PGR devia explicar melhor o que se está a passar”, refere.
Para Eugénio Costa Almeida, investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa (IUL), “há muita coisa sombria no meio de tudo isto”.
O analista luso-angolano não acredita, por exemplo, que Isabel dos Santos tenha transferido dinheiro para investir em Portugal sem autorização oficial. “Será que o dinheiro saiu irregularmente? Se saiu irregularmente, evidentemente tem de ser devolvido”.
Mais celeridade
Entretanto, admite que, “em Portugal, os processos jurídicos demoram anos” para serem concluídos pela sua complexidade. Mas, na opinião de Costa Almeida, a carta aberta levanta questões que “não deixam de ser, eventualmente, muito pertinentes”, no que toca à verificação de branqueamento de capitais.
O analista apela às duas procuradorias a cooperarem mais, na base de uma maior transparência, para que “este processo seja resolvido o mais rapidamente possível”.
Por sua vez, Guilherme Neves, da associação “Mãos Livres”, manifesta otimismo ao pedir mais agilidade, sobretudo ao Estado português, em responder às inquietações dos cidadãos angolanos. “Porque já se passaram quatro anos e até aqui não há a devolução efetiva desses ativos”, sublinha.
Há quatro anos, um Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ), que integra vários órgãos de comunicação social, analisou dados relativos aos negócios de Isabel dos Santos entre 1980 e 2018. Com esta operação, o ICIJ desvendou o caminho que levou a filha do ex-Presidente angolano a tornar-se a mulher mais rica de África, num processo que ficou conhecido como “Luanda Leaks”.