A 10 de Dezembro de 1948, surgiu a Declaração dos Direitos Humanos na ONU e no próximo dia 10 de Dezembro completam-se 184 anos sobre a data da abolição do tráfico negreiro, pelo visconde Sá da Bandeira, cujo artigo 1º do decreto refere: “fica proibida a exportação de escravos, seja por mar ou por terra, em todos os Domínios Portugueses, sem excepção, quer sejam situados ao norte, quer ao sul do equador, desde o dia em que na Capital de cada um dos ditos Domínios for publicado o presente Decreto”.
A exterminação dos ameríndios e o tráfico negreiro constituem, sem dúvida alguma, dois dos maiores holocaustos da humanidade. É certo que as sociedades escravocratas europeias foram as principais responsáveis pelo transporte forçado de negros africanos, em condições sub-humanas, para a Europa e para o Novo Mundo. Porém, houve também negros africanos, que, pela sua cumplicidade em todo este processo, não estão isentos de responsabilidades.
No reino do Kongo, os acordos levados a cabo entre Mbemba-a-Nzinga (D. Afonso do Kongo, após o baptismo) e o rei português D. Manuel I, através de um regimento que continha 34 pontos, elaborado, em Portugal, entre 1509 e 1511 e posteriormente, enviado a Mbanza Kongo, através do cavaleiro Simão da Silva, em 1513, já continha, do ponto de vista comercial, referências ao marfim e aos escravos.
Segundo Gerald Bender, esse documento consistiu num plano magistral para a aculturação dos Bakongos e o alto mandatário do reino português solicitava ao ntotila, que deixasse sair escravos do seu reino, já que “El-rei de Portugal havia feito grandes despesas com a expedição, gastava muito dinheiro com os missionários, os artífices, etc. Era justo que o rei do Congo o quisesse ajudar”.
Também no reino do Ndongo a captura e a venda de escravos representava um negócio lucrativo, que envolvia não só portugueses, mas também africanos. Estimava-se, por volta de 1583, que saíssem do Ndongo não menos que 5 mil escravos por ano. Metade deles morria na travessia para as Américas devido às precárias condições de transporte.
No início do século XVIII, o historiador brasileiro Elias Correia, considerava Luanda como uma cidade licenciosa, atentatória à moral católica e muito pouco asseada, que contrastava com a ostentação de uma camada social de mestiços, negros e alguns brancos, muito mais preocupada com os lucros fáceis do tráfico de escravos do que o desenvolvimento da colónia. Em meados do século XIX, “Luanda e Benguela eram, com efeito, entrepostos de engorda dos escravos capturados em guerras do interior ou vendidos pelos chefes tribais.”
Carlos Duarte, no seu livro «Memórias e Aventuras de um Cabinda em Terras Brasiliensis», dá-nos a conhecer a vida de Francisco Franque, relatada pelo próprio. Um nobre de Cabinda, culto, aventureiro e viajado, que, a dada altura, foi mercador de escravos para o Brasil. Para tal, contratou trabalhadores navais portugueses, para construírem, em Cabinda, um navio bergantin com três mastros.
Para pagamento das despesas, “capturou e vendeu escravos Lubas, Ba-Lubas, Kongos e Bakongos, Tchokwe e Lundas”, antes de viajar para Portugal, em 1800. Nascido no reino do N’Goio, em 2 de Janeiro de 1777, Francisco Franque era filho de Mafuka Kakala Franque, 1º malambo Mambula-Molo-Computo, por doação de Mõe Gimbi N’Pandi Sibi 1º e VIII Rei do N’Goio. Foi também 1º Boma Zanei-N’Vimba, por doação de Batchi Nhongo, Príncipe do N’Goio e ainda Coronel honorário do Exército de Portugal no Ultramar, patente que lhe foi outorgada, no dia 5 de Março de 1803.
Nas suas aventuras, chegou a resgatar Manuel José Puna, filho mais velho do Vice-Rei Mambuku Mwene Puna, que se encontrava na cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro, depois de, no dia 1 de Julho de 1819, ter sido aprisionado, na praia de Cabinda, pela polícia gentílica, numa noite de embarque de escravos e entregue a um capitão de um navio negreiro, que o levou para o Brasil e o manteve como criado da casa.
Francisco Franque trouxe Manuel José Puna de volta a Cabinda e, mais tarde, os filhos deste, Vicente Puna e João Puna, foram enviados para Lisboa, para estudarem, por conta do Estado, num dos melhores estabelecimentos do ensino particular da capital portuguesa, a Escola Académica.
Manuel José Puna “mostrou-se sempre muito dedicado a Portugal, devendo-se-lhe, em boa parte, a integração das terras do Enclave e distrito de Cabinda no conjunto do património territorial português, quando se desenrolou a famosa questão do Zaire. Ele próprio, já depois da independência do Brasil, foi educado, no Rio de Janeiro, também a expensas do Governo português, o que também aconteceu com outros naturais de Angola.
Em 1871, ainda a expensas do Governo português, Manuel José Puna foi a Portugal ver os filhos. Entre as muitas homenagens que recebeu, foi-lhe concedido o título de Barão de Cabinda, de “Juro e Herdade”, por decreto de D. Luís I, em 15 de Setembro de 1871 e foi baptizado, tendo como padrinhos os próprios reis de Portugal, D. Luís I e D. Maria Pia.
Mais tarde, os seus filhos “regressaram a Cabinda e exerceram as funções de professores do ensino primário. Um deles, Vicente Puna, mostrou possuir qualidades aceitáveis, ao contrário do irmão, João Puna, cujo comportamento mereceu críticas e até castigos”.