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Analistas pedem “maior transparência” no processo de recuperação de ativos e insistem na “existência de uma justiça seletiva” em Angola

Dois anos depois do escândalo “Luanda Leaks”, ainda não são conhecidos os resultados dos processos de investigação a Isabel dos Santos e aos seus parceiros portugueses, alegadamente por suspeita de corrupção e branqueamento de capitais, entre outras infrações.

Este facto, sob a capa de reserva e do segredo de justiça, inquieta a diretora executiva da Transparência Internacional-Portugal.

Em entrevista à DW África, em reação à recente entrevista concedida pela empresária angolana, Karina Carvalho lembra que “foi interposta, na Holanda, uma ação judicial contra esses facilitadores portugueses que, alegadamente, a terão apoiado no esquema de desvio de fundos da Sonangol”. No entanto, “e após este tempo, ainda nada se sabe sobre o processo de recuperação de ativos”, diz.

Para a diretora executiva da Transparência Internacional, “isto é particularmente grave”, porque a recuperação de ativos tem como “objetivo claro e inequívoco” a compensação das vítimas de corrupção: ou seja, “todos os cidadãos e cidadãs de Angola que se veem privados do acesso à saúde e à educação por causa destes esquemas ruinosos para o país e lesivos do interesse e do bem comum”.

Karina Carvalho faz alusão aos processos de recuperação de ativos em Angola, “que parecem estar a dar frutos”, mas fala de discrepância entre as declarações de Isabel dos Santos e a ação do governo angolano.

“Por exemplo, Isabel dos Santos diz que não roubou dinheiro nenhum e diz que já se encontra a questionar as ações do Governo de Angola relativamente aos processos que lhe são movidos e inclusivamente ao tal mandado de captura internacional. Mas, simultaneamente, vemos o Presidente João Lourenço a nacionalizar a UNITEL, o que é, de alguma forma, incompreensível”, nota.

Para Karina Carvalho, faz falta uma “maior transparência no processo de recuperação de ativos”. E por isso, pede uma maior coordenação e troca de informação sistemática entre as autoridades judiciais em Angola, em Portugal e na Holanda, para se evitar discrepâncias entre os processos e as informações que vêm a público.

“Parece evidente para toda a gente que grande parte da fortuna de Isabel dos Santos decorreu do facto de ter uma relação extraordinária de proximidade com o regime angolano”, nomeadamente com o seu pai já falecido, o ex-Presidente de Angola José Eduardo dos Santos.

“Tese da cabala não é nova”

“Essa não é uma tese nova. É uma tese que já ouvimos de outras personalidades ligadas a escândalos de corrupção como Isabel dos Santos está. Eu acho que essa tese da cabala não cola em Angola e não cola em Portugal”, diz.

Para o analista angolano Manuel Dias dos Santos, que também seguiu a entrevista à DW África, “toda a gente tem o direito à presunção de inocência”. No entanto, considera, a entrevista correspondeu àquilo que foi objetivamente a intenção da empresária.

O ativista, ligado à Plataforma de Reflexão sobre Angola, questiona quais “serão os custos” desta saga para os cidadãos angolanos e põe em dúvida o mandado de captura.

“A existência de um mandado [de captura] da Interpol contra Isabel dos Santos continua a ser uma coisa bastante estranha porque ninguém até agora ainda viu o tal mandado tal como existia para o caso do general Bento dos Santos Kangamba. É uma espécie de alerta vermelho que até agora, de facto, não foi dada a possibilidade de ser visto publicamente”.

Dias dos Santos considera igualmente estranho que, existindo um advogado constituído pela empresária em Angola, a Procuradoria-Geral da República não tenha feito chegar qualquer espécie de intimação judicial ao seu representante legal.

“De facto, isso não aconteceu. O caso do Manuel Vicente, cujo processo depois de concluído em Portugal foi transferido para a alçada do Estado angolano, continua-se sem saber qual é o desfecho que o mesmo vai merecer, até porque já passaram quase quatro anos”, lembra.

Casos por esclarecer

O ativista aponta outros processos por esclarecer envolvendo, por exemplo, os nomes de João Batista Borges, ex-ministro da Energia e Águas, e de Edeltrudes da Costa, ex-chefe de Gabinete da Presidência da República. E alerta que não se deve centrar toda a atenção apenas em Isabel dos Santos quando se fala de desvio dos dinheiros públicos do Estado angolano para Portugal.

“As omissões à própria lei por parte do Estado angolano levantam todo o tipo de especulações; permitem inclusive a questão da perseguição política se acentuar e demonstra mais uma vez aquilo que se tem dito até agora da existência de uma seletividade na forma como os processos têm sido tratados”.

Manuel Dias dos Santos diz ainda que “este processo não é daqueles que visa mudar tudo para tudo ficar na mesma”. E acrescenta que, num Estado de Direito, é fundamental que seja a lei a determinar os resultados finais de qualquer processo sem qualquer tipo de interferência externa.

Até esta sexta-feira (09.11), a Transparência assinala, com vários eventos inseridos no Festival Transparente 2022, o Dia Internacional contra a Corrupção, instituído pelas Nações Unidas, visando mobilizar e envolver o público na luta contra este flagelo, que também põe em causa dos direitos humanos.

Esta sexta-feira, Dia Internacional contra a Corrupção, a organização não-governamental realiza a conferência “Anti-corrupção e Boa Governação: o que falta fazer em Portugal”, um painel que junta atores políticos, da administração pública, especialistas e demais protagonistas da sociedade civil e que visa alertar sobre os custos deste fenómeno para a sociedade.

 

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