Luanda Leaks: “A decadência dos negócios da empresária angolana Isabel dos Santos em Portugal”

Em Portugal, a empresária angolana construiu um império que desmoronou após as denúncias no âmbito do escândalo ‘Luanda Leaks’. Analistas consideram que o país deve continuar a investigar investimentos angolanos.

“Houve falhas de escrutínio” quando Portugal abriu as portas ao investimento angolano em vários setores, na sequência da crise financeira de 2011, quando o país se viu forçado a pedir ajuda externa, afirma o jornalista português Luís Rosa.

Mas os tempos mudaram, como mostra o facto da empresária angolana, Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, estar a ser investigada pela Justiça portuguesa.

“Houve falhas de escrutínio, mas o que é certo é que entrámos numa segunda fase há alguns anos. Por exemplo, a engenheira Isabel dos Santos está a ser investigada em Portugal em 17 processos. O seu património em Portugal foi igualmente arrestado no âmbito da cooperação judiciária com a República de Angola,” disse Rosa à DW África.

Apoio de governos portugueses

O jornalista publicou este mês o livro “O Governador”.

A obra destaca a figura de Carlos Costa que, como governador do Banco de Portugal, esteve no centro de alguns dos acontecimentos marcantes no início do século 21, entre os quais a crise financeira, a intervenção da troika de credores internacionais e as revelações do escândalo ‘Luanda Leaks’, que detalham alegados esquemas da empresária angolana para desviar dinheiro do Estado angolano.

De acordo com João Paulo Batalha, vice-presidente da Frente Cívica, associação portuguesa anticorrupção, “é interessante” a revelação feita no livro sobre o mandato de Carlos Costa, em que é dito que o primeiro-ministro português, António Costa, teria tentado pressionar o Banco de Portugal a proteger os interesses empresariais da angolana Isabel dos Santos.

Para o ativista, isto “ilustra uma cultura de proximidade excessiva ou até de promiscuidade” entre o poder político angolano e os Governos de Portugal.

Isabel dos Santos e outros investidores angolanos entraram em força em Portugal com a crise. Houve claramente do Governo da altura e dos Governos que vieram a seguir, de António Costa, uma política de proteção desse investimento e de dar cobertura política a Isabel dos Santos,” afirma Batalha.

Aos Governos de então interessaria apenas aproveitar os fluxos de dinheiro provenientes de Angola, acrescenta.

Poder e relações bilaterais

Foi nessa altura, segundo o ativista, que a empresária angolana adquiriu uma enorme capacidade de influência na economia portuguesa, entrando em empresas estratégicas e penetrando no setor financeiro, sem que se tenha questionado a origem dos capitais por ela investidos em Portugal.

“Isso deixou muito pouco valor real na economia portuguesa. E o melhor exemplo é a [multinacional] Efacec, na qual Isabel dos Santos entrou com um crédito facilitado do banco público português, a Caixa Geral de Depósitos, e com capitais de uma empresa pública angolana. É uma empresa que está hoje numa situação de falência técnica, foi nacionalizada pelo Estado português depois das revelações do ‘Luanda Leaks’ e está essencialmente sem rumo, e, muito provavelmente, sem futuro”, explica Batalha.

O jornalista português Luís Rosa conclui que a economia portuguesa beneficiou do capital angolano com a crise financeira de 2011, mas lembra que Portugal também já ajudou Angola inúmeras vezes.

“Portanto, isso faz parte do relacionamento entre dois países que são próximos. Agora, tem que se respeitar as regras de cada Estado. Angola não pode querer impor as suas regras a Portugal e Portugal, de certeza, que também não impõe as suas regras a Angola. A economia portuguesa, hoje em dia, é uma economia aberta, competitiva. Saem uns capitais e entram outros”.

O jornalista acredita qze Portugal aprendeu com o passado.

“Parece-me que, hoje em dia, o poder político português também tem outro cuidado com as relações com o poder empresarial angolano. É importante que os empresários angolanos, ou qualquer outro que seja, percebam que em Portugal vigoram leis que têm muito a ver com a União Europeia, que têm muito a ver nomeadamente com a prevenção e o combate ao branqueamento de capitais, em que o Banco de Portugal tem um papel fundamental,” frisa Rosa.

Manter as investigações

João Paulo Batalha alerta, no entanto, que é preciso continuar a investigar todos os investimentos angolanos em Portugal. O ex-dirigente da Transparência e Integridade – Associação Cívica (TIAC) considera que as revelações do ‘Luanda Leaks’ sobre a origem dos capitais de Isabel dos Santos foram positivas: “Foram o fim do seu império empresarial em Portugal – que começou a desagregar-se desde essa altura e que deixou marcas negativas na economia portuguesa, com alguns buracos económicos em algumas das empresas participadas”.

João Paulo Batalha lamenta, perante os factos, que ainda persista em Portugal uma “cultura de proximidade, de promiscuidade e de proteção da elite angolana”, que “continua a ser um obstáculo ao desenvolvimento efetivo da economia portuguesa”. O ativista diz que muito do “dinheiro em circulação continua a ter proveniência suspeita e a beneficiar da proteção das autoridades portuguesas”.

 

 

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