Angola: “A função pública que pague a crise” – Economista Carlos Rosado

A queda do preço do petróleo em meados de 2014 pôs a nu as vulnerabilidades da economia angolana e mergulhou o país numa profunda crise económica entretanto agravada pela pandemia da Covid-19.

Mas por muito que muitos tentem passar a mensagem de que a culpa da crise é da baixa do preço do petróleo, não é verdade. A petrodependência de Angola não é doença, é sintoma. Sintoma da nossa incapacidade para produzir bens e serviços, que não o petróleo, competitivos internacionalmente em termos de preço e qualidade. Fôssemos nós capazes de produzir além do petróleo, isto é, tivéssemos nós uma economia mais diversificada, resistiríamos bem melhor aos choques petrolíferos e seguramente não passaríamos o que estamos a passar.

A fraca diversificação da economia gera outras petrodependências, nomeadamente ao nível das contas públicas e externas, há muito reféns dos altos e baixos do ouro negro.

Não admira, por isso, que, além da crise económica, “a queda do preço do petróleo, a partir de 2014, tenha provocado rombos tremendos nas contas públicas e externas, fazendo regressar os défices gémeos”. Se o défice público fez disparar a dívida, o défice externo comeu as reservas de divisas, derrubou o kwanza e ressuscitou a inflação.

A solução foi bater de novo à porta do Fundo Monetário Internacional (FMI) solicitando ajuda financeira para apoiar a estabilização da economia, primeiro, e promover o crescimento, depois. Como não há almoços grátis, Whashington impôs a Luanda uma série de condições tendo a consolidação orçamental como elemento crítico.

Um orçamento, qualquer que seja, pessoal, empresarial ou público, é composto por receitas e despesas. Para resolver um problema orçamental ou aumentam-se as receitas ou cortam-se as despesas ou fazem-se as duas coisas ao mesmo tempo.

Com o programa com o FMI praticamente no fim, chegou a hora de fazer um primeiro balanço da consolidação orçamental em Angola no período 2018-2022, usando para o efeito as execuções ou estimativas de execução dos orçamentos 2018 a 2021 e a proposta de Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2022.

Para analisar a marcha das contas públicas, usei o saldo global primário não petrolífero, isto é, excluí das receitas o petróleo, devido à sua enorme volatilidade e por não dependerem do Governo, e não considerei nas despesas os juros da dívida pública, porque, uma vez contraída a dívida, os juros começam a contar e têm de ser pagos independentemente da vontade de quem governa. Outra nota metodológica é que, em vez de valores monetários, considerei as receitas, as despesas os saldos em % do Produto Interno Bruto não petrolífero (PIBnp). Os valores a que cheguei são diferentes dos constantes do relatório de fundamentação do OGE 22, eventualmente por diferenças nos valores das despesas não petrolíferas, mas é nos meus que vou basear a análise.

Quando chegou ao poder em 2017, João Lourenço encontrou um saldo primário negativo equivalente a 13,3% do PIBNP, diferença entre receitas de 10,5% do PIBNP e despesas de 22,8%.

Um desequilíbrio orçamental monumental e por isso insustentável, ao qual era indispensável pôr cobro.

O OGE 2022 prevê um saldo primário não petrolífero de 7,6% do PIBpn resultado de despesas sem juros equivalentes a 28,6% do PIBnp e receitas sem petróleo de 21,1%.

Ou seja, comparando a proposta de OGE 22 com a execução orçamental de 2018, o saldo primário não petrolífero melhora 5,7 pontos percentuais (pp) do PIBnp. As receitas contribuem com 3,1 pp do PIBnp e as despesas com 2,6 pp.

Daqui resulta a primeira conclusão. A consolidação orçamental em Angola fez-se mais pelo lado da receita do que pelo da despesa. “Para isso muito terão contribuído os aumentos de impostos resultantes da introdução do IVA com uma taxa de 14% (a taxa imposto sobre o consumo que o IVA veio substituir era de 10%) e o aumento do IRT, cuja taxa marginal máxima passou de 17% para 27%”. O Governo insiste que o acréscimo da receita veio do alargamento da base tributária mas não apresenta evidências nesse sentido.

Quanto à despesa, a redução em 2,6 pp do PIBnp foi basicamente garantida pela redução das despesas com pessoal que caíram 3,5 pp do PIBnp, passaram de 10,1 pp do PIBnp em 2017 para 6,6 pp na proposta de OGE 22. Segunda conclusão que, por acaso, até é a mais importante: “Foi a contenção salarial na função pública a principal responsável pela melhoria das contas públicas contribuindo com 61,4% dessa melhoria”.

Outro contributo para a consolidação orçamental do lado da despesa veio do investimento cujo peso no PIBnp caiu de 0,7 pp do PIBnp, saindo de 5,9% do PIB em 2017 para 4,95 do PIBnp em 22, o que também não deixa de ser uma má notícia. Todas as outras rubricas do lado da despesa viram o seu peso no PIBnp subir.

Sem surpresa, os juros da dívida pública cresceram 2,6 pp do PIBnp de 5,7% do PIBpn em 2017 para 4,9% em 2022. Mas, como escrevi a acima, os juros estão fora do controlo do Governo.

A rubrica sobre a qual o Governo tem mais controlo, a aquisição de bens e serviços, onde estão muitas das mordomias da elite governante, não houve cortes, mas sim aumentos.

Os subsídios também aumentaram 1,4 pp do PIBnp de 0,8% do PIBnp para 2,1% do PIBnp. Com este aumento cai por terra o argumento de que as reformas estão a ajudar à consolidação orçamental. Apresentada como uma das principais reformas do programa com o FMI, a eliminação dos subsídios a preços parou na energia e na água e nem sequer começou nos combustíveis.

Resumindo para concluir, do lado do sector público, são os funcionários públicos, com o congelamento dos salários, mas também das carreiras, que estão a pagar a crise.

 

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