Angola: Advogado vê “com preocupação” demissão do presidente do Tribunal Constitucional

O advogado angolano Benja Satula (na foto) disse hoje que vê “com alguma preocupação” o pedido de demissão do presidente do Tribunal Constitucional de Angola, Manuel Aragão, após o acórdão que aprovou a revisão constitucional.

“É com alguma preocupação que eu vejo este pedido de demissão por parte do atual presidente do Tribunal Constitucional”, disse o advogado angolano à Lusa.

“Do ponto de vista da robustez do sistema de justiça, isso mostra que estamos a caminhar muito mal, porque essas garantias de independência, de imparcialidade e inamovibilidade, que são garantias dos juízes, em princípio parece que não estão a funcionar muito bem”, acrescentou Benja Satula.

O advogado, autor do livro “Branqueamento de Capitais”, assinalou que este é o terceiro pedido de demissão por responsáveis de tribunais angolanos em pouco tempo, recordando os casos do antigo juiz presidente do Tribunal Supremo Rui Ferreira, em outubro de 2019, e do provedor de Justiça Carlos Ferreira Pinto, em abril deste ano.

Benja Satula esperava que Manuel Aragão terminasse o seu mandato, assinalando que, ao não o fazer, “deixa claro que, caso não haja bastante serenidade e sensibilidade”, Angola está “a caminhar de facto para um suicídio e para uma captura das instituições que, em princípio, deveriam desempenhar a separação de poderes num Estado democrático de Direito”.

O angolano admitiu ainda que pode haver “uma pressão política ou de outra natureza” que resultou nestas demissões, recordando que os responsáveis judiciais são nomeados pelo Presidente da República.

“Se as pessoas são indicadas por ele próprio e mais tarde vêm colocar os cargos à disposição, isso mostra que não há, na verdade, uma vontade deliberada, por si só, de colocar termo às funções. Há aqui uma pressão política ou de outra natureza que fez com que essas pessoas colocassem os seus cargos à disposição”, referiu.

Benja Satula disse também que acredita que o sistema judicial angolano necessita de uma “reforma profunda”.

“Era louvável, para assegurar que tivéssemos aqui o poder judicial completamente robustecido e incólume de qualquer pressão, de qualquer ordem, de qualquer índole, e depois permitir que de facto cheguem a esses níveis pessoas que não tenham também ‘pezinhos de lã’”, apontou.

O advogado acrescentou que, por vezes, os “mecanismos de influência que existem” acabam por levar “pessoas com algum comprometimento anterior” a esses lugares de destaque.

“O grande problema que acontece entre nós em Angola é que sempre que se levanta um problema profundo, recorremos a exemplos externos para dizer: olha, não tem problemas, isso acontece como naquele outro país”, explicou, acrescentando que vários Estados da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) são “ainda Estados fracos”.

“Como são Estados fracos, a influência e o poder político sobre os magistrados ainda se faz sentir. Há aqui um papel e um curso que os próprios magistrados devem desempenhar”, concluiu.

O presidente do Tribunal Constitucional de Angola, Manuel Aragão, “manifestou na quinta-feira ao Presidente angolano, João Lourenço, o desejo de cessar as suas funções”, segundo uma nota da Casa Civil do chefe de Estado que indicou que o pedido foi aceite.

Manuel Aragão, indicado em novembro de 2017 pelo Presidente angolano para as funções, foi notícia nos últimos dias, ao demarcar-se “da maioria das decisões” constantes no acórdão que aprovou a revisão constitucional, alertando para o “suicídio do Estado democrático de Direito” ao admitir-se a hierarquia entre tribunais superiores.

Para Manuel Aragão, o sistema jurisdicional existente em Angola “é difuso, onde existe uma jurisdição comum encabeçada pelo Tribunal Supremo e uma jurisdição especializada e cada um destes órgãos é chamado, de acordo com a sua natureza, a dar resposta às questões a eles submetido”.

“No Estado de Direito, esta estrutura e organização é determinada a fim de garantir a concretização e efetivação dos demais princípios, como o princípio do direito à tutela jurisdicional efetiva”, lê-se na declaração de voto do juiz presidente do TC angolano, que votou vencido a Lei de Revisão Constitucional (LRC).

Na sexta-feira, João Lourenço promulgou a LRC, depois de aprovada no mesmo dia pela Assembleia Nacional, com votos contra e abstenção da oposição.

O diploma passou no parlamento com 149 votos a favor do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), cinco contra de deputados independentes e 49 abstenções da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), da Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral (CASA-CE), do Partido de Renovação Social (PRS) e da Frente Nacional para a Libertação de Angola (FNLA).

Em 02 de março deste ano, o Presidente angolano propôs a revisão pontual da Constituição da República de Angola, processo que culminou hoje com a aprovação da segunda deliberação do projeto de Lei de Revisão Constitucional, nos termos do acórdão do Tribunal Constitucional sobre a fiscalização preventiva da Constituição.

Na apresentação do projeto de Lei de Revisão Constitucional, o ministro de Estado e chefe da Casa Civil do Presidente da República, Adão de Almeida, disse que com esta revisão fica definida, entre outros mecanismos constitucionais, a fiscalização política do executivo pela Assembleia Nacional, e a universalização do direito de voto aos cidadãos angolanos residentes no exterior do país.

A independência do Banco Nacional de Angola, bem como a proibição da prática de atos que não sejam de mera gestão corrente por parte do poder executivo no final do mandato também estará assegurada na revisão.

Segundo Adão de Almeida, fica igualmente diminuída a margem de discricionariedade do Presidente da República, em relação à convocação das eleições gerais, na medida em que fica definida a segunda quinzena de agosto como o período para a realização das eleições, salientando ainda a retirada do princípio do gradualismo da Constituição.

 

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