Angola: Artigo 333.º: Estará a liberdade de expressão em causa em Angola?

À DW, jurista e ativista dizem que Artigo 333.º do novo Código Penal angolano coloca em causa a liberdade de expressão em Angola. Vice-Procurador-Geral da República desvaloriza receios de retrocessos na democracia.

Aqueles que costumam fazer críticas abertas à governação em Angola deverão medir as palavras para não serem presos a partir de 2021. É que o Código Penal angolano vai entrar em vigor e o seu artigo 333.º prevê de seis meses a três anos de prisão para quem “atacar o Presidente da República”.

O jurista angolano Agostinho Canando não tem dúvidas: o polémico artigo 333.º coloca em causa a liberdade de expressão em Angola “porque a própria liberdade de expressão em si, não pode ser, em princípio, vetada a belo prazer pelos governantes ou de quem é de direito”, justifica.

“Todo aquele cidadão que tem uma ideia, uma imagem a ser partilhada, para transmitir algum conhecimento ou uma informação deve fazê-lo desde que que esteja apenas no exercício da sua liberdade de expressão. Unicamente isso”, argumenta o jurista.

Também João Malavindele, coordenador da Organização Não-Governamental (ONG) angolana Omunga, sedeada em Benguela, concorda.

“No artigo 333.º, o legislador traz uma demonstração de força que periga a liberdade de pensamento e a liberdade de expressão até de criação.”

Democracia em causa

Para o jurista Agostinho Canando, esta disposição legal não só coloca em causa a liberdade de expressão como também o próprio processo democrático angolano.

“O artigo em causa representa, sim, um recuo à democracia porque se formos a comparar até mesmo com realidades mais avançadas em termos jurídicos e sociais – nomeadamente os Estado Unidos, a França e tantos outros Estado desenvolvidos – poderemos ver que caricaturas deste tipo nem sequer são tidas em conta, nem sequer fazem com que os cidadãos sejam responsabilizados civil ou até criminalmente”, nota.

Muitos cidadãos entendem que Angola tem dado sinais de ditadura. João Malavidele diz que esta desconfiança tem razão de ser, a julgar pelos últimos acontecimentos que marcaram o país ligados a manifestações do dia 24 de outubro e 11 de novembro.

“Quando você reprime manifestação, acoberta de execuções extrajudiciais e, como se não bastasse, aprova um código penal com um artigo que limita a liberdade de pensamento e outros direitos fundamentais, não resta uma outra análise se não mesmo esta de dizer que estamos a caminhar para uma ditadura”, alerta Malavidele.

PGR desvaloriza preocupações

Por seu turno, o vice-Procurador-Geral da República angolano, que falava à Rádio Nacional de Angola, manifestou-se surpreendido com a “polémica social que surgiu em volta deste artigo”, que disse tratar-se de uma norma repescada da Lei dos Crimes contra a Segurança do Estado, em vigor desde 2010, para o novo Código Penal angolano.

Mota Liz lembrou que o sistema de direito angolano segue o modelo germano-romano, o europeu continental, que igualmente advoga com intervenção de direito penal em defesa da honra e dignidade das pessoas. “O nosso modelo penal é inspirado no Código Penal português. Não sei porque é que agora vêm vozes, que isso seria a maior ditadura, que ditadura? Onde é que vão buscar isso?”, questionou.

De acordo com o magistrado, o erro dos comentaristas, “as pessoas que vão criando uma espécie de hipocondria à volta disso”, é não perceberem que esta proteção também encontra limites na realização de outros direitos, nomeadamente no direito à liberdade de imprensa, à crítica.

“Não pressupõe que não se façam caricaturas, desde que se façam críticas à atuação do órgão de soberania e do Presidente da República, não está fechado à crítica”, reafirmou.

Liz sublinha que o que se quer aqui é “que a crítica seja objetiva (…) e se reflita a factos, a atuações, procedimentos, do Presidente da República ou qualquer órgão de soberania”, acrescentou. “Não se pode é, de qualquer maneira, atirar para a lama a figura do Presidente da República”, embora esteja subjacente uma proteção de um interesse fundamentalmente individual que é a sua honra.

“As pessoas foram ouvidas, nenhuma voz se levantou, na altura, para dizer não e ele foi apreciado pelo parlamento, os nossos representantes consideraram que sim”, notou.

Cidadãos apreensivos

Enquanto a nova lei não entra em vigor, alguns cidadãos vão publicando caricaturas sobre o Presidente angolano João Lourenço.

Para além das caricaturas, trava-se também nas redes sociais, como o Facebook, uma campanha entre os críticos e os que exigem respeito aos órgãos de soberania. Um grupo leva a cabo uma campanha denominada “eu respeito o meu presidente”. Outro escreve nas fotografias das suas páginas: “Eu apoio e respeito os jovens que se manifestam.”

Agostinho Canando diz que muitos receiam que, com entrada em vigor da nova lei, não poderão expressar-se livremente. No entanto, também nota algum exagero nas caricaturas sobre o Chefe de Estado angolano feitas pelos cidadãos.

“Provavelmente os cidadãos estão a pensar na possibilidade serem as últimas [caricaturas] e que, assim que o vacacio legis terminar, já não poderão fazê-lo. E estamos aqui a presenciar alguns exageros por parte dos nossos concidadãos”, admite.

Que futuro se espera do exercício de cidadania em Angola nos próximos tempos? João Malavindele espera “um futuro de muita esperança para o exercício da cidadania. Os nossos governantes precisam de perceber que não é com leis injustas que vai parar o exercício de cidadania no nosso país.”

Na lei em vigor prevê-se uma pena de até quatro meses a “quem difamar publicamente de viva voz, por escrito ou desenho”. Em 2013, o ativista Manuel Chivonda Nito Alves foi processado pelo ex-presidente angolano José Eduardo dos Santos por difamação. Em causa estava a impressão de 20 camisolas com dizeres como “Zé Du fora – ditador”.

Texto da DW África 

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