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Angola: ATENÇÃO À MALÁRIA!

É fácil constatar que a ministra das Finanças tem a agilidade que lhe permite adaptar-se às circunstâncias à medida que vai desempenhando o seu papel governamental.

Numa primeira fase, desembarcou no governo com a cartilha ortodoxa económica adoptada em Portugal nos anos da recente crise: o fundamental era a dívida e o défice. Parecia que os germânicos que andaram em Portugal a ditar as regras a Pedro Passos Coelho (primeiro-ministro) e a Vítor Gaspar (ministro das Finanças), entre 2011 e 2015, tinham aterrado em Luanda, não percebendo que se tratava de um país diferente.

Contudo, mais recentemente, Vera Daves já coloca a par da dívida aspectos tão importantes como o sistema de saúde e o relançamento do crescimento económico. Abstraindo-nos por agora das discussões sobre a dívida, o défice e a necessidade premente de crescimento económico em Angola, vamos concentrar-nos na outra prioridade enumerada pela ministra das Finanças: a saúde dos angolanos.

É evidente que a saúde se tornou uma prioridade fundamental, por força do impacto da pandemia Covid-19 um pouco por todo o mundo, sendo que Angola não escapou a essa tendência.

No entanto, tal como em relação à política económica, devemos desconfiar de modelos únicos e rígidos aplicados em todo o globo. Na análise dos problemas de saúde, é igualmente fundamental o mesmo cepticismo metódico e a adaptação às realidades locais.

Não colocando em causa a gravidade da Covid-19, temos de perspectivar esta doença na devida proporção, face aos outros países em que teve um efeito devastador, e considerar os outros perigos de saúde pública que afectam Angola.

Recorrendo a um agregador mundial da Covid-19, verificamos os seguintes factos:

Em Angola, até 2 de Dezembro de 2020, contabilizam-se 15 251 casos de Covid-19, que deram origem a 350 óbitos, correspondendo a uma taxa de 11 mortos por cada milhão de habitantes. Já em Portugal, estão registados 303 846 casos, com 4645 óbitos: uma relação de 449 mortos por cada milhão de habitantes. No Reino Unido, ainda é pior: 1 643 086 casos, 59 051 óbitos; logo, 868 mortos por milhão de habitantes. Nas proximidades de Angola, a África do Sul contabiliza 792 299 casos e 21 644 mortos, o que equivale a 363 mortos por milhão de habitantes. Rapidamente se percebe, portanto, que a taxa de incidência da Covid-19 em Angola, segundo os dados publicados, é muito baixa.

Evitando entrar em entrando em discussões científicas sobre as causas para esta baixa incidência da doença no país, a verdade é que ela não constitui, muito claramente, o principal problema de saúde em Angola e muito menos uma causa de morte com relevo significativo, embora qualquer morte seja sempre de lamentar.

Foi publicado a 30 de Novembro de 2020 o Relatório da Organização Mundial de Saúde sobre a malária, que pode ser lido aqui. Com 299 páginas, contém 44 referências a Angola e deve-nos deixar a todos preocupados.

Se há sector a que a saúde se deve dedicar, empenhando os seus melhores esforços, é a malária. Sem sermos exaustivos na análise do Relatório, há dados que preocupam bastante.

Em 2019, morreram em Angola, pelo menos, 18 691 pessoas vítimas de malária. E, pior do que isso, segundo o Relatório, no ano passado, a África subsaariana teve mais de 51 milhões de casos estimados e quase 90 000 mortes. Cinco países da região concentraram 80% dos casos: em primeiro lugar, a República Democrática do Congo, com 55,5% dos casos estimados; Angola aparece em segundo lugar, com 14,9%.

Uma distribuição semelhante foi observada no número de óbitos por malária: 49% na República Democrática do Congo; 15% em Angola.  No mesmo sentido, negativo para a saúde em Angola, enquanto em alguns países – Camarões, República Centro-Africana, Chade, Guiné Equatorial e Gabão –, até 2020, houve progressos e se reduziu em 40% a incidência da doença, cinco países assistiram a um aumento na incidência de malária entre 2015 e 2019: o Burundi teve o maior aumento (54%), seguido por Angola (18%), São Tomé e Príncipe (10%) e República Democrática do Congo (5%).

A isto acresce que o Fundo Global de Luta contra a Sida, a Tuberculose e a Malária, uma organização internacional fundada por Melinda e Bill Gates, Kofi Annan e Jeffrey Sachs, por meio da qual são canalizados os principais financiamentos internacionais para combater a malária, diminuiu a contribuição para Angola de 12 milhões de dólares em 2018 para cinco milhões de dólares em 2019.

No passado mês de Maio, já tínhamos alertado para os problemas existentes entre o Ministério da Saúde e o Fundo Global. Esperemos que o titular do Poder Executivo se debruce sobre a questão e a resolva, pois o decréscimo do financiamento no combate à malária é um desastre absoluto, e contradiz a afirmação institucional de que a saúde é uma prioridade para o governo angolano.

A verdade é simples: a Covid-19 irá passar e a malária vai continuar. A letalidade desta doença é enormemente superior à da Covid-19. Se o governo fala a sério quando elege a saúde como sua prioridade, deve então, em definitivo e de forma sistemática, pôr em marcha um plano para erradicar a malária do país. Este é o grande desafio na saúde angolana.

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