Hoje acordei em 1992, justamente ao tão aguardado mês de Junho, que infelizmente nós fez ver a escrita na parede. Primeiro desertor depois de Bicesse, o esquecido capitão Abel Coge bem que avisou que atrás dele vinha gente importante. O que parecia mero charme de propaganda dum vendido, acabou por deixar todos boquiabertos poucos dias depois quando Nzau Puna e Tony da Costa Fernandes fugiram do galinheiro em Março de 1992.
Nzau e Tony tiraram um período sabático em Portugal, mas o regresso deles a Luanda em Junho de 1992 foi abafado por uma série de acontecimentos que bem ou mal mancharam a inédita e única visita do Papa João Paulo II a Angola. O Papa João Paulo II beijou o solo da pista do aeroporto 4 de Fevereiro, antes de apertar a mão do presidente JES. No entanto, ninguém jamais imaginou que a chegada do Papa iria antecipar a desgraça que se confirmou logo a seguir às eleições de 1992.
O cortejo de João Paulo II teve transmissão em direito da TPA e um incalculável banho de multidão do aeroporto até ao local de hospedagem, mas eis que do nada o caldo entornou em definitivo numa noite na rua Revolução de Outubro, uns metros depois do que é hoje o Ministério da Família e Promoção da Mulher. As consequências desse episódio foi o início da relação de amor e ódio entre a UNITA e a Polícia de Intervenção Rápida “PIR”, pois os ninjas na sua primeira aparição pública prenderam 16 militares das FALAS, dentre eles 7 oficiais superiores, a saber um coronel, dois tenentes-coróneis, e três que ostentavam a patente de major, além de um capitão, dezenas de soldados e vários jornalistas afectos a UNITA, dentre eles, Olinda Culanda. Vários oficiais e soldados das FAPLAS, no total de 10, também foram detidos, mas desses, apenas 9 foram acusados do mesmo crime cometidos pelos maninhos, posse ilegal de armas.
Como o futuro é incerto, estou a partilhar convosco o recorte que fiz as páginas 1 e 2 do Jornal de Angola de 12 de Junho de 1992, uma edição que foi muito lida também em parte por causa duma discussão no verdadeiro sentido da palavra entre Jorge Valentim, secretário para a informação da UNITA, e um jornalista da rádio portuguesa TSF. Além de acusar o governo de querer utilizar a UNITA como cobaia da PIR, Jorge Valentim lembrou que durante a guerra civil que culminou em Bicesse, 1975-1991, “o governo utilizou todo o tipo de armazenamento contra a UNITA e nunca foi preso um superior das FALAS. O governo deve tomar medidas, porque faz-me lembrar que há a tendência de humilhar os nossos soldados”, enfatizou Jorge Valentim que contrariou os números da polícia e apontou para 37 os detidos, entre militares e civis da sua organização.
As imagens televisionadas da TPA no dia do incidente mostravam alguns ninjas em acção, bem como um irritado civil que aparentava ser da UNITA que parecia ter na mão uma PKM a pedir para que a TPA parasse de filmar a residência de que era guarda. A repercussão desse episódio acabou por despertar um misto de emoções, que acabou por ser agridoce. É verdade que deu uma grande audiência a TPA, RNA e Jornal de Angola, órgãos de imprensa do governo, e a VORGAN, rádio da UNITA que conquistou Luanda dando a fezada de gravar músicas, às vezes tocavam sem parar o álbum dum cantor ou banda, e o jornal Terra Angolana, também afecto aos maninhos, mas quem viveu aquelas emoções tem de concordar que sem ninguém notar, a esperança começou a morrer lentamente, o país deixou de acordar da mesma maneira com os jornalistas, estatais e privados, nos privados incluo os da VORGAN e Terra Angolana, a desempenhar mal o seu papel ao fazer o que Salupeto Pena chamou de “aproximar o lume da pólvora”, até que o que parecia ser um mero recado de Salupeto Pena aos jornalistas estatais se cumpriu de maneira irreversível. “Vós da comunicação social, com a vossa linha editorial, estais a aproximar o lume da pólvora. E se houver guerra neste país, a banga vai vos acabar. Não ides ter tempo”, sentenciou dois antes de ser visto vivo pela última vez.
1992 parece que foi ontem, mas as memórias vão acompanhar as testemunhas oculares pelo resto da vida porque a alegria dos angolanos foi como a do pobre, durou pouco. Talvez não estejamos aqui para celebrar os 30 anos dessa página marcante da nossa história, mas com antecedência aqui está mais o meu depoimento, que a semelhança de outros, quero que seja tido em conta sem a visão parcial da política.