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Angola/Cafunfo: Mina do Cuango tenta “recuperar da pandemia” e promete mais atenção às comunidades locais

Ainda a ressentir-se dos efeitos da pandemia de covid-19, que penalizou fortemente a produção de diamantes, a Sociedade Mineira do Cuango espera aumentar receitas este ano e promete mais benefícios a favor das comunidades locais.

Em entrevista à Lusa, Helder Carlos, presidente do conselho de gerência da Sociedade Mineira do Cuango (SMC), falou sobre a relação conflituosa com os garimpeiros e a população do Cuango (norte de Angola), mas sublinhou que a empresa quer melhorar a partilha de riqueza gerada pelos diamantes promovendo mais iniciativas de responsabilidade social.

“Face às inquietações manifestadas pelas comunidades, sobretudo por parte das autoridades tradicionais, a direção da Endiama [diamantífera estatal angolana] tem estado a modelar um projeto que permita maior apoio e mais contributos”, destacou.

A região foi palco de incidentes, no final de janeiro, na vila mineira de Cafunfo, onde uma alegada tentativa de invasão de uma esquadra policial, protagonizada por membros do Movimento do Protetorado Português da Lunda Tchokwe, resultou em pelo menos seis mortos.

Esta versão oficial é contrariada por testemunhas locais, organizações não-governamentais e partidos da oposição, cujas estimativas apontam mais de 20 mortos e falam de uma tentativa de protesto para reivindicar melhores condições de vida.

Helder Carlos reconheceu que “há um histórico” de relações conflituosas envolvendo a mina e que o que tem sido feito pelas comunidades não é o suficiente, mas apontou também alguns benefícios, entre as quais a construção de escolas primárias, apoio à merenda escolar, construção de uma ponte pedestre sobre o rio Cuango para facilitar a circulação e construção de um bairro social para os mais de 600 trabalhadores da SMC, dos quais cerca de 400 são locais.

Mas o responsável da mina não poupa também críticas à atividade de garimpo que tem “prejudicado, e muito, a atividade operacional”.

O projeto Cuango resulta de uma parceria entre a Endiama, a ITM e a Lumanhe, designado como Sociedade Mineira do Cuango, e detém uma área de 3.000 quilómetros de extensão na zona do rio Cuango, tendo iniciado a produção em maio de 2005.

O responsável da mina explica que os garimpeiros operam de forma desorganizada e sem respeito pelo ambiente, degradando as áreas de concessão e acabam por prejudicar as reservas, ou seja, o potencial mineiro daquela área, podendo até reduzir o período de vida útil da mina.

“O garimpo, por si só, é crime e prejudica grandemente as empresas”, frisou.

No entanto, a Endiama tem também uma nova abordagem ao problema, acrescentou, tentando enquadrar os garimpeiros na atividade formal, seja de forma semi-industrial ou como produtores artesanais.

Hamilton Carvalho, diretor adjunto e de operações mineiras, diz que “onde há minas, há garimpo” e a SMC tenta encontrar formas de combater a exploração diamantífera ilegal.

O acesso é restrito e a zona de concessão é fortemente vigiada por empresas de segurança privada.

Além dos estragos, Hamilton Carvalho chama também a atenção para os riscos que envolve a atividade do garimpo, sobretudo se forem usadas técnicas como a ”majimba”, um método de exploração subterrânea que consiste na abertura de um poço vertical e na construção de galerias para chegar ao minério.

“É uma atividade de alto risco, em lençóis freáticos onde a terra não é consistente, sempre ocorrem desabamentos e quando ocorrem desabamentos temos mortes”, apontou.

Quanto aos alegados abusos de direitos humanos, relatados por garimpeiros, Helder Carlos diz que a questão não se coloca.

“A empresa privada com quem temos um contrato de prestação de serviços para assegurar o perímetro da área de concessão tem tido uma postura irrepreensível na forma como lida com as comunidades, e até com os garimpeiros, pautado por uma cultura de respeito e intervenções didáticas para evitar qualquer tipo de conflito”, garante o presidente da mina.

Quanto às restrições de circulação na estrada que liga o município do Cuango a Cafunfo, uma das queixas da população local, Helder Carlos lembra que uma área mineira, “pela natureza da sua atividade”,impõe regras de segurança face aos perigos de acidente associados à circulação dos próprios equipamentos da mina.

“Ainda assim, excecionalmente, e face à elevada degradação da estrada alternativa, temos permitido que veículos e pessoas circulem pela nossa área de concessão”, acrescentou.

Após um ano de 2020 “atípico” em que a SMC foi fortemente penalizada pela covid-19, fruto da redução drástica na força de trabalho, a empresa tenta agora recuperar os lucros.

“Durante cerca de oito meses, os níveis de produção eram sofríveis, andavam em torno dos oito mil quilates. A partir do mês de setembro, com as equipas refeitas, a produção voltou a subir e terminámos o ano em torno dos 20 mil quilates”, adiantou Helder Carlos.

Em janeiro, a empresa produziu cerca de 22 mil quilates e, em fevereiro, aumentou para 23.886 quilates, com um preço médio em torno dos 400 dólares (333 euros) por quilate.

A SMC espera, por isso, aumentar a produção e incrementar as receitas este ano: “Ao continuar com este ritmo e a forma como reestruturamos a atividade operacional da empresa, com uma nova abordagem, pensamos que sim”.

Quanto aos projetos de responsabilidade social, não há uma percentagem definida para o efeito, já que “as intervenções têm sempre um caráter pontual em função das necessidades que vão sendo colocadas pela comunidade”, afirma Helder Carlos.

A SMC explora atualmente quatro frentes, onde são removidos, diariamente, milhares de metros cúbicos de terra estéril, que cobre o cascalho, a camada onde se esconde o minério e potencialmente os diamantes.

“Claro que a atividade de exploração cria sempre impacto, mas pautamo-nos por uma mineração sustentável tentando minimizar [esses efeitos]. É uma responsabilidade que o próprio Estado nos cobra”, sustenta Hamilton Carvalho.

A SMC minimiza o impacto ambiental causado pelo desmatamento e movimentação de terras através da reflorestação com espécies autóctones, dispondo de um viveiro próprio.

No ano passado, foram plantadas 1.851 plantas, prevendo-se que sejam plantadas outras 6.000 árvores em 2021.

A mina tem também uma lavra comunitária e uma estufa onde faz plantação de hortícolas para distribuir nas escolas e nas aldeias, bem como um projeto de reciclagem de garrafas de plástico e de latas de alumínio.

Depois de retirado por bulldozers e escavadoras, o minério é encaminhado para lavarias onde é limpo e separado em função da sua granulometria, mas só um quarto deste material será aproveitado para uma segunda fase de escolha, onde será submetido ao raio-X.

A partir daí, segue para a mesa de “picagem”, onde é submetido a um processo de seleção manual, em função da reflexão da luz.

“Todo o minério que reflete a luz é capturado e cai numa bandeja onde vai ser separado manualmente”, explica Hamilton Carvalho, durante uma visita à mina.

Brilho, cor e peso determinam o valor do diamante. Depois de limpas, classificadas e pesadas, as pedras sofrem um processo de acidificação que lhe retira as impurezas, sendo depois novamente reclassificados. Só então os diamantes brutos estão prontos a ser exportados, para mercados como a China, Dubai, India e Antuérpia, onde é feita a lapidação.

O diretor adjunto da SMC estima que a mina tenha potencial para, pelo menos, mais 15 anos de exploração.

“A produção da mina varia sempre em função dos custos operacionais e a receita bruta arrecadada. Por isso, todos os anos existe um plano de produção que vai ditar a vitalidade a mina”, referiu.

Angola é o quarto maior produtor mundial de diamantes, com uma produção média anual de cerca de nove milhões de quilates até 2019.

A previsão, em 2020, era passar para os 10 milhões de quilates, mas devido à pandemia da covid-19 os níveis de produção cifraram-se em menos de seis milhões de quilates.

Para 2021, prevê-se uma produção de cerca de 11 milhões, perspetivando-se para 2022 uma produção de 14 milhões, segundo dados da Endiama.

 

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