Os taxistas de Luanda transportam milhares de angolanos e a sua paralisação por um dia lançou o caos na capital. Mais de uma semana depois, continuam a queixar-se dos sacrifícios e pedem mudanças, mas nem todos concordam com a greve.
Ninguém sabe exatamente quantos são nem quanto faturam os “azuis e brancos”, como são também conhecidos os candongueiros, os populares transportes coletivos privados que circulam em todas as províncias angolanas assegurando as deslocações de grande parte da população.
Em 10 de janeiro, três associações de taxistas convocaram uma paralisação para chamar a atenção para os problemas da classe, transformando Luanda numa cidade (ainda mais) caótica e gerando revolta entre muitos luandeses que não conseguiram transporte.
“O dia ficou também marcado por atos de vandalismo que visaram instituições ligadas ao Governo (um edifício do MPLA, partido do poder, e um autocarro do Ministério da Saúde ficaram reduzidos a cinzas) e acabou com mais de uma centena de detidos”.
Apesar de se tratar de uma atividade informal, os taxistas funcionam de acordo com regras próprias, estão organizados em várias associações e representam o sustento de muitas famílias angolanas.
Cada “táxi” ou “quadradinho”, normalmente uma pequena carrinha que leva até 15 passageiros, dá emprego a, pelo menos, um motorista, um cobrador e um lotador, nome dado aos jovens que, nas paragens, angariam os clientes e ajudam a “lotar” a viatura.
Quanto mais cheios vão os táxis, maior é o seu rendimento diário. Por isso, os candongueiros seguem sempre ao ritmo de uma condução rápida e nervosa, driblando agressivamente viaturas, peões e outros obstáculos no caminho, procurando fazer o máximo de viagens por dia e sobrepondo a pressa ao cumprimento do código da estrada.
Desde as primeiras horas da manhã que as principais vias de acesso à capital angolana se enchem de carros e de gente: que espera um transporte, que circula a pé, que faz negócio vendendo um pouco de tudo na beira da estrada.
Às 06:00, os bairros que circundam a cidade já há muito despertaram. Esperando na Via Expressa, ponto nevrálgico do comércio chinês em Luanda, na paragem da Mutamba, está Abel Morais.
O eletricista de 24 anos aguarda pacientemente o seu táxi para o Bita Tanque (município de Belas) há cerca de meia hora. Irá demorar mais uma hora para chegar ao local de trabalho, recorrendo a dois transportes e fazendo parte do percurso a pé.
“Entre as 06:00 e as 09:00 tem sido um período complicado, tem sido um transtorno grande” diz à Lusa, a propósito da necessidade de transportes públicos.
À medida que chegam os veículos — táxis, autocarros ou viaturas particulares – sucede-se a confusão, que resulta por vezes em conflitos, quando os passageiros se acotovelam e furam na tentativa de tomar um lugar.
Assegurar o distanciamento social nestes aglomerados, como está previsto nas medidas de combate à covid-19, torna-se impossível, embora a grande maioria dos passageiros use máscara.
“Infelizmente há muitos ajuntamentos e maior probabilidade de propagação do vírus”, reconhece Abel Morais.
“As pessoas lutam bastante para entrar no táxi, uns são vítimas de roubos, tem sido muito constrangedor” prossegue, reiterando que os transportes públicos fazem “muita falta” para facilitar a deslocação da população.
Cada táxi é único e muitos personalizam o veículo com lemas de vida, dizeres humorísticos ou menções a bairros e a grupos, como o “Placa do 41”, conduzido por Carlos Raul, que alude neste caso ao local de encontro dos taxistas.
É motorista há 4 anos e na semana passada teve de parar, embora não pertença a nenhum das associações e que “estavam a lutar pelos seus direitos”, para evitar que a viatura fosse vandalizada.
Defende que uma das melhorias necessárias era a criação de paragens próprias: “Nós não temos paragens certas. Onde tentamos parar, o polícia, o regulador de trânsito já está contigo, então não é possível”, lamenta, sublinhando que os taxistas também pagam taxa de circulação e merecem “um pouco de direitos” e espaço próprio para os seus táxis.
O táxi que conduz, que vai do desvio do Zango a Benfica, transporta entre 60 e 80 passageiros nas 16 corridas que faz diariamente neste trajeto e não satisfaz a procura.
“Faz falta mais transportes públicos, a demanda ainda é demais”, salienta o taxista.
Questionado sobre se concorda com a paralisação, disse que “toda a manifestação tem um objetivo”. Neste caso, se o Governo aceitasse o caderno reivindicativo, que contempla pontos como alegada extorsão pelas forças de defesa e segurança, falta de carteira profissional, a exclusão dos taxistas nas políticas do executivo e o mau estado das vias, acredita que seria possível “melhorar alguma coisa”.
Já o cobrador do táxi Cândido Augusto José, de 21 anos, sentiu-se prejudicado: “nós parámos e isso causou-nos dívida com o patrão, não era nossa intenção e temos de devolver aquele dia que estivemos parados para não causar dificuldades com o carro”, lamenta.
Num dia normal, o táxi faz entre 40.000 e 50.000 kwanzas (66 e 83 euros) e pode chegar aos 60.000 kwanzas (99 euros), dos quais há que tirar dinheiro para o combustível e para o patrão, dividindo o resto com o motorista.
“Dá para viver no final do mês”, mas Cândido diz que se pudesse mudar algo na vida sairia “desse mundo do táxi”.
“É muito sofrimento, você leva passageiro que não bate bem, você lhe tira desse sítio querem lhe dar 50, querem lhe dar 100 (em vez dos 150 que custa a viagem)”, desabafa.
António Luis Pedro é um dos apressados lotadores que trabalha na paragem de Benfica e assume a dependência dos taxistas. São eles que lhe dão 150 kwanzas (24 cêntimos) cada vez que enche a viatura e são eles que lhe garantem o ganha-pão.
“Nós dependemos dos taxistas, se não fosse o homem do táxi não íamos ter dinheiro”, realça.
Também ele fala de um “trabalho de muito sacrifício”, em que tentam não agredir nem discutir com o passageiro, admitindo que nem sempre é fácil controlar, sobretudo de manhã.
O lotador discorda da paralisação e agradece o regresso à normalidade: “também me feri, fiquei dois dias sem trabalhar e eu dependo desse trabalho”.
Um trabalho que também gostaria de trocar por outro.
“Aqui está mesmo mal, o que quero é mudar, eu vejo isto como um biscate, não é um emprego fixo. Os nossos dirigentes têm de ver o nosso sofrimento, têm de olhar para nós porque nós passamos mal, 100% da juventude está desempregada”, refere.
Evaristo Pinto, dono, motorista e cobrador de táxi, circula entre Benfica e Praça Nova e disse não ver a greve com bons olhos e não concordar “com a confusão que fizeram” nesse dia.
“Não é altura de fazermos isso”, acrescentou, considerando que as associações devem “sentar-se com as autoridades angolanas, e identificou entre as prioridades a criação de uma caixa social.
Aproximam-se as 09:00, as paragens vão-se esvaziando e o fluxo de trânsito começa a aliviar. O ritmo abranda até às 15:00, horário de encerramento dos serviços da função pública e que é para muitos a hora do regresso a casa, repetindo-se o corre-corre no sentido inverso.