Angola: Decisão de “descapitalizar” Fundo Soberano de Angola (FSDEA) continua a ser alvo de críticas

Analistas identificam falhas na implementação do Programa Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM) quanto à planificação e fiscalização das obras. Governo prepara-se para apresentar balanço.

Passados dois anos sobre o lançamento do Programa Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM) mantêm-se as dúvidas sobre a viabilidade económica da decisão de descapitalização do Fundo Soberano de Angola (FSDEA) para se materializr a iniciativa.

O economista Domingos Fortes explica que desde o início que se manifestou contra a ‘evasão’ de divisas do Fundo Soberano para o financiamento deste programa, considerando que o Governo devia usar para essa empreitada recursos do OGE. “O Estado tem muitas formas para financiar a economia, mas de forma alguma se devia mexer no Fundo Soberano cuja acção é multiplicar o dinheiro para garantir o futuro das próximas gerações”, contesta. O mesmo argumento apresenta o também economista Eliseu Gaspar, para quem não se deveria mexer no FSDEA, “já que geralmente o dinheiro dos fundos serve para salvaguardar projectos para futuras gerações”. Defendendo que “os fundos soberanos só devem ser mexidos em situações de emergência, ou havendo uma calamidade natural”, Gaspar aponta que, “em vez de investimentos em infraestruturas que depois não funcionam, os recursos do FSDEA deviam ser canalizados, numa primeira fase, para potenciar a agroindústria, o que iria aumentar o consumo e a produção interna e exportar para o mercado da região que tem mais de 90 milhões de consumidores”.

Antigo vice-ministro das Finanças, Arlindo Sicato avança na mesma linha, defendendo que a transferência de recursos do FSDEA para o PIIM só seria positiva num cenário emergencial. “O mais agravante é que não há dados concretos sobre a incidência dos programas nas comunidades. Os resultados não são revelados e fica difícil questionar”, lamenta.

Por sua vez, o reputado economista Alves da Rocha argumenta que, sem elementos de avaliação, fica difícil tirar conclusões se valeu a pena fazer essa transferência de recursos do Fundo Soberano para o PIIM, visto que “as conclusões não podem ser tiradas de ânimo leve”. “Existem critérios que devem ser levados em conta, com base nas avaliações”, argumenta. “Será que valia a pena manter os recursos? Têm de ser analisados o custo eficiência e o custo eficácia. Aliás, se o dinheiro continuasse no Fundo, certamente, não estaria parado. Tinha de ser aplicado. Portanto, há aqui também uma componente social”, refere.

Alves da Rocha insiste ser “preciso a análise aos projectos que resultaram da descapitalização do Fundo e essa análise não está feita, ou seja, saber que efeito provocaram os investimentos nas infraestruturas e qual o retorno esperado”, para a recapitalização do Fundo.

O PIIM foi lançado a 27 de Junho de 2019, no município do Cazombo, Moxico, pelo Presidente João Lourenço que, na altura, lembrou a máxima segundo a qual “a vida se faz nos municípios”. Por ocasião da decisão de descapitalização do FSDA, João Lourenço sublinhou que o PIMM não representava qualquer declaração de morte do Fundo. “Não estamos a retirar a totalidade dos recursos que o Fundo Soberano tem. Portanto, o Fundo Soberano não acaba, vai manter-se”, garantiu, na altura, salientando que a maioria dos países no mundo que tem Fundo Soberano não juntou valores “tão altos” como os de Angola. “Portanto, a gente pode muito bem ter um Fundo Soberano com muito menos de 5.000 milhões de dólares. Mas não deixa de ser Fundo”, defendeu.

Governo prepara-se para apresentar  resultados

O PIIM continua a receber críticas pelo seu fraco alcance. Mas o Governo, através da comissão interministerial coordenada pelo Ministério da Administração do Território, diz que se prepara para em breve apresentar o balanço do plano.

“Estamos a preparar o dossiê que deve dar conta do que se fez nos dois anos de vigência do programa e constrangimentos”, disse ao VALOR um alto funcionário da Administração do Território, escusando-se a avançar mais detalhes. À nossa insistência, esse mesmo contacto deixou escapar apenas que “a equipa interministerial vai apresentar os resultados da implementação do plano nos próximos dias”.

Mas, na antecâmara desse pronunciamento, analistas avaliam que, em dois anos, o PIIM pouco trouxe no desenvolvimento local, considerando-o como um micro Programa de Investimentos Públicos (PIP), que assenta na “falsa ideia” de resolução dos problemas da população, quando na prática há “gritantes falhas” na sua implementação.

Assim pensa, por exemplo, o economista Martinho Nguelessi que vê deficiências nos balanços por não indicarem a população alvo. “Fala-se muito deste programa, mas o que temos de concreto se as estradas de ligação com o campo continuam intransitáveis? Como é que as acções se reflectem na qualidade de vida das pessoas?”, questiona o também assistente financeiro do Observatório Eleitoral Angolano.

Arlindo Sicato também critica o plano de inspiração Presidencial, observando que as lacunas estão não apenas na implementação, mas na fiscalização e monitorização desses projectos que geralmente consomem muito dinheiro. “Paralelamente ao PIIM, já tínhamos o PIP financiado pelo Orçamento Geral o Estado. O PIP, um instrumento do Ministério do Planeamento, criava e selecionava os projectos e acompanhava a implementação e necessidades das províncias. Era portanto de abrangência nacional. Já o PIIM talvez tenha sido criado numa perspectiva de autarquias em que o município identifica as suas linhas prioritárias de investimento para a criação de infraestruturas básicas, porém  tínhamos que ser mais claros. Ou é a base das autarquias em ensaio, ou então já não temos incidência sobre o PIP”, nota.

Por sua vez, Eliseu Gaspar não acredita no sucesso do PIIM e aponta a desvalorização da moeda como um dos empecilhos na manobra dos empreiteiros. “É exactamente em função da desvalorização que o PIIM não vai cumprir com os objectivos preconizados, aliado ao facto de, em alguns casos, a adjudicação das empreitadas “estar eivada dos vícios do passado, traduzidos na corrupção”, observa  o também vice-presidente da Confederação Empresarial da CPLP.

Plano no terreno

No Cuanza-Sul, por exemplo, a circular do Sumbe, ainda não saiu do papel, um troço rodoviário de quase 25 quilómetros avaliados em 130 milhões de dólares. Na própria cidade, as ruas estão praticamente intransitáveis. Já no Porto Amboim, também no Cuanza-Sul, os habitantes mostram-se agastados com as “trapalhadas” da empresa Angosino Comercial e Engineering Co  a quem foi adjudicada a obra de reparação de 20 quilómetros das ruas da sede municipal, estimadas em 3.000 milhões de kwanzas, no âmbito do PIIM.

Para Monteiro Rodrigues, um empresário com interesses na província, o que se está a passar no Porto Amboim é uma “pouca-vergonha”. “A Angosino anda às voltas a tapar buracos, quando, conforme os danos do pavimento, se deveria fazer o levantamento de todo o tapete asfáltico e a feitura de um novo. Isso acontece numa altura em que a empreiteira já recebeu quase metade do orçamento”, repara. Ironizando que, entre o mais difícil, a Angosino, uma empresa de direito angolano que tem à frente o cidadão Ho Yen, escolheu o mais fácil, ou seja, remendar uns buracos e deixar outros, Rodrigues criticou ainda a forma “pouco transparente” como são feitos os concursos públicos ou mesmo os regimes de adjudicação directa. “Temos na execução do PIIM empresas sem histórico na construção civil, muitas das quais  adaptadas à pressa, o que está na origem da má qualidade das obras. E, para agravar, temos uma fiscalização de fachada”, acusa outro empresário da Huíla, agastado com o fraco desempenho das empresas eleitas para as obras nos municípios da província. “Na Huíla, a impressão com que ficamos é que este plano, para além de facilitar o desvio de fundos públicos, por via de empresas em que se escondem governantes, visa igualmente favorecer o partido que governa”, acrescenta o empresário.

Balanço

Em Maio, os resultados do PIIM indicavam que há 1.648 projectos estavam em execução dos 1.705 programados. Luanda e Huíla lideram a lista dos maiores projectos em execução, com 142 cada uma, seguindo-se o Huambo, com 136. No Moxico, onde foi lançada a primeira pedra do plano, por João Lourenço, estão em execução 111 projectos, posicionando a província no quinto lugar.   Na ‘cauda’ dos projectos em andamento está o Zaire com 24.

No âmbito central, entre os projectos que reúnem condições para serem executados, o Ministério do Interior reclama a maior fatia (26), ao passo que o das Obras Públicas segue com 16. O Ministério da Energia e Águas, com seis, está na terceira posição. Transportes e Educação, ambos com três projectos exequíveis estão em quarto. A Saúde tem apenas dois e é o último do top.

Em termos de execução financeira,  os projectos de âmbito central consumiram 63.327 mil milhões de kwanzas em Maio.

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