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Angola: Desobediência como virtude

«Oxalá que possamos ser desobedientes, cada vez que recebemos ordens que humilham a nossa consciência ou violam o nosso sentido comum [de humanidade]» – Eduardo Galeano.

É comum que as pessoas cujo ser incorporou a sede de justiça e de liberdade, transfiram a sua compreensão sobre a injustiça e opressão, para a sociedade. Acreditam piamente que a tirania reinante é percepcionada de igual modo pelos concidadãos ou com gradações acima ou abaixo.

Esta mundividência deve ser questionada. Submetida ao crivo da dúvida. Mesmo que seja somente por alguns instantes, por parte das mulheres e homens que desejam a transformação da sociedade. Este momento de auto-consciência-crítica deve traduzir-se nos seguintes questionamentos essenciais: se o povo estivesse a sofrer lutaria para mudar? O povo é mesmo infeliz? Sente-se mesmo oprimido ou realizado? Existem condições históricas para convocar as pessoas a lutar pela transformação da realidade? A minha compreensão da realidade coincide com a do povo?

As respostas dadas a estas perguntas determinarão a luta ou a inércia temporária. Definirão o rumo e os métodos a seguir. Mas de algo deve-se ter consciência clara: pode-se estar a solicitar a libertação de homens e mulheres cuja compreensão de si mesmos é de liberdade, felicidade e realização. Nestas circunstâncias, a consequência lógica será te considerarem um louco!

Dito isto, é necessário lembrar que, por detrás de um projecto de libertação está um valor ético essencial: a desobediência. Infelizmente, esta virtude foi e é vista no ângulo oposto, como sendo um vício. A desobediência é combatida e promovendo-se a obediência cega. Para a demonização da desobediência contribuíram inúmeras instituições ─ a família, a igreja, os media, a escola, o exército ─ e elevaram a obediência ao nível de virtude suprema. Estas instituições reforçaram o estigma sobre a rebeldia lúcida. Mesmo quando está em causa a dignidade humana.

Os resistentes, aqueles que têm sede de justiça, devem difundir na sociedade a dimensão virtuosa da desobediência. Devem elevar a desobediência ao nível de valor ético essencial e supremo para a transformação da realidade. A desobediência, enquanto elemento constitutivo do edifício axial, encontra acolhimento na Psicologia do Desenvolvimento Moral. Esta concepção moral encontra correspondência prática em Kimpa Vita, Jean-Jacques Dessalines, Patrice Lumumba, Martin Luther King, Rosa Parks, Thomas Sankara, entre outros, cujos actos de desobediência esqueceram interesses privados e transformaram a realidade em vista do bem comum. Infelizmente, estas personalidades e outras cuja luta pela liberdade e justiça coincidem, demonstram com eloquência histórica que nada mudará se não houver confronto. Da desobediência pode nascer o progresso como no-lo demonstra a própria história do mundo.

Barack Obama, durante a sua visita ao Gana, ao dedicar um excerto do seu discurso aos jovens, afirmou: «Dirijo-me em particular aos jovens em toda a África e aqui no Gana. Em países como o Gana os jovens representam mais de metade da população. E eis o que devem ter em mente: o mundo será aquilo que dele fizerem. Têm o poder de responsabilizar os vossos líderes e de formar instituições que sirvam o povo. Podem servir as vossas comunidades e canalizar a vossa energia e educação para criar nova riqueza e construir novas ligações ao mundo. Podem ganhar a luta contra a doença, e pôr fim aos conflitos, e accionar a mudança a partir das bases. Podem fazer tudo isso. Sim, podem — (aplauso) — porque, neste momento, a história está a avançar. Mas tudo isso só poderá ser feito se todos assumirem a responsabilidade pelo vosso futuro. Não será uma tarefa fácil. Exigirá tempo e esforço. Haverá sofrimento e contrariedades. […]. (Aplauso.)» – (No Parlamento. Acra, 12 de julho de 2009).

No ano seguinte, em Washington, Obama retomou este argumento no Fórum de Jovens Líderes Africanos, quando lembrou esperançosamente que «serão os jovens – a transbordar de talento, energia e esperança – que poderão reclamar o futuro que tantos outros, em gerações anteriores, nunca chegaram a realizar.» Servimo-nos destas exortações de Obama porque a desobediência de grandes proporções, de grandeza revolucionária ‘só os jovens’ a poderão fazer. É a eles que a pedagogia da revolução se deve dirigir a partir das comunidades de base. Na periferia profunda. É ali onde se faz necessário a tomada de consciência da opressão. Os arautos da desobediência libertadora devem evitar os espaços urbanos. É perca de tempo. Deve-se ir onde está o rosto e a encarnação da indignidade material construída politicamente.

Se é importante que os jovens saibam que cabe a eles a revolução, precisam igualmente tomar consciência que a Carta Africana da Juventude estabelece para este grupo, sem rodeios, o grave dever e responsabilidade de luta por uma sociedade democrática, como atesta o artigo 26: «[…] trabalhar para a instauração de uma sociedade livre de […] violência, da opressão, da criminalidade, da degradação, da exploração e da intimidação; […] Defender a democracia, o Estado de direito assim como as liberdades fundamentais.»

É redundante afirmar que o grupo grotesco e bárbaro é absolutamente oposto à democracia, à liberdade, à paz e aos direitos humanos. O grupo opressor é a síntese da banalidade do mal, justificando assim que os jovens abracem com urgência a visão da carta, de Obama e, finalmente, de um requisito essencial para fazer a revolução: não tenham medo! «Queridos jovens, ficarei feliz vendo- vos correr mais rápido do que os lentos e medrosos. Correi atraídos por aquele Rosto tão amado, que adoramos […] e reconhecemos na carne do irmão que sofre…», disse o Papa Francisco.

Um alerta. Sendo certo que se trava uma luta contra grotescos e bárbaros, é necessário cuidado para que os combatentes pela liberdade não se metamorfoseiem em selvagens. Este risco é real. A luta contra um grupo em estado de natureza pode tornar-te selvagem a partir do momento em que se adopta tácticas de luta fora dos padrões éticos, tal como o oponente faz há décadas.

Quando alguém luta durante muito tempo contra um monstro, se a monstruosidade não puser fim à tua vida, o resultado mais provável, será transformar-te também em outro monstro! Para que isso não aconteça, tens duas saídas hipotéticas: abandonar o duelo e preservar o teu humanismo e elevação moral, ou continuar a lutar, mas voltar sempre às fontes da ética e da civilização que se opõem à brutalização do humano, que se opõe à barbárie e eleva a sensibilidade e refinamento interior.

Mas tudo isso, será sustentado por um pressuposto: o recolhimento (isolamento) e os actos de pensamento sistémicos e incessantes (reflexão/introspecção), tornando-te líder interior de si mesmo.

Finalmente, por mais contraditório e doloroso que pareça, aqueles que têm sede de justiça devem ter sempre em conta as seguintes teses: i) Se as pessoas se sentissem oprimidas o suficiente, lutariam; ii) Há povos cuja opressão é voluntária; iii) Não pode haver mudança sem que haja condições históricas para isso; iv) Nenhum iluminado pode despertar um povo que se quer suicidar colectivamente; v) Se ignorar estas teses, o povo transformar-te-á em louco. Em seguida, continuará feliz como sempre foi. (gostaria de esclarecer que o povo também é quem trabalha na ONG, membros da indústria da pobreza, quem conseguiu um diploma universitário, todos nós…, com excepção daqueles que, pelo poder de controlo – a elite do retrocesso − negam a si mesmo a pertença ao povo); vi) Nada altera sem audácia da esperança ou projecto de nação. Nada muda quando as pessoas somente reagem aos estímulos do detentor do poder. Nada muda quando as pessoas não têm agenda (não sei se entendeu isso!). A minha inabilidade mental não me permite explicar de outra forma…); vii) Quando se deseja propor uma revolução, deve-se compreender se o povo deseja uma nova forma de sociedade ou se quer simplesmente a integração no grupo dos indecentes para a continuidade do comunismo da infâmia.

Domingos da Cruz

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