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Angola: Dez anos depois, “ainda se assiste a detenções e tortura de manifestantes”

A 7 de março de 2011 começavam os protestos de rua contra a governação do ex-Presidente José Eduardo dos Santos em Angola. Uma década depois, e já com um novo executivo, o cenário não mudou, afirmam ativistas.  

Os protestos de rua em Angola contra a governação do ex-Presidente José Eduardo dos Santos começaram a 7 de março de 2011, quando um grupo de jovens tentou reunir-se na Praça da Independência. Na altura, o protesto foi dispersado pela polícia.

Volvidos dez anos, o cenário não mudou, mesmo com uma nova governação desde 2017, revelam os ativistas entrevistados pela DW África.

“Infelizmente, e depois dos dez anos, ainda assistimos a detenções, torturas e, nos últimos anos, assassinatos em pleno exercício do direito de manifestação, como os casos de Inocêncio de Matos, a 11 de novembro de 2020, e o ocorrido em Cafunfo, no dia 30 de janeiro de 2021“, diz José Gomes Hata.

O ativista Albano Bingu-Bingu também concorda: “Depois de dez do início dos protestos de rua, a liberdade expressão e manifestação ainda é uma miragem em Angola”, revela.

Arante Kivuvu foi outros dos ativistas que, nas ruas de Luanda, exigiu por melhores políticas públicas e a destituição do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, que governou Angola por quase 40 anos.

“Em termos de liberdade de expressão e manifestação ainda estamos muito distantes porque ainda assistimos a violência, ao ponto de envolver a morte de manifestantes. Isso mostra que o Governo liderado pelo MPLA tem dificuldade em respeitar o direito à vida que está plasmado na nossa lei magna”, diz o ativista, lembrando os recentes acontecimentos de Cafunfo.

Nos primeiros meses da chamada “nova Angola”, liderada pelo Presidente João Lourenço desde 2017, as manifestações não eram reprimidas, lembra Bingu-Bingu.

“Depois da tomada de posse do Presidente João Lourenço, havia uma abertura no que concerne à liberdade de expressão e manifestação”. Mas, de um tempo a esta parte, continua o ativista, as coisas mudaram radicalmente. “Só foi uma estratégia que o Presidente usou para ter a popularidade que ele nunca teve desde a sua campanha para a presidência”, diz.

Não há dúvidas de que o 7 de março de 2011, inspirado na primavera árabe, entrou na história como o início dos protestos de rua contra o regime vigente na altura.

Mas José Gomes Hata lembra que antes desta data, já havia movimentos políticos e estudantis que exigiam nas ruas de Luanda o respeito pelos direitos, liberdades e garantias.

“Na verdade, os protestos de rua em Angola existem há mais tempo, estamos lembrados das manifestações convocadas pelo MEA a exigir o passe nos transportes públicos para os estudantes e manifestações desencadeadas pelo extinto partido PADEPA”.

2015 traz o processo 15+2

2015 viria a ser outro ano marcante no que toca à luta pela destituição do então Presidente José Eduardo dos Santos e pela exigência de melhores condições de vida. Foi neste ano que 17 jovens, que ficaram conhecidos mais tarde como “15+2”, foram detidos sob acusação de tentativa de Golpe de Estado quando se encontravam a ler o livro de Gene Sharp intitulado “Da Ditadura à Democracia”.

Foram julgados e condenados e viriam a ser soltos mediante uma lei de amnistia.

“Os 15+2 são uma referência no ativismo a nível internacional”, diz o ativista Mutu Muxima que acrescenta: “Em 2012 “fui raptado por pessoas desconhecidas por anunciar numa entrevista que faria a apresentação do meu documentário sobre o 27 de Maio em menos de duas semanas”. Em finais de fevereiro, a denominada Sociedade Civil Contestária, realizou uma manifestação com o slogan “MPLA fora, 45 é muito”. Este protesto, que partiu do Cemitério da Sant´Ana ao Largo da Independência não foi reprimido pela polícia.

Foi em 2015 que 17 jovens ativistas angolanos, conhecidos como os “15+2”, foram detidos sob acusação de tentativa de Golpe de Estado

Mutu Muxima, que acabou por realizar um documentário sobre o 27 de Maio, foi um dos organizadores desta manifestação.

“Normalmente a polícia reprime uma manifestação e as outras não. A polícia não reprimiu também pelo facto de ter menos adesão em relação às outras, e porque no dia seguinte (28.02) iria ser comemorado o aniversário da polícia nacional”, contou.

Protestos vão continuar

Apesar das repressões de que têm sido alvo os protestos de rua, ativistas dizem que as manifestações nos próximos dias vão continuar.

“Eu sou da opinião que os protestos devem continuar e intensificar-se. Este é o único meio que temos para contribuir e alertar o governo pela forma errada que está a dirigir os destinos de Angola”, afirma Albano Bingu-Bungu.

Também José Gomes Hata não tem dúvidas de que as manifestações se vão intensificar nos próximos tempos.  “Os protestos não só vão continuar, como também se vão intensificar, na medida em que o regime político não responde às demandas: autarquias sem rodeios em 2021, aumento da qualidade de vida dos angolanos, reformas profundas na CNE, e agora que esta revisão constitucional não sirva para protelar a realização das eleições gerais em 2022”, afirma.

Próximos eventos

A Sociedade Civil Constestatária (SCC) diz estar a trabalhar já nos próximos protestos.

“Próxima manifestação, meteremos no mínimo 10 mil pessoas nas ruas”, prevê Mutu Muxima.

Para esta segunda-feira (08.03), está prevista uma marcha contra o feminicídio do Largo das Heroínas ao cemitério de Sant´Ana. A manifestação, que tem como  lema: “Um Estado omissor e conveniente, mata”, visa repudiar a frequente morte de mulheres por parte dos seus parceiros. A iniciativa é do movimento “Unidas Somos Mais Fortes”.

Já este domingo (7.03), o “Movimento Hip Hop Terceira Divisão”, em parceria com a “Rede 15+Duas”, realiza uma atividade musical, em Luanda, para saudar os dez anos de luta contra o regime angolano. Entre as presenças confirmadas estão MCK, Luaty Beirão, MC Life, Jaime MC, entre outros.

“Pretendemos com este show preservar a consciência colectiva e homenagear os bravos combatentes da liberdade que contribuíram com a sua energia, inteligência e alguns mesmo com as suas vidas para que este movimento de resistência fizesse o caminho”, revela José “Cheick Hammed” Hata, um dos organizadores.

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