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Angola: É POSSÍVEL SAIR DISTO

11 de Novembro de 2020. A manifestação de jovens pela melhoria das condições de vida é proibida, devido a um decreto presidencial, no contexto da pandemia, limita os ajuntamentos públicos a cinco pessoas. Porém, a juventude manifesta-se e as imagens divulgadas nas redes sociais são poderosas, insinuando um país à beira da ruptura. Ao mesmo tempo, outras imagens circulam nas redes sociais: o presidente da República impávido, rodeado de mais de dez pessoas, talvez 20, a inaugurar um hotel. O contraste é poderoso, o impacto das redes sociais, em que alternam as fotos dos jovens revoltados (e um morto) com as imagens de um presidente alheado, é fulminante.

Neste momento, João Lourenço está a perder a batalha da opinião pública e a deixar o país aproximar-se de um precipício. Uma pergunta se coloca: é possível sair disto?

Nos finais de 2017 e durante pelo menos 2018, João Lourenço representou a esperança de Angola. Finalmente, começava o combate contra a corrupção de forma muito séria e iniciavam-se reformas da economia com vista a libertar Angola do seu atraso. Falou-se e acreditou-se num novo paradigma. Parecia ser possível renovar o país sem rupturas dilacerantes. Tinham bastado dezenas de anos de guerra de libertação e de guerra civil. Ninguém queria mais guerra, mas todos queriam uma mudança. E João Lourenço corporizava essa mudança sem guerra.

Chegados ao fim de 2020, a situação é nebulosa e pode conduzir o país a mais convulsões desnecessárias.

O combate à corrupção tem avançado, e deve-se reconhecer o esforço e a coragem presidencial nesse sentido. Evidentemente, há falhas. A maior das quais é haver uma espécie de “nós e os outros”. Os “nós” – aqueles que se acobertam debaixo da asa presidencial – parecem imunes a qualquer inquérito judicial, enquanto os “outros” são acusados. Ora, esta dicotomia tem de terminar. Todos aqueles que tenham prevaricado devem ser acusados em mesmos rigorosamente iguais. Além do mais, tem-se verificado que a Procuradoria-Geral da República (PGR) é muito hesitante, toma caminhos juridicamente inexplicáveis e arrasta muitos dos processos. É fundamental criar um órgão próprio com poderes específicos e capacidades adequadas para combater a corrupção.

Na vertente económica, tem sido o desastre. A política económica tem sido mal conduzida, baseando-se em medidas recessivas tomadas de acordo com o Fundo Monetário Internacional, com lentidão ou inexistência de reformas económicas fomentadoras do mercado livre.

É evidente que Angola se encontrava numa situação dramática em 2017, e isso não pode ser imputado ao presidente da República. Mas a partir daí as escolhas têm sido dele.

Tem faltado uma estratégia global que assente no pressuposto de que, para haver desenvolvimento, é preciso criar uma parceria entre o Estado angolano e o mercado, em que o Estado desempenhe um papel impulsionador de algumas áreas, criador de infra-estruturas e promotor da inovação e o mercado seja liberalizado e acessível a todos. Na economia, há que mudar quase tudo.

E depois temos o Estado de Direito, fundamental para a consolidação do tal novo paradigma. Ainda não se percebeu o motivo legal para proibir as manifestações. De acordo com a Constituição, estas não podem ser proibidas com base num decreto presidencial. Os argumentos já foram apresentados nestas colunas em 2015, a propósito da proibição de outra manifestação em Luanda: “A Constituição angolana garante o direito de manifestação no seu Artigo 47.º. Aí se afirma liminarmente que este direito não carece de qualquer espécie de autorização para ser exercido; necessita tão-somente de uma comunicação. (…) as autoridades não podem, de forma alguma, proibir manifestações. A comunicação que lhes é feita serve apenas para efeitos de orientação do trânsito, conhecimento dos percursos e tomada de medidas administrativas para a manutenção da ordem pública. Não existe qualquer poder público discricionário que possa ou não autorizar a manifestação.”

Só e possível impedir manifestações caso estas sejam violentas ou visem subverter a Constituição. Obviamente, entende-se que o direito de manifestação apenas se refere às suas formas pacíficas. Mas se o governo tem provas ou qualquer evidência de propósitos inconstitucionais violentos, então deve apresentá-los, e não escudar-se no silêncio ou na força.

Aqui chegados, é preciso sair do impasse político-social. João Lourenço criou uma enorme esperança entre o povo angolano, que se está a esvair rapidamente. Como vai ser daqui para a frente: vamos entrar num ciclo de violência e contra-violência?

Há que manter a esperança e desejar que sejam feitas as necessárias correcções de trajectória, para retomar o caminho que tanto estava a entusiasmar os angolanos.

Para começar, há que lidar com os resultados nefastos das manifestações, designadamente as mortes ocorridas. É evidente que deve ser realizado um inquérito judicial sobre essas mortes, que conduza à punição dos eventuais responsáveis. Obviamente, também as famílias devem ser indemnizadas. Não se duvida que o governo deva manter a ordem pública e evitar a anarquia, mas não deve ser o primeiro a disparar, muito menos disparar a matar. Depois, há que desmistificar as manifestações. Quem se quer manifestar tranquila e pacificamente deve fazê-lo em liberdade, quem quiser ser violento deve enfrentar a força da lei. Isso tem de ter clarificado.

Em seguida, há que lidar com a economia e com o grave problema do desemprego jovem. O governo deve tomar iniciativas clara e devidamente comunicadas para combater o desemprego, iniciativas de curto prazo, e não ficar de braços cruzados à espera que o mercado actue, porque o mercado pode não actuar… Todos nós sabemos que pode haver equilíbrios em subemprego.

De um modo geral, há que rever a política económica, acelerar alguns aspectos, abandonar outros e ainda introduzir novos elementos. Já ninguém acredita nesta política e na equipa dos assuntos económicos.

Finalmente, o governo tem de combater claramente toda a corrupção, a dos “nós” e a dos “outros”. Para isso, deve criar um órgão próprio com poderes judiciários anticorrupção. Só assim este flagelo, que corre o risco de ficar para segundo plano, será efectivamente eliminado. Não se pode perder a esperança num futuro melhor. O presidente, que no passado tem sido determinado e corajoso, ainda vai a tempo de corrigir a deriva em curso e retomar o caminho da esperança. Caso contrário, será o caos.

Texto do Maka Angola

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