Angola: “Escrutínio sobre Tribunal Constitucional angolano favorece independência” – jurista

O jurista angolano Rui Verde defendeu hoje que o Presidente deveria ter escolhido para o Tribunal Constitucional alguém fora do circuito político-partidário, mas considerou que o escrutínio público a que vai estar sujeita Laurinda Cardoso favorece a independência.

O chefe de Estado angolano, João Lourenço, nomeou na quinta-feira a juíza conselheira Laurinda Jacinto Prazeres Cardoso para presidente do Tribunal Constitucional, sendo em simultâneo exonerada do cargo de secretária de Estado para a Administração do Território.

Além de ter exercido funções no governo, Laurinda Cardoso integra também o Bureau Político (BP) do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder), mas para Rui Verde o facto de a juíza estar no órgão de cúpula do partido do poder é menos relevante do que a sua atividade anterior como secretária de Estado para a Administração do Território, desde abril de 2020.

“Esta nomeação tem aspetos positivos e negativos. É positivo o facto de haver um reforço feminino no TC, mas há um aspeto que preocupa, não exatamente o de pertencer ao BP do MPLA, pois por esta altura já se deve ter demitido, mas o facto de vir diretamente do executivo, tendo, portanto, um hábito de obediência ao Presidente da República”, comentou.

Rui Verde destacou que tal “não é ilegal”, mas no atual “clima quente” que se vive em termos políticos em Angola, com o país a preparar-se para eleições gerais em 2022, “talvez tivesse sido bom indicar uma pessoa sem ligações recentes ao poder executivo”.

Questionado sobre a ligação partidária, tendo em conta que o TC terá de tomar uma decisão sobre o processo de destituição contra o presidente do principal partido da oposição angolana, a UNITA, Rui Verde insistiu que essa não é uma questão essencial, já que muitos membros do BP nem sequer exercem ativamente essas funções.

“Espera-se do tribunal independência e, obviamente, a juíza estará sob intenso escrutínio publico, muito mais do que seria normal. É necessário e fundamental que o TC tenha credibilidade nas suas decisões”, vincou.

Sobre se a composição do TC é equilibrada o suficiente para garantir essa isenção, Rui Verde sublinhou que este não é equivalente a um parlamento: “Não podemos encarar a sua composição tendo em conta a filiação partidária”.

Por isso, “há um salto de fé”.

“Temos de acreditar que os juízes se tornam independentes quando vão para lá e exercem essa função de forma imparcial”, afirmou.

Apesar de, até agora, a posição mais comum ter sido a de deferência face ao poder político, acrescentou.

“Não se está à espera de uma revolução, mas também não sabemos o que vai acontecer , não posso dizer se há ou não independência”, referiu o jurista e académico, especialista em assuntos africanos.

Realçou, no entanto, que hoje em dia a sociedade civil olha de forma diferente para os tribunais.

“As pessoas hoje olham para os tribunais, avaliam que são os juízes, as decisões são escrutinadas e isso não acontecia antes”, disse.

O que acaba por ser, prosseguiu, “um pilar de independência para os tribunais, que sabem que estão a ser observados pela opinião pública e que as decisões serão analisadas”.

A vacatura no TC surgiu após o antigo presidente, nomeado para o cargo em 2017, ter deixado o cargo a seu pedido, uma saída que “já era esperada”, segundo Rui Verde. O jurista lembrou que a Assembleia Nacional aprovou uma lei relativamente à jubilação de juízes de qualquer jurisdição aos 70 anos, mas, sustentou, Manuel Aragão “nunca se sentiu bem” naquelas vestes.

O desejo de deixar as funções foi manifestado por Manuel Aragão depois de se ter demarcado “da maioria das decisões” constantes no acórdão que aprovou a revisão constitucional, alertando para o “suicídio do Estado democrático de direito” ao admitir-se a hierarquia entre tribunais superiores.

 

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