A Associação dos Juízes de Angola (AJA), que repudiou as alterações do capítulo sobre o poder judicial na proposta de revisão constitucional, vai hoje apresentar as suas contrapropostas ao ministro da Justiça e dos Direitos Humanos angolano
Em conferência de imprensa, a AJA avançou algumas das deliberações saídas de um encontro nacional de juízes associados e não associados da organização, realizado no dia 11 deste mês, em que participaram cerca de 157 magistrados judiciais da primeira e da segunda instância.
A vice-presidente para Informação da AJA, Miriam Macedo, referiu que as preocupações partilhadas pela AJA através da comunicação social surtiram efeito, visto que foram convidados pelo Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, pela Casa Civil do Presidente da República e pela comissão especializada da Assembleia Nacional para dialogar sobre a análise das contrapropostas, que oportunamente a AJA fará chegar a estes órgãos.
A proposta de revisão pontual da Constituição da República de Angola, de 2010, de iniciativa do Presidente angolano, João Lourenço, anunciada no dia 02 deste mês, vai a apreciação e discussão na Assembleia Nacional na quinta-feira.
Para a AJA, a proposta trazida pelo chefe de Estado angolano “é sem dúvida oportuna”, porque “é o anseio de todos os angolanos a edificação e a consolidação do Estado democrático e de direito na tão jovem nação que é Angola”.
No entender da AJA, apesar da abertura a contribuições, a proposta apresentada pelo Presidente da República, “comporta recuos que constituem uma verdadeira ameaça ao poder judicial”.
“Na medida em que sentimos nós, os magistrados judiciais, que pretende fragmentar os tribunais enquanto órgãos de soberania, o que, em bom rigor, se repercutirá na fragilização, enquanto instituições que administram a justiça”, referiu Miriam Macedo.
Segundo a vice-presidente, os magistrados judiciais que participaram no encontro “repudiaram com veemência a pretensão nos números seis e sete do artigo 176 da referida proposta apresentada”.
“Estes números apresentam um claro recuo naquilo que é a consolidação de um estado de direito, hierarquizando os tribunais e fragilizando o poder judicial, enquanto órgãos de soberania e consequentemente titulares do referido órgão, ou seja, magistrados judiciais, que têm como função constitucional administrar a justiça em nome do povo”, frisou.
De acordo com a AJA, os números citados na referida proposta representam um retrocesso no Estado de direito, porque os fundamentos em que se ancora a proposta são contrários aos objetivos de uma reforma pontual da Constituição, a vários normativos constitucionais, a tratados internacionais, à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, assim como à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.
Os magistrados judiciais associados e não associados da AJA consideraram também oportuna a definição e clarificação de outros tantos problemas que apresenta a Constituição naquilo a que ao poder judicial se refere.
Por sua vez, a vice-presidente para área social, Tatiana Aço, enunciou como uma das propostas a apresentar a separação da figura do presidente do Tribunal Supremo e do presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ).
O argumento para esta proposta, prosseguiu Tatiano Aço, tem a ver com a representatividade democrática prevista no artigo segundo da Constituição.
“Se olharmos para a nossa Constituição, o Tribunal Supremo é composto por 21 juízes conselheiros, atualmente os mesmos elegem o presidente do Tribunal Supremo, que por inerência de funções é o presidente do CSMJ, dois órgãos distintos. O presidente do Tribunal Supremo tem a competência jurisdicional e o presidente do CSMJ tem a competência administrativa, de gestão e disciplina da magistratura judicial”, explicou.
Tatiano Aço reforçou que enquanto presidente CSMJ a administração da justiça passa por reger a vida dos juízes da base ao topo, desde a primeira instância até ao Tribunal Supremo.
A AJA entende que para uma melhor gestão dos recursos humanos, uma melhor administração, melhor funcionamento da justiça, o princípio da reciprocidade estará efetivamente consolidado pela escolha de todos os magistrados da base ao topo, no que concerne à figura do presidente do CSMJ.
“Entendemos que igual princípio deve-se estender quanto à escolha dos presidentes dos cinco tribunais da Relação existentes em Angola e dos presidentes das 60 comarcas que hão de ser implementadas em Angola. Esta é uma das contrapropostas que a AJA irá apresentar à Assembleia Nacional”, disse.
Questionados sobre se as contribuições apresentadas a um dia da discussão da proposta no parlamento serão tidas em conta, Miriam Macedo respondeu que têm sido feitos vários contactos, por cartas ou ofícios e até solicitação de audiências com os diversos órgãos e comunicações com deputados, com respostas positivas, acreditando que as mesmas serão tidas em conta.
“Acredito que chegou o momento de serem ouvidos os magistrados judiciais e, desta feita, não estamos a falar de meras regalias dos magistrados, estamos verdadeiramente preocupados com aquilo que foram as palavras do Presidente da República: preservar a estabilidade nacional e os valores do Estado direito e democrático, ter uma melhor Constituição para que continue a ser o principal instrumento da estruturação da sociedade angolana capaz de congregar os angolanos em torno de um objeto comum de uma sociedade de paz, justiça e progresso social”, salientou.