Relatório da consultora Pangea Risk associa o Presidente de Angola, João Lourenço, e um círculo próximo, a alegadas práticas de fraude, corrupção e peculato. Antevê ainda um processo nos EUA. Mas analista duvida.
Segundo a consultora Pangea Risk, procuradores norte-americanos têm estado a investigar o Presidente angolano João Lourenço, assim como outros dirigentes do país, ao longo do último ano.
Em causa estariam alegadas práticas de fraude, corrupção e peculato, em violação de leis e regulamentos dos EUA, refere um relatório da consultora citado nos últimos dias pela imprensa. Depois da tomada de posse de Joe Biden como Presidente, a perspetiva seria de um “novo fôlego” para prosseguir as investigações.
Ouvido pela DW África, o analista Rui Verde levanta dúvidas quanto ao relatório da consultora especializada em análise de gestão de risco em África e no Médio Oriente.
“Na realidade não são apontadas quaisquer fontes que confirmem essa investigação, nem oficiais nem oficiosas, portanto parece-me muito pouco provável que essa investigação exista. O relatório em si é uma síntese de várias informações que têm vindo a surgir ao longo do tempo nos jornais”, explica Rui Verde.
“Eu vejo o relatório mais como um exercício de relações públicas – de determinadas partes contra outras partes – mas não como um exercício definitivo ou com uma força institucional própria.”
Uma das suspeitas já levantadas a que o relatório se refere seriam alegações de pagamentos de subornos e comissões ilegais pela brasileira Odebrecht a empresas detidas por João Lourenço, a sua mulher, Ana Dias Lourenço, e parceiros de negócios próximos.
“Uma não notícia”
Para Rui Verde, o relatório acaba por ser uma “não notícia”. O analista aponta ainda para o timing da publicação: com a aproximação do congresso do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder), em dezembro, e as eleições gerais em 2022, “ou o combate à corrupção acaba ou o combate à corrupção intensifica-se”.
“Este relatório vem pressionar e criar a ideia de que, como são todos corruptos, o melhor é não haver combate à corrupção nenhuma, essa acaba por ser a conclusão implícita”, sublinha.
“O MPLA é o mentor da corrupção”
Ao tomar posse como Presidente da República, em 2017, João Lourenço anunciou uma “cruzada contra a corrupção” em Angola, mas, para alguns, este combate tem sido seletivo.
Raúl Danda, deputado da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), o maior partido da oposição, não se mostra surpreso com as acusações no relatório da consultora Pangea Risk uma vez que “o MPLA é o mentor da corrupção que vigora no país”.
“Quando vamos ouvindo informações sobre bens de pertença do próprio Presidente da República, da primeira-dama, dos filhos, enfim, ficamos a saber que fortuna herdaram para poderem ter esses dinheiros todos – e a resposta é: não herdaram coisa nenhuma, foi fruto desses esquemas”, afirma Danda em entrevista à DW África.
Já o deputado do MPLA, João Pinto, salienta que, em primeiro lugar, é preciso respeitar o princípio da presunção de inocência.
“Não nos podemos deixar influenciar por suposições ou informações que procuram criar um ambiente de intimidação ou coibir o Presidente João Lourenço de exercer a sua função. Nós os militantes do MPLA confiamos nos órgãos do partido. O Presidente tem aquilo que se pode chamar de imunidades inerentes ao chefe de Estado e não pode ser abalado por qualquer informação até porque, se assim fosse, ninguém governaria.”
Há um ano, em entrevista à DW África, o Presidente João Lourenço afirmou que assistiu durante muitos anos a corrupção no sistema político e que foi “por não concordar que a situação continuasse” que encetou uma “cruzada” contra este crime.
A Presidência angolana não comentou ainda o assunto. A DW África tentou obter uma reação, sem sucesso.