A porta-voz da Igreja Universal do Reino Deus, Ivone Teixeira, reiterou, ao Jornal de Angola, que a IURD não vai devolver sequer 10 por cento dos 700 milhões de kwanzas, transferidos às contas daquela instituição religiosa, em época de “Fogueira Santa”, no ano de 2016, que serviriam para resolver os problemas espirituais que assolavam o cidadão Adriano Gaspar e sua família.
Ao responder o questionário enviado pelo Jornal de Angola, Ivone Teixeira explicou que “o alegado valor supostamente doado à igreja nunca foi transferido, e que a IURD está à disposição da justiça para esclarecer a situação e repor a verdade”.
Ivone Teixeira disse que a Igreja solidariza-se com o lesado e sobretudo as crianças expostas, mas não reconhece a transferência do montante anunciado pelo lesado. A porta-voz da IURD lembrou que, em 2017, Adriano Gaspar doou, à Igreja Universal do Reino de Deus, em época de “Fogueira Santa”, uma vivenda com vários compartimentos e uma piscina, no município de Viana, em Luanda, bem como uma viatura de marca Land Cruizer, que a Igreja já restituiu.
Questionada sobre o que terá falhado para que as súplicas do crente não produzissem os resultados desejados, explicou que a Igreja não apregoa a propagação de milagres, mas sim, o evangelho da salvação e mudança de vida, através da prática da palavra de Deus.
Em declarações ao Jornal de Angola, Adriano Gaspar explicou que, em Setembro de 2020, endereçou uma carta à Igreja Universal do Reino de Deus, para reaver pelo menos dez por cento dos 700 milhões, e não obteve qualquer resposta positiva. “Na altura, queríamos que a Igreja Universal do Reino Deus nos devolvesse pelo menos 70 milhões de kwanzas, para retomar os negócios, mas não tive sucesso”, contou.
Ordem dos Pastores Evangélicos de Angola
O Bastonário da Ordem dos Pastores Evangélicos de Angola, Acúrcio Estevão, afirmou que o diferendo entre a Igreja Universal do Reino de Deus e o seu crente, Adriano Gaspar, não pode levianamente invocar a restituição dos valores, tão-pouco a existência da prática de algum crime de burla.
De acordo com o responsável, à luz da doutrina, quer do Direito, quer da religião, remete-nos à conclusão de que não obstante os recorrentes actos de exploração dos seus fiéis, bem como os crimes de que a confissão religiosa vem sendo acusada, que se pode pensar assim. “Foi o lesado que procurou pela confissão religiosa e passou a frequentá-la”, disse.
Para o responsável, tratando-se de uma divindade e espiritualidade, a fé torna-se por isso mesmo um elemento de ligação entre o que é perene e divino (Hebreus capítulo 11 versículos 1 até 6), e tendo em consideração as alíneas J) e K) do artigo 3º da lei 12/19 de 14 de Maio, o aludido património fora alocado no altar da Igreja Universal do Reino de Deus, como acto de fé e sacrifício, pelo que não se pode levianamente invocar a sua restituição e prática de algum crime de burla.
Acúrcio Estevão lembrou que o Código Penal Angolano, nos termos dos artigos 450º, 451º, 452º e 454º, refere que só se está diante de um crime de burla se confirmada a existência de um bem objecto de transacção ou acordo entre o suposto agente de crime e o lesado, não sendo possível a fruição dos direitos adquiridos por força do já referido acordo, facto que em razão da matéria não se consegue provar.
“As circunstâncias revelam a execução de um acto de fé, protagonizado de forma consciente e por um período mais do que suficiente, para que um cidadão, em pleno gozo das suas faculdades mentais, pudesse determinar a continuidade ou cessação das oferendas a favor da parte acusada”, sustentou.
A Ordem dos Pastores Evangélicos lamenta a condição sócio económica da família em causa, porém “não vemos nenhum respaldo legal que obrigue a parte acusada de restituir o aludido património, salvo se apresentados factos probatórios que sustentem a acusação, uma vez que, segundo o comunicado da Igreja Universal do Reino de Deus, trata-se de um cidadão por eles desconhecido”.
Processos na PGR
O porta-voz da Procuradoria-geral da República, Álvaro João, disse que existe uma investigação a decorrer contra a Igreja Universal do Reino de Deus em Angola. De acordo com o responsável, existem três processos em curso, abertos por ex-fiéis da IURD, mas não confirmou se está incluído o caso dos 700 milhões de kwanzas entregues à igreja, em troca da transformação espiritual de Adriano Gaspar.
Questionado se até que ponto a PGR pode investigar uma denúncia pública, o responsável explicou que é necessário que o ofendido apresente uma queixa-crime, assim como uma participação no piquete da referida instituição.
“Ao que me parece, os factos não constituem indícios de ilícito penal de natureza pública, pois nos crimes semi-públicos, o ofendido deve apresentar queixa-crime, porque o Ministério Público não tem legitimidade para abrir o processo de forma oficiosa, mesmo que os factos sejam expostos publicamente”, esclareceu.
Segundo Álvaro João, nestas situações o critério legal é a natureza pública do crime e não a exteriorização dos factos à sociedade.