Com o n.º 703/21, o Tribunal Constitucional emitiu o acórdão que esclarece as dúvidas apresentadas por Isaías Samakuva relativamente ao anterior acórdão n.º 700/21, que declarara sem efeito o Congresso da UNITA.
O presente acórdão tem dez páginas e vem assinado por oito juízes sem qualquer voto de vencido. É, portanto, um acórdão unânime.
O seu conteúdo legal é simples e claro.
Naquilo que diz respeito a actos e deliberações de carácter político, o efeito da nulidade declarada, além obviamente da nulidade da eleição do presidente da UNITA, afecta a validade dos cargos de vice-presidente, de secretário-geral e de secretário-geral-adjunto, dos membros do executivo nacional do partido, dos secretários provinciais e dos titulares dos demais órgãos que tenham sido eleitos ou designados pela Comissão Política instituída pelo XIII Congresso de 2019 ou nomeados pelo presidente ilegítimo (pp. 5-6).
A isto acresce que o Tribunal Constitucional esclarece que o mandato da actual direcção da UNITA (a de Isaías Samakuva) tem a natureza jurídica de um direito estatutário efectivo, que emana da eleição dos seus membros no Congresso válido de 2015. Esta direcção está, portanto, em efectividade de funções e com todos os poderes que lhe conferem a lei, os estatutos e demais regulamentos da UNITA (p. 8). Finalmente, o acórdão esclarece que o mandato de Samakuva só termina quando for empossada uma nova direcção, fruto de um novo Congresso legítimo (p. 9).
Em termos jurídicos, esta aclaração está consonante com o anterior acórdão e retira das óbvias consequências jurídicas da nulidade decretada. A nulidade tem efeito retroactivo, e genericamente implica que tudo volte à situação anterior ao acto nulo. Adicionalmente, não operam actos jurídicos posteriores derivados daquele que inicialmente é nulo. Isto quer dizer que a situação na UNITA volta, em termos jurídicos, à data do dia imediatamente anterior ao Congresso. Os órgãos e as estruturas são aqueles que nessa data estavam em vigor. Todas as nomeações posteriores caducam. A caducidade é a situação a que chega qualquer acto jurídico, tornando-se ineficaz em consequência de evento surgido posteriormente.
Em termos práticos, quer dizer que Isaías Samakuva e toda a estrutura anterior assumem os seus postos automaticamente por força do acórdão e todos aqueles nomeados posteriormente ao XIII Congresso, em virtude dos resultados deste, cessam as suas funções.
Tudo isto se passa independentemente da vontade das pessoas concretas, nem depende de Adalberto da Costa Júnior, nem de Isaías Samakuva. Não há aqui maniqueísmos. Não há o líder bom e o líder mau. Houve líderes, que discordando de uma decisão judicial, a cumpriram. E isso é positivo e contribui para a construção do Estado de Direito em Angola.
Com o acórdão existe uma espécie de retorno ao passado, ficando sem efeito quer o Congresso, quer todos os actos derivados. Tudo voltará ao statu quo ante.
Isaías Samakuva tem de fazer o seguinte exercício imaginário: pensar que está no dia 12 de Novembro de 2019 e que toda a orgânica e estrutura da UNITA será como estava nesse dia. A partir daí, Samakuva pode agir segundo aquilo que os estatutos do partido estabeleçam. Exonerar, nomear, substituir, etc. Não tem de ficar parado, mas o ponto de partida é o dia 12 de Novembro de 2021. Esta é a forma prática de acção em termos jurídicos.
Obviamente, há actos que não podem ser desfeitos. Por exemplo, se alguma pessoa ocupava alguma função em 2019 e entretanto morreu. Nesse caso, o que o presidente da UNITA tem de fazer é nomear outra de acordo com os estatutos. Se porventura essa nomeação só puder ocorrer em Congresso, terá de aguardar pelo Congresso, caso contrário, segue o procedimento previsto na lei interna da UNITA.
Portanto, é relativamente fácil, do ponto de vista legal, perceber o que deve acontecer.
Volta tudo ao que estava, mas não tem de ficar parado até ao novo Congresso. Todas as medidas que possam ser tomadas por outros órgãos, podem sê-lo nos termos estatutários.
Por outro lado, todas as funções que tinham sido ocupadas após o Congresso de Novembro de 2019 caducam; não é preciso despacho ou acto interno nenhum para determinar isso, mas pode haver uma norma interna no sentido de esclarecer.
A Constituição angolana de 2010 (CRA) estabelece no seu artigo 2.º, n.º 1 que a República de Angola é um Estado Democrático de Direito. Isto quer dizer, em termos da teoria jurídica, que as decisões essenciais tomadas pelo Estado surgem de processos democráticos e que a actuação do mesmo Estado segue o direito estabelecido ou, dito de outro modo, o direito é o canal por onde são conduzidas as decisões democráticas. A democracia funciona através do direito. Este é um ponto que urge reforçar. Sem normas, mesmo que não concordemos com elas, a democracia desaparece e torna-se uma pura tirania de muitos. Muitas vezes, o Direito é a protecção dos fracos face às pressões das maiorias. Defender-se a existência de um Estado de Direito determina que as decisões sejam tomadas de acordo com a lei; não implica que gostemos delas, e muito menos que elas tenham de corresponder a qualquer processo maioritário.