Coordenador da organização não-governamental lamenta a “falta de sensibilidade” ao sofrimento da população.
Mais de 1,3 milhões de pessoas estão em situação de insegurança alimentar grave depois da pior seca das últimas quatro décadas, no sul de Angola. A situação tende a piorar: até março do próximo ano, esse número poderá subir para 1,58 milhões de pessoas, segundo uma projeção da iniciativa IPC, que monitoriza a situação no terreno.
Em entrevista à DW África, o coordenador da organização não-governamental Omunga diz que é preciso agir já e declarar o estado de emergência. Mas o Executivo continua a ignorar os apelos da sociedade, refere João Malavindele, acrescentando que essa não é a única matéria em que o Governo tem feito ouvidos de mercador.
DW África: Como avalia a forma como o Executivo de João Lourenço tem lidado com o problema da seca no sul de Angola?
João Malavindele (JM): O Governo tem lidado com essa situação de forma muito leviana. A situação da seca e fome no sul de Angola merece muito mais do que promover simples campanhas de doação de comida. Este é um problema cíclico. O problema da falta de água já deveria ter sido resolvido há bastante tempo, mas nunca houve um compromisso político sério para o mitigar.
Tudo o que foi feito até agora contra a seca é pouco. Devia-se pensar particularmente em intervenções a curto prazo, e, nesse sentido, uma das coisas que estamos a exigir, como sociedade civil, é que se declare o estado de emergência.
DW África: No seu entender, porque é que o Estado não o fez até aqui?
JM: É arrogância política. Não encontro outra palavra para o descrever. Considero que é arrogância, porque há elementos suficientes para [decretar o estado de emergência]. Na vizinha Namíbia, há situações menos graves, mas declarou-se o estado de emergência numa região. E a nossa situação é duas ou três vezes mais grave do que aquilo que se passou na Namíbia. Mesmo assim, apesar dos gritos de apelo que a sociedade civil vem fazendo, não somos ouvidos.
Há uma falta de sensibilidade em relação ao sofrimento das populações. Porque há instituições internacionais especializadas em questões humanitárias, e é isso que se precisa neste momento…
DW África: O estado de emergência seria uma forma de aumentar a ajuda…
JM: Claro, é uma forma de mobilizar as pessoas e as instituições para acudir àquela região sul. Neste momento já esgotaram as sementes, que eram o pouco que as pessoas tinham desde o ano passado. Deu-se cabo das sementes. E essas instituições só vão apoiar se o Governo acionar esse mecanismo do estado de emergência.
DW África: Para o próximo ano estão marcadas eleições em Angola. O voto dos jovens, que parecem cada vez mais insatisfeitos com a governação atual, poderá fazer pender a balança eleitoral?
JM: Acredito que sim, até porque a população angolana é maioritariamente jovem. É essa juventude que hoje se sente bastante insatisfeita. Muitos não veem os seus sonhos realizados, porque o próprio ambiente sócio-económico e político não lhes permite crescer de acordo com as suas capacidades. Esse tem sido um dos motivos que têm levado cada vez mais jovens a revoltarem-se com a situação que o país vive.
DW África: A alta taxa de desemprego é uma grande preocupação. O que se deve fazer para fomentar o emprego neste momento? O que está a falhar?
JM: O Estado deve preocupar-se nesta fase em criar políticas concretas para que os empresários – as pessoas que tenham iniciativas empresariais – possam desenvolver [as suas ideias]. Todo o cidadão que tenha uma ideia, que tenha um projeto, deve poder aceder a um crédito.
DW África: Já há uma nova lei do investimento privado. Não é suficiente? São necessárias mais medidas, nomeadamente ao nível do crédito, como afirma?
JM: Sim. O problema é que temos uma sociedade praticamente partidarizada. Às vezes, essa partidarização do Estado cria entraves. Ainda hoje, em muitos círculos, para ter acesso [a essas oportunidades], é preciso ser membro do partido ou ter uma ligação com o poder. […] Em Angola temos também outro grande problema: hoje em dia, quem tem poder financeiro para poder entrar numa parceria público-privada, por exemplo, são pessoas conotadas com a corrupção, devido ao seu passado. E essas pessoas estão com receio de assumir projetos que envolvam montantes avultados. Há o receio de, depois, a sociedade perguntar: ‘onde é que essa pessoa foi ao dinheiro? Onde é que trabalhou para conseguir isso?’
Então, vivemos em Angola numa sociedade de muita desconfiança – desconfiança generalizada em relação a todos. Ninguém confia em ninguém. Estrategicamente, o próprio Estado, através do partido que governa, não tem sido capaz de poder, pelo menos, promover um espírito de reconciliação entre nós, os angolanos.
DW África: Neste momento, o Presidente João Lourenço terá motivos para estar preocupado com as eleições do próximo ano?
JM: Estamos a viver uma situação um pouco sui generis. O Presidente João Lourenço tem todos os motivos para se preocupar em relação ao fenómeno social que todos vivemos, mas, do ponto de vista político – até porque nos estamos a aproximar do período de pré-campanha – o MPLA é uma máquina em termos de destruição dos seus adversários e de tirar proveito dos recursos do Estado em seu benefício.
A DW África falou com João Malavindele em Berlim no âmbito de um encontro da Mesa Redonda das organizações não-governamentais alemãs que trabalham em Angola.