Angola: “Podemos andar de Cabinda ao Cunene e veremos uma grande margem de descontentamento”

Responsável da empresa de sondagens AngoBarómetro explica como a empresa funciona e as razões de ter a sede na Alemanha, entre elas, o aproveitamento de quadros angolanos que vivem no exterior. Lukonde Luansi afirma compreender os resultados obtidos com o “descontentamento generalizado”.

Sondagem provocou polémica, por dar uma vitória à Unita. Ex-quadro superior do Estado angolano, Luansi critica a excessiva burocracia a chama a atenção para o excesso de taxas e não acredita que seja fácil baixar os preços da cesta básica.

Como funciona a Angobarómetro?

A Angobarometro não surgiu agora, como muita gente tenta explicar. Tivemos a primeira tentativa, em 2004, como Angosondagem. Lançámos uma primeira edição, mas devido a divergências, decidimos acabar com o projecto na concepção original. Achamos ser muito importante para o fortalecimento da democracia no país, porque vivemos ainda num processo de democratização que, como diria um estudioso alemão, é defeituoso.

Atravessou dificuldades desde que começou a divulgar estas sondagens…

Nós esperávamos isso. Alías, não é só em Angola que a cultura política é deficitária, até naqueles países com uma cultura democrática muito desenvolvida, as sondagens são sempre mal vistas, sobretudo, para aqueles cujos resultados foram deficitários.

Recebeu alguma ameaça?

Pessoalmente, não recebi ameaça alguma e também não espero receber. Independentemente das opiniões que forem lançadas no nosso site, com injúrias e palavras feias, não acredito que algum dia possamos sofrer uma ameaça física, porque o que estamos a fazer é um exercício científico tolerado em todos os países democráticos.

Muitas vezes, nestes inquéritos, há suspeições e poderão dizer que os resultados estão viciados e que foram comprados. A Angobarometro está preparada para isso?

Já estamos a sofrer essas acusações e estamos preparados. A nossa equipa é formada por técnicos angolanos com formação no exterior e que tiveram quase toda sua vida fora do país. Uma parte das suas juventudes foi passada em países com um certo nível social que não tende para a corrupção. E isso faz com que hoje estejamos preparados para enfrentarmos todas essas coisas. Quem quer nos contactar pode fazê-lo, mas não pense que poderá nos influenciar pagando isso ou aquilo. Tive pais cristãos que diziam “vale mais ser pobre mas digno” e eu prefiro manter a minha dignidade

Mas não é pobre…

Também não sou rico. Não sou pobre nem sou rico, vivo com os meios que tenho. Nunca vivi superior aos meus meios financeiros.

Que problemas consegue identificar nestas sondagens?

A nossa primeira intenção era fazer uma sondagem presencial, porque na presencial podemos identificar os gestos da pessoa entrevistada, dá-nos sempre algumas respostas na hesitação ou não ao responder o questionário. Optámos via online. Apesar de ter também o seu ponto negativo, tem uma vantagem, porque as pessoas se sentem mais livres nas respostas. Hoje, a maioria dos institutos de sondagens, quer nas Américas como na Europa, utiliza as novas tecnologias, a sondagem online.

Acautelou que não houvesse respostas repetidas?

Utilizamos ‘software’ que consegue identificar os dispositivos, que impede que se vote duas vezes.

Que sondagens tem em perspectivas para os próximos tempos?

Isso ainda é ‘segredo dos deuses’.

Mas vai ter?

Vamos ter certamente e talvez com mais barulho do que aquela que acabámos de efectuar. Escolhemos uma temática que talvez vá mexer um pouco com o país. Vamos tentar sondar o nível de confiança do eleitorado nas instituições.

Vai ser da mesma forma e com a mesma técnica?

Vamos fazer uma sondagem online, sempre com o mesmo período de duração de uma semana e, na semana a seguir, depois do encerramento, teremos os resultados que serão publicados.

Não há um risco de falhar?

Quando analisamos estes resultados, partimos do princípio que as eleições se realizam em condições normais. Não estamos a pensar em condições anormais. Os resultados indicam caso as eleições fossem em condições normais.

Quanto custa fazer uma sondagem destas?

Não custa muito dinheiro, porque a sondagem é feita online, não há aqui pagamento do pessoal físico que anda de um sítio para o outro. Isto faz com que os custos sejam calculáveis. Por outro lado, temos a dificuldade de não conseguirmos atingir o nível de visitantes-alvo. Por exemplo, nas últimas sondagens, vimos que a participação feminina é muito reduzida em relação à masculina. Talvez as nossas irmãs angolanas estejam mais dedicadas, na internet, para assuntos não políticos, económicos ou culturais, interagem mais para outras temáticas.

Há uma grande diferença entre as anteriores sondagens e esta última?

A temática é diferente. A penúltima não teve assim tanta adesão em relação ao número de participantes, porque a temática escolhida foi mais actual, Queríamos saber a questão da alternância política. Hoje em dia, quem mede a temperatura do país consegue ver que realmente há uma tendência para a mudança. As pessoas querem ver algo novo e isso fez com que houvesse mais participação.

Quem suporta os custos das sondagens?

Por enquanto, suportamos os custos. Não é à toa que a empresa está sedeada na Alemanha. A legalização foi em 20 minutos e pagamos menos de 50 euros. Em Angola, não seria possível. Aqui não iriamos conseguir legalizar esta empresa.

Porquê?

A cultura política é diferente, as leis são diferentes e também o tipo de empresa. Em países com uma cultura política mais avançada, um instituto de sondagens é visto como um instrumento de avaliação, um mecanismo de diálogo entre decisores políticos e o soberano primário, que é o povo eleitor. Aqui é visto de uma outra forma. Se os resultados forem negativos para uns, o instituto é apontado a dedo, mas se for favorável, todo o mundo aplaude. Os resultados são apenas um espelho. Não é a realidade, pode ser, como também pode não ser, depende sempre das condições e das circunstâncias de cada país.

E porquê a Alemanha?

A empresa está na Alemanha, porque é um país onde as liberdades individuais são mais respeitadas. O ambiente político não é assim tão sobrecarregado como em Angola. Publicámos os resultados e houve comentários na net a chamar-nos nomes. Na Alemanha, isso não aconteceria. Aqui, não é visto como um trabalho científico, mas é visto como um trabalho político por encomenda de alguém. Não recebemos encomendas de ninguém, e aliás, gostaríamos de receber encomendas de partidos políticos para eles saberem como são avaliados.

Têm condições financeiras para continuarem a fazer sondagens?

Vamos continuar enquanto os nossos meios financeiros o permitirem. Não digo que temos o bastante, mas temos uns zeros que nos permite continuar com o trabalho, mas a longo prazo é difícil financiar tudo com os próprios meios privados.

Até às eleições de 2022, vão lançar mais sondagens?

A frequência vai ser de dois em dois meses até, pelo menos, as eleições.

Qual é a margem de erro?

Numa sondagem, há sempre a possibilidade de calcular a margem de erro e a nossa margem varia entre os 3% e os 5%.

Foram inquiridas pouco mais de 1.600 pessoas. Não considera pouco?

Não. Diria que ultrapassámos um pouco o nível exigido para este tipo de estudo. Um universo de mil inquiridos já é suficiente para fazer uma boa avaliação. Há quem diga que 50 também poderá ser considerado suficiente. Isso não desvaloriza o inquérito. Chegámos a 1.632 inquiridos, dos quais mais de 90% são do sexo masculino e o restante do sexo feminino. O mais interessante são as faixas etárias com direito a voto, dos 18 a mais de 50 anos de idade.

Não acha que o resultado seria diferente, o MPLA teria mais intenções favoráveis, se fossem alcançadas mais pessoas com idades avançadas?

Não partiria desta hipótese, porque mesmo na ‘faixa etária sossegada’, aquela que acompanhou a luta de libertação e as mudanças que ocorreram nos anos 1990 e sofreram com todas as vicissitudes históricas do nosso país, começa a pensar-se de outra forma. Não diria que votariam na oposição, porque gostam do programa da oposição, mas votariam em forma de protesto. Temos também de ter em conta que o eleitor utiliza o seu voto para protestar. Em condições normais, o partido da oposição teria mais votos do que o partido maioritário, pelo simples facto de que, ao longo da governação, há resultados económicos que os inquiridos consideram desastrosos.

Como avalia a democracia em Angola?

Sou politólogo de formação. Como politólogo, não diria que Angola é um país democrático. Angola ainda se encontra num processo de democratização e um país em processo de democratização é um país em transição. O caso de Angola não foge à regra comparando com os demais países da região. O nosso processo de democratização tem defeitos, começando pela Constituição.

O que ela tem de errado?

Num país em processo de democratização, evita-se que haja mudanças constantes na legislação. Quando o MPLA tenta sempre criar uma legislação que lhe é favorável, não ajuda em nada na democratização. Só em termos comparativos, o Congo-Brazzaville teve uma Constituição que proibia um terceiro mandato ao presidente. A partir de uma assembleia, Denis Sassou Nguesso mudou a Constituição para poder candidatar-se a um terceiro mandato; no Gabão, as segundas voltas das eleições já não são feitas, basta a primeira para escolher o presidente; situação similar é reflectida na Guiné -Conacry. O mais interessante em África é que os países anglófonos tendem a consolidar os processos democráticos, enquanto nos francófonos e lusófonos, a tendência é de recuo democrático. As razões são inexplicáveis.

Qual é a leitura que faz do processo da revisão da Constituição em Angola? Há quem acredite que seja para evitar eleições em 2022…

Não gosto de especular. Tenho primeiramente de ver a nova Constituição e saber se houve avanços ou não. Segundo o Presidente da República, tudo está a ser feito para que as eleições ocorram no momento previsto e eu acredito nas suas palavras até se provar o contrário.

Inicialmente, as eleições autárquicas também estavam previstas para 2020, depois o Presidente disse que nunca marcou a data…

Esta é uma questão muito problemática. Desejaria que o país realizasse eleições autárquicas por uma simples razão: os decisores estarão mais perto dos problemas da população e haverá uma maior responsabilização dos autarcas. Não realizar e adiar sempre as eleições autárquicas é negar o direito democrático ao povo.

O argumento apresentado, que garantia não existir condições para a realização das eleições, não faz sentido?

Há países que realizaram eleições, quer autárquicas quer gerais, em condições piores do que Angola.

Olhando para a realidade económica, social e política do país, entende a tendência do inquérito?

Apurámos duas principais razões. A primeira, a de Fevereiro, tem que ver com a longa governação. Esta componente não favorece o partido maioritário. A segunda é sobre os resultados da política económica do país. Quem anda nos autocarros públicos, consegue ouvir os comentários da população. Em 2017, todos aplaudimos a mudança de Presidente, pensando realmente que as coisas poderiam mudar de forma sustentável. Volvidos quatro anos, vimos que não houve grandes mudanças. As pessoas dizem que no tempo do ex-presidente José Eduardo dos Santos viviam melhor. Isso demonstra a temperatura actual. Podemos andar de Cabinda ao Cunene e veremos uma grande margem de descontentamento. Isso não quer dizer que a Unita faria melhor, mas o povo diz que com este Governo já não queremos. Queremos tentar novo. Se isso irá acontecer, é só vermos os resultados concretos nas eleições.

Disse que, em 2017, também aplaudiu a eleição do Presidente João Lourenço. Hoje faz parte dos decepcionados?

Aplaudi a eleição do Presidente João Lourenço, apesar de ter um certo cepticismo. Hoje por hoje, as minhas dúvidas são maiores do que há quatro anos. Duvido sinceramente se a política actual vai dar resultados na satisfação dos anseios da população.

Há correntes que defendem que o Presidente precisa de mais um mandato até porque encontrou uma série de constrangimentos…

Quem vai decidir se merece ou não o segundo mandato é o povo. Ele irá defender a sua política, irá explicar as razões dos resultados um pouco negativos e o povo decidirá.

Mas concorda que o Presidente teve alguns constrangimentos que terão impossibilitado ter feito mais e melhor?

Há razões objectivas do fracasso, como também alguns erros. E isso não podemos negar. A pandemia da covid-19 teve impacto negativo em quase todas as economias, mas há economias com impacto pandémico que tomaram medidas para, pelo menos, sustentar as empresas. Não sei se a covid-19 é a principal razão do fracasso, mas que teve um impacto, teve.

Se tivesse de apontar alguns erros, quais seriam?

Não apontaria erros ao Presidente, deixo isso aos que fazem política. Apenas faço análises.

Há algumas bandeiras eleitas pelo Presidente como, por exemplo, o combate à corrupção. Que avaliação faz da estratégia e dos resultados conseguidos?

Não sei se corrigimos o mal ou melhoramos o bem. Para mim, a corrupção continua.

Mas não sente que terá diminuído de nível?

Talvez as pessoas façam de uma maneira inteligente, mas a corrupção continua. Até há pouco tempo exerci a função na administração pública e as tentativas não foram poucas para tentar corromper e isso partia das grandes empresas

O normal de ontem era todo o mundo participar da festa…

Nunca participei. Tive uma outra socialização e só regressei ao país em 2014. Vivi na Alemanha e na Suíça, onde desempenhava outras funções do Estado. Nunca vivi em ambientes corruptos e toda a minha socialização foi uma recta, com o respeito à lei. Quem viveu tantos anos num ambiente socialmente saudável não cai facilmente na tentação da corrupção. Aliás, vivo sozinho em Angola, não tenho tantas necessidades.

O que terá falhado na estratégia do Governo?

Para combatermos a corrupção, temos de actuar em dois níveis. Primeiro, na repreensão e, segundo, na melhoria das condições sociais dos funcionários. Darei um exemplo com um sector que conheço melhor, que é o do comércio. Quando vejo um funcionário do comércio externo a ganhar 30, 40 ou 50 mil kwanzas, a licenciar mercadorias de milhões com todas as barreiras não tarifárias existentes e aparece um empresário que lhe oferece por um trabalho de dois minutos, licenciar a factura, sem as licenças, sem as autorizações prévias, facilmente cairá na tentação. Combatia este fenómeno punindo os meus funcionários, mas constatei que punir apenas os meus funcionários não era suficiente. Passei a punir os funcionários e as empresas. No tempo que dirigi o comércio externo, quando criei, por exemplo, a unidade de reconciliação de dados, em pouco menos de seis meses, conseguimos apanhar grandes empresas que facilitavam documentos, cujos processos encaminhámos às autoridades. Imagine a pressão que recebia naquela altura. Ameaças de morte indirectas, mas continuei até chegar a um ponto de saturação e solicitar a minha reforma.

Estas práticas continuam?

Não vão desistir porque são empresas que se consideram omnipotentes aliadas a certas estruturas. Enquanto tivermos uma política comercial muito restritiva, em termos de barreiras não tarifárias, certamente que irão procurar formas de contornar as mesmas.

Os funcionários do comércio deveriam ter um tratamento igual aos da AGT, por exemplo?

Comparando a Administração Geral Tributária de Angola, com as instituições congéneres, na nossa região, a política levada a cabo pela AGT de valorizar os quadros nacionais, dando-lhes um salário aceitável, foi boa. Se este salário é justificado pelas receitas arrecadadas pela instituição, diríamos também o mesmo no Ministério do Comércio, porque o Comércio arrecada receitas que poderão ajudar na melhoria das condições sociais dos seus funcionários. Lembro-me que o ministro cessante, Jofre van Dúnem, tinha uma sensibilidade social. Além dos salários, davam aos funcionários um cartão de abastecimento que variava entre os 50 e os 200 mil kwanzas, de acordo com as funções. O actual ministro também seguiu a mesma política. Ao invés de darmos os cartões de abastecimento, poderíamos melhorar o salário do Ministério que também faz muito dinheiro.

Consegue ter uma estimativa de receitas provenientes de licenciamento de facturas?

O nosso país vive de exportações. No tempo em que fui director de Comércio Externo, cobrávamos mil kwanzas por cada licenciamento e tínhamos mais de mil pedidos diários de licenciamentos quer nas exportações, como nas importações. E hoje, o licenciamento é cobrado a três mil kwanzas.

Essa cobrança era devidamente controlada?

No tempo em que era director, não recebíamos dinheiro. Tudo era canalizado na conta única do estado, só recebíamos os talões de pagamentos.

O Governo está apostado em baixar o preço da cesta básica, é possível considerando as diversas razões para os preços altos?

Politicamente vejo essa possibilidade. Mas em termos comerciais e de rendimento, não sei se essa medida será sustentada.

Politicamente, qual seria a solução?

Temos a possibilidade de incentivar que os operadores económicos baixem os preços da cesta básica, utilizando políticas, como por exemplo a isenção de direitos aduaneiros para certos produtos. Mas a pergunta que poderá ser levantada é: será que essa política é sustentável a longo prazo ou é uma política por determinadas razões?

Concorda que para os preços altos também concorrem algumas práticas condenáveis por parte dos importadores como a formação de cartéis, por exemplo?

Existem, de facto, estas práticas, mas não é uma prática generalizada para todos os operadores económicos. Cartéis existem. Há grandes e pequenos importadores e os grandes têm quase o monopólio, têm canais directos nos bancos e nos ministérios. A actual situação do aumento do preço da cesta básica não é só devido às práticas anti-concorrenciais dos importadores e dos operadores económicos, mas também resultado de uma política comercial mal concebida. Como o famoso decreto 23/19. Quando fiz o parecer deste decreto, já previa essa situação. Alertei várias vezes que essa política comercial ia levar com que os preços aumentem, porque haverá raridade dos produtos no mercado e, como em qualquer economia, é a lei da procura e da oferta.

Então, os operadores têm razão?

Sim, uma parte é justificável pela política proteccionista e mal concebida da nossa política comercial.

Mas não é necessário proteger a produção nacional?

Concordo plenamente com a defesa da política de produção interna. Mas no comércio internacional temos instrumentos próprios para atingir este efeito. Fiquei oito anos na Organização Mundial do Comércio (OMC) e defendi a política comercial de Angola. E, quando começámos a ter essa política restritiva, chamei atenção e avisei sobre os perigos em abraçar essas políticas. Sugeri que abraçássemos medidas autorizadas nas regras comerciais multinacionais ou regionais, mas infelizmente estava a fazer um trabalho no deserto. Na altura, um ministro, que prefiro não citar o nome, disse-me que os “decretos não se discutem”. Então, fiquei calado.

Acredita na possibilidade de o país ser penalizado pela OMC por algumas destas políticas?

Nas regras comerciais multilaterais, os países têm o direito de defender a sua economia, a produção nacional em determinadas situações. Tomámos medidas proteccionistas e restritivas, sempre respeitando as regras. O que vai acontecer nos próximos anos é chamar atenção a Angola o que não é a primeira vez que acontece. Em 2006, no primeiro exame da política comercial, os países membros da OMC chamaram a atenção. No segundo exame, em 2015, voltaram a chamar-nos a atenção para certas medidas de políticas comerciais, tentámos corrigir algumas delas, mas reforçámos as violações das regras. Não duvido de que no próximo exame comercial, essas questões sejam levantadas.

De que forma?

Não acredito que haverá uma penalização ou que o país seja levado ao órgão de resolução de diferendos da OMC, porque Angola, em termos de comércio internacional, não significa absolutamente nada. A participação africana no comércio internacional é de 3%, imagine qual é a participação de Angola. Por outro lado, Angola é menos avançada e por isso goza de certos tratamentos especiais diferenciados, atendendo ao seu nível de desenvolvimento económico. O que os membros da OMC vão tentar fazer é pressionar, encorajar Angola nas suas reformas. Não devemos esquecer que, com o Presidente João Lourenço, Angola acelerou o processo de integração regional. Aquilo que era impensável, na época do ex-presidente José Eduardo dos Santos, o actual veio concretizar, que é a Zona de Livre Comércio da SADC, que já é um passo importante e positivo, para a imagem do nosso país. Estamos a avançar na integração regional, mas estamos a tomar medidas restritivas. Como se quer fazer negócio regional se continuamos com estas medidas?

E não será que Angola faz ‘ouvidos de mercador’ por saber que não será penalizada?

Angola não faz ‘ouvidos de mercador’. Uma política comercial vai ao lado da política de investimento do ambiente de negócios. Um país que quer mostrar uma nova cara ao mundo, que quer captar investimento estrangeiro, certamente que não vai fazer ‘ouvidos de mercador”, vai tentar corrigir aquilo que está mal na legislação e Angola já fez isso. Dei-lhe o primeiro exemplo da política comercial, em que a nossa política de vistos foi muito criticada. Um exemplo que tínhamos na nossa pauta aduaneira, direitos aduaneiros que ultrapassaram a taxa consolidada e a mesma foi criticada na OMC e Angola adaptou a sua pauta aduaneira às regras. Angola não faz ‘ouvidos de mercador’, porque aplica alguns conceitos da facilitação do comércio.

Entre as várias medidas restritivas, quais são aquelas que mais o preocupam?

A melhor forma de defender a produção nacional são as barreiras tarifárias, que são os direitos aduaneiros nas fronteiras. Temos uma pauta aduaneira um pouco proteccionista e mesmo com esta pauta, agravámos alguns direitos aduaneiros. Agravar o direito aduaneiro, respeitando a taxa consolidada, não é problema, porque temos a taxa aplicada e a taxa consolidada. Consolidamos as nossas taxas entre os 55 e os 60%. A partir do momento que os produtos pagam 50% na taxa aduaneira no âmbito da consolidação não há nenhuma violação. Violação é aplicar medidas tarifárias e medidas não tarifárias. Quando falo em medidas não tarifárias, temos o excesso de licenças, que é inconcebível. Há produtos que merecem uma autorização prévia, mas há outros que realmente não precisam necessariamente deste tipo de licenças. Para importar um determinado produto vegetal, temos de ir buscar uma licença no Ministério da Agricultura e Pescas, depois passar no Ministério da Indústria. O operador económico passa o seu tempo a pedir licenças. Podemos tratar os problemas de produção nacional não com essas medidas não tarifárias. Alias, é contra produtivo.

Há operadores que se queixam do processo de exportação…

Angola é um dos poucos países a nível do mundo que coloca barreiras as suas próprias exportações, enquanto os outros facilitam as suas exportações. Para poder exportar e ter de ir buscar tantas licenças que não são emitidas de forma célere, isso trava o processo de exportação e o torna muito mais difícil e caro. Por exemplo, temos medidas administrativas de que a importação de determinadas sucatas é proibida, mas em certos casos pode-se autorizar. Se não for no Ministério do Ambiente, onde a licença custa muito caro, é no Ministério da Indústria. Não vejo a necessidade dessas medidas administrativas e sobretudo no que toca às exportações. Além das medidas restritivas, também temos uma logística que realmente é caríssima. Mais vale mandar vir um contentor da Antuérpia do que tirar um camião do Panguila para o Benfica.

E com estas condições estamos em condições de entrarmos para a Zona do Comércio Livre e sermos concorrentes?

Estamos em condições de entramos na zona de comércio livre, regional e continental. Trará uma certa dinâmica. A liberalização não será imediata, mas sim gradual, progressiva, até atingir a ‘taxa zero’. Os nossos operadores têm tempo suficiente para poder adaptarem-se à nova realidade.

Conseguiremos ser concorrenciais?

Seremos obrigados a nos adaptar às regras. Se hoje a pressão para liberalizar a política comercial vem dos países desenvolvidos, a pressão voltará a nível regional. Os nossos parceiros regionais é que vão começar a encorajar ou a pressionar o Governo no sentido de rever as suas políticas, chamando sempre a atenção na violação dos compromissos assumidos. Quando um país assume compromissos, quer ao nível regional como ao nível multilateral, assume a soberania partilhada. Todos os países são soberanos, mas quando estamos dentro de uma organização, devemos fazer algo em comum de modo a respeitar os compromissos.

A atracção de investidores era uma outra aposta do actual Governo. Passados quatro anos, o balanço é positivo?

Não tenho dados concretos para poder justificar ou argumentar neste sentido, mas o certo é que houve uma grande melhoria no ambiente de negócios. Ainda não atingimos o desejável, mas alguns esforços foram feitos.

 

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