Há momentos na vida das nações em que o posicionamento individual de cada um, mais do que político e/ou partidário, deve ser ético e moral. Angola está a viver um desses momentos.
Dois factos recentes o impõem: os acontecimentos de Cafunfo e o actual debate sobre a questão da identidade angolana, a pretexto da nacionalidade do líder do principal partido da oposição.Sobre o primeiro, o posicionamento razoável parece ser, à luz das informações desencontradas existentes, aguardar os resultados do inquérito anunciado pelo ministério da Justiça e dos Direitos Humanos. Até lá, quaisquer conclusões definitivas ou, pior ainda, adjectivações e rótulos, de parte a parte, deverão, quanto a mim, ser evitadas.O que se deve esperar, entretanto, é que esse inquérito seja independente e rigoroso.
Partilho, pois, da posição da eminente penalista Luzia Sebastião a respeito desse assunto. Aproveito para observar que, além do seu reconhecido saber técnico, o papel histórico e político dessa conhecida jurista na vida nacional angolana não pode ser questionado por ninguém.Quanto à discussão identitária suscitada pela nacionalidade do líder da UNITA, é, em si mesma, absolutamente falsa. A lei angolana permite a dupla cidadania, pelo que todos os angolanos podem possuir mais do que uma nacionalidade, com uma única ressalva: os candidatos à presidência da República. Desde que a lei seja respeitada, todos os cidadãos podem concorrer a tal cargo. Ponto.
Seja como for, a introdução deste debate na praça pública dá a cada um de nós a oportunidade de se posicionar em relação a uma questão que talvez não seja jamais definitivamente resolvida: qual é não só a configuração, mas sobretudo a natureza da identidade nacional angolana?Desde sempre, ao longo da história do país, estiveram em confronto duas visões sobre o assunto: um conceito de identidade diverso, plural e inclusivo e um conceito auto-centrado, fechado e excludente. O movimento nacionalista angolano foi profundamente marcado por essa divergência fundamental. Com o tempo e após as várias vicissitudes por que nós, angolanos, passámos, inclusive guerras, a primeira visão acabou por se tornar predominante, política, jurídica, social e culturalmente. Mas permanecem, em todos os sectores, aqueles que defendem um conceito fechado e estático de identidade.Entre os três movimentos de libertação nacional, aquele que sempre defendeu, desde logo por força das suas origens, uma formulação diversa, plural e aberta de identidade foi o MPLA, organização que governa o país desde a sua independência.
Entretanto, como é sabido, a mesma nunca esteve isenta de contradições identitárias, com base na cor da pele, tribo ou região de origem. Vários dos seus conflitos internos foram contaminados, para não dizer determinados, por tais contradições.Por tudo isso, é no mínimo perturbador verificar que, em pleno século XXI, sectores e figuras do MPLA, com ou sem responsabilidades, estejam a esgrimir argumentos identitários deste tipo num debate que deveria ser político, no sentido elevado que deve ter a política, isto é, sem espezinhar os requisitos da ética e da moral.Como é óbvio, as organizações, como tudo na vida, mudam. Cada um que retire daí as ilações que entender.
Jornalista e Escritor