Angola: Politólogo Olívio Nkilumbu alerta para o potencial de “fraude nas eleições gerais” previstas para 2022

Em entrevista à DW África, o politólogo angolano Olívio Nkilumbu alerta para o potencial de fraude nas eleições gerais previstas para 2022 em Angola. E aponta ainda o dedo à falta de democracia interna no MPLA. “Angola precisa libertar-se dos libertadores”.

O presidente do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), João Lourenço, foi o primeiro militante do partido no poder a formalizar a sua candidatura à liderança do partido. E tendo em conta as tentativas de boicote de outras candidaturas alternativas – como a de António Venâncio – é bem provável que Lourenço seja o único candidato à sua própria sucessão. É o que diz em entrevista à DW o politólogo angolano Olívio Nkilumbu, que fala numa “violação grotesca” dos estatutos do próprio partido.

DW África: O presidente do MPLA, João Lourenço, foi o primeiro militante do partido no poder em Angola a formalizar a sua candidatura à liderança do partido. Tendo em conta as tentativas de boicote de outras candidaturas alternativas – como a de António Venâncio – é bem provável que Lourenço seja o único candidato à sua própria sucessão?

Olívio Nkilumbu (ON): Tudo indica que sim, mas não seria bom para um país que é democrático. Seria bom que o MPLA efetivasse as múltiplas candidaturas, porque o congresso de 2017 do MPLA trouxe elementos muito interessantes aos estatutos do partido. Passou a ser um documento muito mais democrático, mais aberto. Os políticos audazes, como é o caso de António Venâncio, aproveitaram esta brecha estatutária, que dá a qualquer militante a possibilidade de concorrer, desde que cumpra com os pressupostos devidamente elencados no mesmo documento. Mas Venâncio diz que está sofrer barreiras na recolha de assinaturas dos subscritores para confirmar a sua candidatura. O partido fez duas moções de apoio ao presidente e aos secretários provinciais, o que é uma violação grotesca do estatuto que proíbe privilégios quanto a candidaturas. O que está a acontecer é que a equipa de João Lourenço aproveita o capital que tem e fala-se até de intimidações a algumas pessoas para que não adiram à candidatura de António Venâncio, o que é uma demonstração inequívoca da falta de democraticidade de algumas figuras do MPLA.

DW África: Uma das apostas parece ser a de instigar a confusão e a divisão entre a oposição, sobretudo na UNITA. Acredita que João Lourenço e o MPLA vão continuar com esta estratégia de “dividir para reinar”?

ON: Eu acho que sim. Sabe que, infelizmente, foi estratégia colonial e continua a ser a estratégia dos supostos libertadores na era pós-colonial. Angola precisa libertar-se dos libertadores, que estão a usar as mesmas estratégias para oprimir. Neste momento, o MPLA é o partido angolano mais em crise. A vantagem do MPLA é controlar a comunicação pública, através da qual consegue criar um estado de opinião que afasta de si a pressão da sua própria crise. Aproveitam a vantagem para criar na opinião pública a ideia de que são os outros partidos que sofrem crises. A crise do MPLA é a pior dos últimos 40 anos. Na minha opinião, trata-se mesmo de uma ameaça à sua sobrevivência.

DW África: A UNITA considerou hoje “insultuosos, maliciosos e provocadores” os elogios a Isaías Samakuva proferidos por João Lourenço, a quem acusa de confundir a sua função de chefe de Estado com o papel de presidente do seu partido. Concorda com estas críticas?

ON: Sim, sim. São importantes, são fundamentais e oportunas, na medida em que nós temos numa única figura o presidente do partido, o chefe de Estado, o comandante em chefe e o deputado. Portanto, são quatro figuras numa só. E João Lourenço tem confundido muitos os papéis que tem. Em muitos momentos fala como presidente do MPLA, quando devia falar como um estadista. Na altura em que proferiu essas palavras estava numa reunião do Conselho da República, falava o chefe de Estado e não tinha que falar como Presidente. Foram palavras muito fortes, que considero perigosas, porque dispersam, naturalmente, o partido opositor. O objetivo é criar mau entendimento e anular a oposição por essa via.

DW África: Foi um dos subscritores de uma carta da sociedade civil angolana dirigida a alguns organismos internacionais a pedir observadores eleitorais credíveis e independentes. Há receios de que haja uma fraude nas próximas eleições em Angola?

ON: Absolutamente. Nós temos sempre crises pré-eleitorais em Angola desde 1992, data da primeira eleições gerais. O nosso ambiente pré-eleitoral é viciado e cria sempre suspeições. Temos uma suspeição crónica pré-eleitoral. Estão também criadas as condições para influenciar o processo eleitoral. Então, há um ambiente propício a fraude. Por isso, pedimos à comunidade internacional que envie observadores. O mais importante é uma observação pré-eleitoral, porque é nesse período que se preparam as fraudes. Também há a questão de credenciar observadores. A nível nacional, os partidos da oposição têm tido muita dificuldade em credenciar observadores atempadamente. Há casos em que no dia da votação não há nem um delegado para controlar as mesas de voto. Portanto, são várias situações que conformam, de facto, a fraude. Estamos a trabalhar no sentido de antecipar e informar as comunidades internacional e angolana do que poderá acontecer.

 

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