Angola: Quem protege as “crianças vendedoras” nos comboios da rota Bié-Moxico?

Nas províncias angolanas do Bié e do Moxico, há crianças que buscam o sustento pessoal e da família nos comboios. Vendem sacos e comida, correndo vários riscos. A oposição pede a intervenção do Executivo.

Diariamente, mais de 30 crianças seguem viagem de comboio, da província de Bié para Moxico e vice-versa, numa distância de 740 quilómetros. Nas cerca de 10 horas de viagem, vendem sacos e comida, dentro das carruagens.

Com o consentimento dos progenitores, face ao elevado nível de pobreza, crianças enveredam pelo mundo dos negócios e condicionam a formação. Num diálogo com a DW, Augusto, de 12 anos, relata as dificuldades que enfrenta:

DW África: Quanto é que vocês pagam para vender sacos aqui no comboio?

AC: Às vezes eles recebem sacos e não nos pagam, às vezes costumámos pagar mil ou 900 kwanzas (cerca de 1 euro e meio) aos bilheteiros.

DW: E o dinheiro que você ganha?

AC: Outra parte costumo kaular (comprar para revender), outra parte é para ajudar e a outra parte dou à mãe.

DW: Quantos dias é que ficas no Luena?

AC: No tempo de férias, costumo ir segunda-feira e quarta-feira volto e comecei a vender em 2018.

DW: Tens quantos anos?

AC: 12 anos de idade.

DW: Cada viagem que você faz, quanto é que ganha?

AC: Seis mil ou às vezes três mil kwanzas (9,40 ou às vezes 4,70 euros).

DW: Qual é o conselho que tem a deixar para as outras crianças que também fazem este negócio?

AC: Para estudarem.

A adolescente Jorgina, de 15 anos de idade, diz que paga 450 kwanzas (cerca de 70 cêntimos de euro) para ter acesso ao comboio: “Comecei a vender em 2019, esse dinheiro dou à minha mamã para comprar roupa e outras coisas que eu quero. E para fazer negócio dentro de comboio pago 450 Kwanzas nos fiscais.”

E os pais?

Ao chegarem no destino, os petizes dormem ao relento no pátio da estação para na madrugada do dia seguinte enfrentarem as duras dificuldades para conseguirem entrar no comboio. Alguns pais estão alheios ao paradeiro das crianças, entende Florinda Baca, encarregada de educação.

“Aconselhava se eles aceitassem pelo menos deixar de vender para participar na escola e os pais para meterem as crianças em casa, casa-escola, escola-igreja. Se calhar, os tais pais também não têm como saber o que os filhos estão a fazer na sociedade”, apela.

Oposição pede medidas ao Governo

O secretário provincial da Convergência Ampla de Salvação de Angola-Coligação Eleitoral (CASA-CE), Salomão Lutchaji, exorta à intervenção do Governo: “Nós sempre temos aconselhado o Executivo a traçar políticas que visem minimizar as questões de crianças menores de idade a praticarem trabalhos de vendas e não só. Mas se formos nessas estações de Luena e do Bié, encontraremos crianças a venderem produtos dentro do comboio.”

O líder do partido na oposição critica a cumplicidade dos governos e pede maior fiscalização das normas.

“Isso também parte da própria responsabilidade quer do governo do Bié, quer do governo do Moxico, porque eles também autorizam essas crianças a venderem. São cúmplices dessas crianças”, acusa.

Lutchaji entende que “um Governo quando faz uma lei que proíbe que as crianças com idade escolar não devem vender ou fazer um trabalho, então deve também trabalhar na fiscalização com que essas crianças não venham a exercer essa actividade.”

A responsabilidade dos Caminhos-de-Ferro?

Preocupado, o líder do Partido de Renovação Social (PRS), António Víctor, questiona como é que o Caminho-de-Ferro de Benguela (CFB) permite a circulação de crianças de um ponto a outro e recomenda maior atenção dos responsáveis.

“Nenhuma criança de menor idade, portanto menor de 18, tenha direito de circular de um lado para o outro, sem que seja acompanhado de um adulto, e quem acompanha a criança tem de ser portador de um termo de responsabilidade”, defende.

“Como é que o CFB consegue permitir essas crianças que vão de um lado para o outro sem acompanhamento de um adulto?”, interroga, para depois exigir: “Há toda a necessidade que o CFB abra os olhos para podermos colocar fim a essa situação.”

A DW África contactou a administração do Caminho-de-Ferro de Benguela, mas não obteve reação.

 

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