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Angola: Reconciliação nacional passa por “reforma do Estado” – Lukamba Gato

Em Angola, continua o debate em torno da reconciliação nacional. Em Maio, o Presidente pediu perdão, em nome do Estado, pelas “execuções sumárias” ocorridas entre a independência e o fim da guerra civil e convidou os outros participantes nos conflitos a fazerem o mesmo.

O general Lukamba Paulo Gato, da UNITA, relembra que pediu desculpas pelos “horrores da guerra”, diz que há uma comissão no partido encarregue deste dossier e diz que a reconciliação nacional passa por uma “reforma do Estado”.

O Presidente angolano convidou os outros participantes nos conflitos políticos a seguirem o seu exemplo de pedido de perdão. João Lourenço deixou claramente um recado ao principal partido da oposição, a UNITA, ao mencionar os nomes de Tito Chingunji e Wilson dos Santos, as “mulheres das fogueiras da Jamba”, os passageiros do comboio do Zenza do Itombe e “os mártires das cidades do Cuíto e do Huambo”.

O general Lukamba Paulo Gato sublinha que quando assumiu a liderança da UNITA, em 2002, após a morte do líder Jonas Savimbi e do vice-presidente Antόnio Dembo, já pediu desculpas pelos “horrores da guerra”. O deputado recorda, também, que Savimbi tinha falado sobre “o passivo da UNITA” e adianta que o partido criou uma comissão interna para tratar certos dossiers e “apaziguar as famílias” das vítimas.

Nesta entrevista, Lukamba Paulo Gato começa por considerar que são precisos mais passos para uma efectiva reconciliação nacional, nomeadamente “a reforma do Estado”.

RFI: Que leitura faz do pedido de desculpas e perdão do Presidente da República e das diligências para entregar certidões de óbito e procurar ossadas das vítimas para as entregar aos familiares?

General Lukamba Paulo Gato: “Criou-se uma comissão para facilitar a elaboração e distribuição de certidões de óbito. Penso que é uma parte importante do processo de reconciliação. É um gesto importante que o chefe do executivo assumiu com alguma coragem, mas são questões que eu considero óbvias. No fim de qualquer conflito é preciso regularizar a situação, se houver prisioneiros é preciso trocar os prisioneiros, é preciso devolver os restos mortais, etc, etc, mas a reconciliação nacional vai muito para lá destes gestos.”

Vai para onde?

“Vai muito para lá destes gestos. Sabe que o nosso Estado, o Estado angolano, em 75 foi formatado, tendo em frente de si um inimigo, entre aspas. Esse “inimigo” estava perfeitamente identificado, era a UNITA. É por isso que eu digo que a reconciliação nacional passa também pela reforma do Estado, pela despartidarização da administração pública porque todos os órgãos, seja segurança, comunicação social, a banca, as Forças Armadas, a polícia, todo este conjunto, o aparelho de Estado foi formatado tendo em vista um inimigo declarado.

Ora, tendo sido resolvida a questão da luta armada, com certeza que é preciso que o aparelho de Estado se adapte à nova situação. É por isso que temos ainda hoje fricções claras na comunicação social pública. A UNITA, em particular o seu presidente, são praticamente ‘persona non grata’.

Precisamos de dar corpo ao conceito muito abstracto de reconciliação nacional. Isso significa que é preciso reformar o Estado, despartidarizar a função pública, é preciso avançarmos para igualdade de oportunidades em todos os domínios de actividade, incluindo, o económico. É preciso dar corpo à reconciliação nacional no ponto de vista mesmo da cultura, do resgate dos valores cívicos, morais. É todo um conjunto de tarefas.”

No entanto, já foi dado um passo. Está a haver actos do governo no sentido da reconciliação nacional, por exemplo, os familiares de dirigentes da UNITA mortos durante os confrontos pós-eleitorais de 1992 (Salupeto Pena, Alicerces Mango, Jeremias Chitunda e Eliseu Chimbili) foram os primeiros a serem submetidos à recolha de sangue e saliva para o cruzamento do ADN com as ossadas. Além disso, também vão ser atribuídas certidões de óbito as vítimas de conflitos entre 1975 e 2002. Isto não chega para si?

“São passos importantes mas são questões óbvias em qualquer processo de reconciliação nacional. É um ponto de partida, mas precisamos de, com coragem, ir um pouco para lá destas questões que eu considero da praxe em qualquer situação similar à nossa. Numa situação de pós-conflito, estes passos são extremamente importantes.

Esperamos que – com a mesma coragem que o Presidente da República deu estes primeiros passos, nomeadamente o funeral do velho Jonas [Savimbi] e agora a entrega das ossadas de outros dirigentes que foram vítimas aqui em Luanda da violência política em 92 – com certeza que o Presidente também irá avançar para dar os passos subsequentes que são absolutamente necessários para dar corpo a uma reconciliação nacional.

É preciso ver bem, a reconciliação nacional não é bem a reconciliação entre a UNITA e o MPLA, é a reconciliação nacional, estamos a falar de um processo inclusivo, um processo global, que vá para lá das duas principais forças políticas.”

Ainda assim o Estado angolano está muito marcado pela força das principais forças políticas. Falou-me de coragem. A UNITA vai ter esta coragem de publicamente assumir também os erros que cometeu durante a guerra, as atrocidades?

“Infelizmente, quando a guerra eclode dificilmente se pode moralizar as acções dela decorrente. No entanto, é preciso, a um dado momento, que os dirigentes reconheçam que houve julgamentos muitas vezes precipitados e que provocaram danos. O próprio presidente fundador, o velho Jonas, na XVI conferência do partido em Abril de 2001, ele próprio no seu discurso levantou, de uma maneira clara, objectiva e bastante corajosa, os problemas que ele considerou de o passivo da UNITA.

No passivo da UNITA cabem todos esses casos que, ou foram mal julgados ou foram mal executados, mas que foram assumidos pelo próprio presidente fundador. Eu assumi a direcção do partido logo a seguir à morte do presidente e do vice-presidente em Abril de 2002. Uma das primeiras medidas que eu tomei aqui foi, em nome da UNITA, pedir desculpas públicas pelos horrores da guerra, mas que a guerra não é senão uma manifestação da própria história. A história é feita de guerras e é parte da nossa história, temos de assumir com coragem e com responsabilidade e humildade. ”

Quais são os episódios concretamente que tenha vontade de pedir desculpa em nome do partido?

“Hoje, em nome do partido, talvez não o possa fazer porque sou um membro da direcção do partido mas sou um membro activo aqui no meu comité no meu município. Portanto, há uma direcção, há o presidente que fala em nome do partido e, com certeza,que na sequência do desencadear deste processo agora em curso, com certeza que chegará o momento em que a direcção, na pessoa do seu presidente, assumirá publicamente aquilo que foi da nossa responsabilidade nas dificuldades, nos problemas que Angola fez face durante muitos anos.”

Parentes de antigos dirigentes da UNITA, mortos alegadamente sob ordens de Jonas Savimbi, como Tito Tchingunji, Wilson dos Santos e Adolfo Sangumba, nos anos 80 e 90, reivindicam a entrega dos seus restos mortais. Como é que vê este pedido e o que é que aconteceu a estes homens?

“Esse pedido é legítimo e até é oportuno porque o momento é este para se tratar destes dossiers todos, dos tais casos que próprio velho Jonas classificou de passivo pesado com o qual temos que nos reconciliar. Temos que olhar de frente e reconhecer ter havido excessos aqui ou acolá, mas os erros foram cometidos e é preciso com humildade e responsabilidade assumir as consequências.

A direcção do partido está aberta, criou uma comissão interna do partido que está a gerir este dossier, que está a trabalhar afincadamente há mais de seis meses nesse dossier e, com certeza, que vamos encontrar as melhores soluções que é para apaziguar as famílias que foram tocadas. Numa guerra que durou 40 anos, pergunto-me se há, em Angola, uma família que não foi tocada pela violência da guerra. Eu acho que não.”

“Há vítimas e há pessoas que as mataram. Se houvesse uma comissão de verdade também se deveria levar à justiça pessoas que ainda estejam vivas?

“Aquando da assinatura do memorando de Luena, complementar ao Protocolo de Lusaka, também a Assembleia Nacional votou uma lei de amnistia geral. Portanto, este assunto não se põe, mas há consequências que precisamos de gerir. Não é o facto de ter havido uma amnistia geral que vamos cruzar os braços e dizer que está tudo feito. Não, não está tudo feito, está tudo por fazer, mas o importante é haver predisposição para encarar estes problemas com realismo, com responsabilidade para podermos assumir as consequências.”

Estamos a um ano das presidenciais. Este dossier de reconciliação poderá ter um peso político, um peso no eleitorado. Não seria também a altura da UNITA falar sobre o tema?

“O tema da reconciliação é um tema recorrente, é um tema sobre o qual a UNITA se debruça praticamente desde que foi alcançada a paz em 2002. Até nós tínhamos ido mais longe, nós fizemos uma proposta em 2002, 2003, de avançarmos para um Pacto de Nação, uma forma de tratarmos os problemas estruturantes, os problemas mais importantes, os problemas de interesse nacional que deviam ser debatidos.

Nós propusemos na Assembleia Nacional uma espécie de comissão da verdade e da reconciliação à maneira do que fizeram os sul-africanos e à maneira do que fizeram um pouco todos os países africanos depois da queda do muro de Berlim. Infelizmente, as nossas propostas caíram todas em saco roto. No entanto, vamos ver se continuamos na mesma tecla porque é nossa convicção de que Angola poderá sair-se, sem dúvida, mas nada substituirá o diálogo, a concertação e a inclusão dos angolanos.”

 

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