Angola: Rescaldo do diálogo do PR com a juventude

O encontro do Presidente da República com cerca de uma centena e meia de jovens das mais variadas tendências do mosaico político e social do país teve o mérito de lançar as bases de um novo traço de união, imprescindível para fortificar os alicerces da Nação. E, por se tratar de um diálogo aberto, acabou por escancarar as graves debilidades do sistema de educação e ensino em Angola.

O TRAÇO DE UNIÃO E A FRACTURA DA EDUCAÇÃO

Na verdade, foi confrangedor constatar nas intervenções de alguns estudantes universitários, líderes juvenis e activistas com licenciaturas e mestrados, uma gritante ausência de raciocínio lógico, desconhecimento primário do ordenamento jurídico angolano e um domínio sofrível da língua portuguesa.

Muitos dos intervenientes não conseguiram aproveitar da melhor forma os cinco minutos que lhes foram concedidos para confrontar o Presidente da República com ideias inovadoras para a concepção de um novo projecto de sociedade, diferente da lógica partidária que está na base das desigualdades, da exclusão e das disfunções que têm impedido o pleno desenvolvimento do país.

É verdade que houve algumas comunicações dignas de registo. Destaque para o representante dos taxistas, que defendeu a formalização desta classe profissional marginalizada, que conta com centenas de milhares de motoristas, cobradores, lotadores e kupapatas, os destemidos mototaxistas que rasgam as artérias do país e penetram em becos e carreiros onde os hiaces e os girabairros não conseguem penetrar.

Importa sublinhar igualmente a pertinência do conhecido humorista que alertou para a inexistência de recintos culturais nas comunidades e o esquecimento a que tem sido votada a lei do mecenato, facto que empobrece a cultura e em nada contribui para a diversificação da economia.

É de realçar também a perspectiva do ambientalista que sugeriu uma estratégia para a reaproveitamento dos resíduos sólidos, na lógica da economia circular, visando a geração de novos de postos de trabalho e o aumento da renda de milhares de famílias.

No entanto, três ou quatro excepções dignas de registo não podem nunca branquear a pobreza da maioria das intervenções que marcaram a agenda política do dia 26 de Novembro de 2020, que colocou frente-a-frente, durante mais de quatro horas, o Presidente da República e uma plateia repleta de jovens.

João Lourenço apresentou-se no seu melhor, descontraído e com um toque de jovialidade, sem depreciar a sobriedade e o rigor que lhe são característicos, com alguma rispidez pelo meio. A facilidade com que respondeu às questões que bem entendeu e a serenidade com que acolheu algumas das propostas apresentadas geraram uma empatia que contagiou todos os presentes.

O Presidente não hesitou em desaconselhar desabafos susceptíveis de alimentar sentimentos de xenofobia e estigmatização étnica. Assim como não vacilou para dissipar os pontos de interrogação que pairam em torno do estudante morto na manifestação do dia 11 de Novembro, Inocêncio de Matos, cujo funeral vem sendo adiado há mais de 15 dias. A clarificação de questões sensíveis, pelo mais alto magistrado da Nação, ajuda sempre a serenar os ânimos. Que a justiça faça então o seu trabalho.

Por esta razão, não é crível que o Presidente esteja indiferente ao défice de conhecimentos básicos e às dificuldades na arrumação das ideias evidenciadas por jovens angolanos educados em Angola, formados nas universidades angolanas e, em muitos casos, catapultados para altas funções em instituições estratégicas.

Se a iniciativa presidencial teve o condão de reunir na mesma sala várias cabeças pensantes para escalpelizar os múltiplos problemas que apoquentam a juventude, o primeiro resultado, obtido antes mesmo do fim do encontro, não deixa qualquer dúvida. As políticas públicas para a juventude não terão o efeito desejado se não incidirem sobre a educação e ensino, formação académica e técnico-profissional e, sobretudo, formação de professores.

É urgente corrigir os actuais manuais escolares entulhados de gralhas, erros de palmatória e conceitos científicos deturpados.

Os países com sistemas de educação consistentes apostam seriamente na escola pública, potenciando o ensino fundamental para que as crianças e os adolescentes aprendam desde muito cedo a raciocinar e a interpretar correctamente os fenómenos do meio em que estão inseridos, condição indispensável para um bom domínio das ciências, da matemática, das línguas oficiais, das artes e das boas práticas em termos de educação moral e cívica, cultural e patriótica.

Na actual conjuntura mundial, marcada pela ascensão de movimentos nacionalistas com tendências protecionistas bastante restritivas, desengane-se quem esteja a pensar que bastará uma carteira de incentivos fiscais para atrair grandes investidores geradores de emprego e impulsionadores da diversificação da economia.

Há outros factores determinantes como a qualificação da mão-de-obra, a perícia e a ética dos funcionários públicos que participam no registo de empresas e no licenciamento de empreitadas, bem como a eficácia e a transparência dos procedimentos administrativos. De igual modo, há que ter em atenção a lisura dos órgãos de inspecção e a celeridade e a transparência dos tribunais e instituições de arbitragem. A base para o preenchimento de todos estes requisitos é a educação.

Sendo inegável o mérito da iniciativa do Presidente da República, que pela primeira vez congregou jovens que encaram o país e o mundo sob prismas diferentes, aparentemente conflitantes e inconciliáveis, nunca será redundante assinalar o ponto crucial da questão, sem o qual dificilmente o sonho se tornará realidade.

As políticas públicas para a juventude só serão eficazes se contarem com a participação directa dos próprios jovens, devidamente equipados para poderem desempenhar um papel decisivo em todas as fases de concepção, implementação e monitorização dos programas e projectos aprovados consensualmente.

Para tal torna-se imperioso reestruturar o ensino primário e todo o primeiro ciclo, apostar num ensino superior ancorado na investigação científica e na inovação, e adoptar uma estratégia de formação técnico-profissional bem direccionada para as mais prementes necessidades do mercado.

Só a escola pública poderá garantir um sólido traço de união entre as lições do passado, as experiências do presente e as projecções do futuro, garantindo serenidade e confiança em todas as etapas da inevitável transição geracional.

PS – Quem faz boas opções, assentes nos mais amplos consensos, não tem medo de manifestações.

Alves Fernandes

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