Angola: Segunda Amões previa construir mais aldeias nos próximos 50 anos

Construir dez mil aldeias em Angola nos próximos 50 anos constitui o maior sonho do Grupo ASAS, que arrancou já o projecto, denominado Agroaldeias Zé Dú, no Camela, Huambo. Segunda Amões, presidente do conselho de administração do grupo, diz que o conglomerado tem uma facturação anual acima dos 200 milhões de dólares e pretende investir 400 milhões de dólares até 2025.

O conglomerado que gere – o grupo ASAS – está a investir num projecto, denominado ‘Agroaldeias Zé Dú’, no Huambo. De que se trata?

Tem uma abrangência muito grande. Neste momento, já erguemos escolas e, na verdade, a aldeia da Camela Amões tem mais escolas do que alunos. Provavelmente, deve ser uma excepção no país. Estamos com oito escolas, cada uma composta por três salas. Mas, até ao próximo ano lectivo, a aldeia terá ensino médio e contará com mais de 20 salas de aulas. Mas não construímos apenas escolas. Construímos também centros médicos e igrejas, porque pensamos que o homem não só de pão vive. O lado espiritual é fundamental, dentro da perspectiva de uma Angola nova. Fizemos arruamentos e temos saneamento básico. Temos iluminação pública, temos casas para os técnicos.

Em quanto está orçado o projecto?

A primeira fase vai até 2025. Ou seja, são dez anos, porque começou em 2015. O grupo ASAS pensa construir duas mil casas sociais naquela aldeia, além de outras infra-estruturas. Até 2025, o grupo pensa investir acima de 400 milhões de dólares, só na Camela Amões. Quanto foi investido até agora? Estamos a trabalhar agora para saber quanto é que o projecto já consumiu.

É um projecto marcadamente social.Qual é parte do negócio?

Ninguém faz um investimento sem contar com retornos e o projecto ‘Agroaldeias Zé Dú’, concretamente a experiência piloto da aldeia Camela Amões, não foi talhado para fundos perdidos. Não é essa a nossa perspectiva. Por exemplo, o facto de retermos as pessoas daquelas aldeias, dando-lhes emprego, vai gerar rendimentos. Há, portanto, essa componente económica. As pessoas vão produzir e pagar impostos; vão pagar renda à cooperativa e esta vai recuperar o investimento. Há vários ganhos.

Qual é a estratégia concreta de retorno do investimento?

As pessoas às quais forem atribuídas casas sociais vão pagar renda anual, mas nunca será em dinheiro. Será sempre com a sua produção. Por exemplo, quem produzir 100 sacos de milho por ano vai pagar cinco sacos pela renda da casa. A cooperativa, que recebe o pagamento, vai processar esse milho e transformá-lo em fuba, ração e outros produtos que serão distribuidos nos grandes centros de consumo. A cooperativa também vai ter a responsabilidade de comprar o excedente que o associado quererá vender. Por isso, dizia que este projecto tem também uma componente económica muito forte. Na cooperativa da pecuária, onde temos gados bovino, caprinos e ovino, o procedimento será basicamente o mesmo. Estamos agora a construir pocilgas e galinheiros. Portanto, vamos criar gado suíno e galinhas. Pelos nossos cálculos, este investimento terá retorno a partir dos próximos dez anos. O projecto é de longo prazo.

Estão a distribuir terrenos para o cultivo?

Exactamente. Neste momento, já temos constituídas duas cooperativas, uma agrícola e outra pecuária. Já distribuímos aos associados das cooperativas acima de 300 hectares. A cooperativa tem a responsabilidade de preparar as terras e entregar as sementes, bem como as maquinarias. Este ano, prevemos mais do que dobrar essa cifra para entre 600 e 800 hectares que serão distribuídos aos associados.

O projecto contempla também edifícios para serviços da administração pública?

Na verdade, não enumerei todas as infra-estruturas que estão a ser erguidas na aldeia. Estão também em construção edifícios para a administração da aldeia e para a representação da educação e saúde. Estamos a construir uma escola de 20 salas de artes e ofícios e com dois edifícios de internatos. Cada edifício tem 30 suítes. Construímos ainda áreas de lazer.

A intenção é transformar a Camela Amões de aldeia para vila?

Bem, isto não compete ao grupo ASAS. É verdade que tem infra-estruturas que se podem comparar a algumas comunas e municípios. Até há quem diga que algumas infra-estruturas já ultrapassaram as de alguns municípios, mas não compete ao grupo fazer a elevação. Temos as autoridades competentes para o efeito.

E como tem sido a articulação com o Estado?

Temos contactos com o Governo central, através dos ministérios, dos quais temos tido uma grande receptividade. O Ministério da Energia e Águas, por exemplo, mandou técnicos para fazerem estudos e levantamentos na aldeia. Acreditamos, por isso, que coisas concretas vão aparecer em relação à energia e à água. Também tivemos encorajamento muito forte do Presidente da República, até porque o projecto leva o seu nome. Também temos articulação com o governador do Huambo e o Ministério do Interior.

E em relação às comunicações, a rede telefónica mais concretamente?

Temos dificuldades de comunicação. A Movicel e a Unitel prometeram instalar o sinal na aldeia. Estava para Maio, mas, até agora, ainda não o fizeram. Neste projecto, temos funcionários do Cunene, Huíla, Huambo, Bié, Luanda, Uíge e Benguela. Estas pessoas, para poderem comunicar com os familiares, têm de andar longas distâncias até subir em árvores para ganhar altura e ter sinal. Por isso, mais uma vez gostaria de rogar às essas companhias de telefonia para que instalem, na Camela, o sinal, porque, do ponto de vista económico, haverá retorno.

Quantas pessoas trabalham na implementação do projecto?

Em meados do ano passado, tínhamos perto de 650 trabalhadores. Hoje, temos acima de dois mil trabalhadores. Neste projecto, apenas 1% é mão-de-obra estrangeira. Só a empresa que está a fornecer portas é que é estrangeira, mas também as produz no Huambo. Portanto, 99% da mão-de-obra é toda angolana, 80% da qual é local, das aldeias. De outras províncias, vieram apenas técnicos que estão a passar o ‘know how’ aos nativos das aldeias. Em volta da Camela Amões, existe um inverso de 50 aldeias. São habitantes dessas aldeias que nós estamos a incentivar a trabalhar aí mesmo, porque é aí onde estão as suas famílias.

Quantos habitantes tem a aldeia?

Quando começámos este projecto, a Camela tinha perto de 600 habitantes. Neste momento, a Camela já conta com 1.600 habitantes. Os investimentos que estamos a fazer estão a atrair pessoas que querem trabalhar, morar e estudar. Então Camela está a crescer muito rápido.

O projecto é apenas para Camela?

O nosso sonho é construir, em Angola, perto de dez mil aldeias. Isso corresponde entre 18 e 20 aldeias por comunas. É um megaprojecto. Estamos agora a convidar o Executivo para visitar e avaliar. Já tivemos a visita do ministro da Administração do Território, Bornito de Sousa, que ficou satisfeito e reconheceu que o projecto pode melhorar as condições de vida dos habitantes das aldeias. Estas dez mil aldeias vão ser implementadas num período de 50 anos.

É o maior desafio do grupo ASAS?

Sem dúvidas. Tem uma componente muito grande. Acredito que iremos ao encontro do slogan do Presidente Agostinho Neto, quando dizia que “o mais importante é resolver os problemas do povo”. Com o projecto Agroaldeias Zé Dú, estaremos, na realidade, a resolver os problemas do povo. Todos nós, sem excepção, viemos das aldeias, por isso até é um acto de gratidão a requalificação das aldeias.

Que leitura faz ao ambiente de negócios em Angola?

É bom, ao contrário daquelas pessoas que pensam que a crise vem simplesmente nos sufocar. Na verdade, a crise vem fazer-nos pensar; fazer com que busquemos alternativas, e fazer com que deixemos de esbanjar e ostentar. Portanto, a crise veio em boa hora, porque a forma como estava a nossa economia criava uma certa preguiça de pensar. As pessoas pensavam que o dinheiro resolvia tudo, mas, hoje em dia, percebem que é preciso também ser inteligente.

Mas há quem aponte muitas fragilidades no ambiente de negócios.

Depende. Cada um tem a sua opinião sobre um assunto. A nossa opinião é que não devemos olhar para o mercado angolano e fazer comparações, porque não há nenhum país igual a outro. Angola é igual a si própria. Nós, empresários e empreendedores, antes de fazerem qualquer negócio, temos de tomar cuidado e falar antes com os técnicos, se não vemos sempre crítica. Apontar o outro é a coisa mais fácil. A falta de energia, por exemplo, é uma realidade a que não podemos fugir. Temos de fazer negócios de acordo com as condições do nosso país. Há pessoas que queriam ter energia como tem a África do Sul ou Portugal. É injusto comparar uma criança com um adulto.

Quando olha para o tecido empresarial angolano, o que mais o preocupa?

Deveríamos ter uma aliança maior com Deus, que não só do pão vive o homem. O que acontece no continente, e em particular em Angola, é que nós, muitas vezes, pensamos que o facto de termos dinheiro não precisamos de Deus, então, depois o Diabo vem com fantasias e muitas ilusões. Criam canais para a fuga desnecessária de capitais e depois queremos criticar que o Executivo não ajuda. Na minha perspectiva, quem gere uma empresa tem de ter Deus em primeiro lugar para que tenha sucesso no negócio. E para que também possa ter a visão de que o pouco com Deus é muito. O que eu vejo aqui é que há empresários que têm muito, mas, como só têm um olho físico, acham que o que têm é pouco, então acabam por dizer coisas que nós achamos não serem verdades.

“O nosso grupo já é multimilionário”

O que vale hoje o grupo em termos de activos?

O nosso grupo já é multimilionário. Com esse projecto Agroaldeias, o Grupo ASAS será multibilionário.

Quais são as outras áreas de investimento do ASAS?

O Grupo ASAS está em vários segmentos da actividade económica do país. Estamos no imobiliário, na banca, no seguro, na construção, nos transportes e na saúde. O grupo controla acima de dez empresas.

Qual é volume de negócios do grupo?

Tem uma facturação acima dos 200 milhões de dólares/ano e conta com mais de dois mil trabalhadores.

Quanto pagam em impostos ao Estado?

É grande. As repartições do Ministério das Finanças tem conhecimento, através, das empresas do Grupo ASAS, mas é grande.

Qual é o negócio do grupo mais lucrativo?

São vários. Temos perto de seis empresas que constituíram um fundo imobiliário. Quando estávamos em tempo de ‘colheita’, os investimentos, no mercado, eram pagos em menos de cinco anos. Com essa facturação excessiva que houve, as empresas fizeram poupanças. Fizeram reservas, que hoje estão a manter-nos vivos. O fundo mobiliário que temos é o mais lucrativo. As menos lucrativas são as empresas de transportes, a Transcatete e a Transhuambo. Só um pneu de um camião custa 75 mil kwanzas. Portanto, um frete para o Huambo a 200 mil kwanzas não dá para assumir os custos da viagem.

Deixaram de investir em algum projecto por falta de divisas?

Quando não tenho divisas, faço outra coisa que não precisa de divisas. Uso as reservas. As empresas devem criar reservas. Depois cabe a cada gestor decidir em que moeda vai colocar essa reserva. Nós, neste momento, temos algumas reservas nos bancos locais em dólares e em euros. E, neste momento, os bancos estão a pagar bem, do ponto de vista dos juros.

A empresa de construção civil do grupo, a Angostroi, foi famosa nos anos 1990. Qual é o ponto de situação da empresa?

A Angoestroi não sumiu. Mas, como sabe, tudo na vida tem a sua época. Naquela altura, a empresa fazia obras de construção e de reabilitação de escolas, hospitais e postos policiais. A empresa continua a exercer a sua actividade, mas já não com aquela pujança, porque já cumpriu com a sua função.

Quantas pessoas empregava, na altura?

Tinha um universo de três mil trabalhadores. Tínhamos filiais em algumas províncias, como Huambo, Bié, Kuando-Kubango, Moxico, Cunene, Huila, Benguela, Bengo, Uíge e Cabinda, tirando a sede em Luanda. Hoje, a Angostroi continua activa e é uma das empresas que estão a galvanizar o projecto Agroaldeias Zé Dú. Neste momento, tem perto de 400 trabalhadores.

Entrevista feita em 2017 ao Jornal Valor Econômico

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