Angola: “Um Luaty vale mais do que mil Lussatys” – Adriano Mixinge

Não tenho lá muito bem a certeza, mas creio que ele deve ter uns oito anos de idade: é o filho mais velho de uma amiga. Até hoje não sei se ela se inspirou no outro Luaty que todos conhecemos, para dar o nome ao seu filho.

Sempre que vou à casa da minha amiga é o Luaty que, antes que qualquer outra pessoa, vem sempre receber-me à porta. Quando falo com ela ao telefone, muito dificilmente deixo de mandar cumprimentos ao Luaty: com os seus oito anos de idade ele tem um imenso futuro pela frente.Os pais responsáveis já sabem: é preciso dosear o acesso das crianças e dos adolescentes aos dispositivos electrónicos. Eles devem aprender que o valor dos objectos não é equivalente ao valor das pessoas.

É preciso instruir as crianças e adolescentes, para eles aprenderem: do mesmo modo que as pessoas não se medem aos palmos, as coisas que elas têm ou exibem não nos dão nem nos permitem ter uma ideia exacta da sua natureza mais íntima, nem muito menos saber qual o grau de banalidade ou de transcendência dos propósitos que os movem na vida, coisa que, como sabemos, pode fazer toda a diferença.

Conheci os Luatys, quando regressei à Angola, em 2018, o nome virara um símbolo: soube que o Luaty, – o que todos conhecemos – lera o romance “O Ocaso dos Pirilampos” ainda na prisão e, por isso, de certa forma, conhecemo-nos muito bem. O filho da minha amiga o conheci na primeira vez que fui visitá-los, a casa.

Tenho a impressão de que, muitas jovens mães, em Angola, deram o nome aos seus filhos, porque Luaty transformara-senum nome que provoca boas atitudes, daí ter ficado na moda, significa também, aquilo que querem ver concretizado: é como se com este nome invocassem à sorte para um desejo,ao mesmo tempo que podem trabalhar para vê-lo realizado.

Como a maioria dos angolanos, eu conheci o Lussaty através daquelas obscenas imagens de televisão e, também, outras, que vi pelas redes sociais, da sequência em que ele pula o muro do condomínio em que vivia, para fugir: nem sei muito bem por que ele tentou escapar quando, na verdade, ele próprio construiu a sua própria prisão vivendo da forma alienada como vivia. Ninguém pode fugir para sitio algum com tanto dinheiro cash a enfeitar a sua existência, sendo tão pouco elevado.

O valor das coisas não nos dá nem é equivalente ao valor das pessoas. As pessoas valem muito mais do que as coisas, do que os objectos. Porém, há pessoas que tentam fazer-nos crer que têm um valor diferente daquele que, realmente, têm exibindo coisas de valor como se as suas pertences fossem a mais genuína extensão delas: nisso, o Lussaty era exímio.

Andava eu com ideias maravilhosas sobre os Luatys quando apareceram os Lussatys como caras diferentes de uma mesma moeda. Luaty e Lussaty rimam, mas, significam coisas diametralmente opostas: onde o Lussaty escolheu fartura, o Luaty optou pela greve de fome. A greve de fome de Luaty foi a melodia a solo para uma catarse que ainda não terminou, enquanto que o Lussaty é a expressão de um trastorno psicológico e social.

Enquanto os Luatys libertavam-se, “manifestando-se nas ruas, praças, largos e nas avenidas deste país, os Lussatys afinal procuravam, nos condomínios, as jaulas mais luxuosas para clausurar-se com sapatilhas de diferentes formas, cores e feitios e um balúrdio: os Lussatys são a parte podre de um movimento contra o sentido da história, que fez-nos desperdiçar tempo e recursos”.

Com o facto de o Luaty ter sido convidado a ir ao Palácio Presidencial e os Lussatys serem varridos de lá, a única certeza que tenho é que, como signos e símbolos de valor, um Luaty vale muito mais do que mil Lussatys: “e isso deve ser explicado e repetido, as vezes que sejam necessárias, às crianças e aos adolescentes deste país”.

 

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