Angola: “Vista como milícia juvenil”, Turma do Apito gera temor político

Analistas advertem que Turma do Apito pode ter papel semelhante ao dos fitinhas e canheches nas eleições angolanas. Operando como milícias, grupos ficaram conhecidos pela brutalidade contra opositores políticos do MPLA.

Vestidos de preto, os membros da Brigada de Vigilância Comunitária do distrito urbano do Kikolo, no município de Cacuaco, exibem paus de beisebol. Segundo testemunhas ouvidas pela DW África que, estes e outros objetos seriam usados para torturar supostos delinquentes nos bairros de Luanda.

No sábado (11.12), no estádio 11 de Novembro, em Luanda, muitos integrantes da chamada Turma do Apito estavam mascarados no evento que visou saudar a reeleição de João Lourenço para a presidência do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), marcar o encerramento do oitavo congresso do partido e celebrar os 65 anos de existência da organização política que governa angola desde a independência.

A aparição pública acontece meses após ativistas alertarem pela primeira vez que as Brigadas de Vigilância Comunitária seriam na verdade milícias que serviriam para intimidar críticos do partido no poder. Segundo apurou a DW África, nas suas comunidades, a Turma do Apito é conhecida como um grupo de justiceiros envolvidos em atos considerados “criminosos”.

Nenhum integrante da Turma do Apito quis falar à imprensa no evento do MPLA. Enquanto ativistas criticam a relação da milícia com o partido, publicamente os membros do MPLA parecem não reconhecer a existência das Brigadas de Vigilância Comunitária. “Não tenho conhecimento destas brigadas. Não conheço. O que é isso? Turma de Apito? Havia aqui milhares de apitos. Ou não viu milhões de apitos aqui? Está distraído?”, disse o secretário para Informação e Propaganda do MPLA, Rui Falcão, durante o evento.

Promessas à turma

O desfile da Turma do Apito aconteceu minutos depois de o líder da JMPLA, Crispiniano dos Santos, apresentar a moção de apoio da Juventude do Movimento Popular de Libertação de Angola (JMPLA) a João Lourenço.

Os milicianos são geralmente jovens com baixos níveis de escolaridade, desempregados e ex-delinquentes. Ingressaram nas fileiras destas organizações com a promessa de que serão enquadrados na Polícia Nacional e no Serviço de Proteção Civil e Bombeiros.

O integrante do Movimento Hip Hop de Intervenção Terceira Divisão, Cheik Hamed Hata, opina que o desfile da Turma do Apito na festa do MPLA demonstra que os jovens que integram esses grupos seriam “instrumentalizados” pela força política que detém o poder. Para o ativista a existência da alegada milícia prova o fracasso das instituições angolanas.

Hata sugere que, em vez do Estado dedicar-se a montar brigadas comunitárias, deveria melhorar os meios materiais e de formação para a polícia. “Devemos fazer uma reflexão profunda e condenar [isso]. Se agora o ambiente político ainda não é tão frenético porque ainda não se sabe das eleições, imagine depois”, diz.

Novos fitinhas e canheches?

O investigador social Nuno Álvaro Dala alerta que, tendo em conta a tensão política que se vive em Angola, o MPLA poderá usar de violência para evitar abandonar o poder em 2022.

Dala adverte que a Turma do Apito poderá ser usada neste sentido e que cidadãos em geral, ativistas e militantes de partidos na oposição “devem ter cuidado”. O investigador acha que é necessária cautela para não se cair em “armadilhas criadas para deter, agredir e, se necessário, matar todos aqueles que o regime vê como inimigos”.

Dala compara a Turma do Apito com os antigos “fitinhas” – milícias que participaram no conflito pós-eleitoral em Luanda, em 1992, no qual foram vítimas vários dirigentes da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA).

“Passaram a assassinar pessoas que tivessem conotação com a UNITA, quando muitas vezes se verificou que muitas dessas pessoas que morreram às mãos dos fitinhas nem sequer tinham algum tipo de simpatia pela UNITA”, lembra.

Para o ativista Dito Dalí, o partido no poder tem um histórico de formar milícias para intimidar os seus críticos. Além dos casos de 1992, Dito lembra a ação de outra milícia durante as manifestações contra o poder político em 2011.

“Em 2011, quando começamos com as manifestações de rua, o MPLA, através do senhor Bento Kangamba, criou outra milícia – os chamados “canheches”. [O grupo] brutalizava os manifestantes e sequestrava cidadãos. Tudo para proteger o poder do MPLA. “Não nos surpreende que o MPLA continue a trilhar os caminhos de criação de uma brigada de vigilância. Essa é uma tarefa exclusiva da polícia”, defende Dalí.

 

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