As minhas elucubrações: “José Eduardo dos Santos”: do poder e da glória, ao exílio. Até quando?

São tantos os exemplos ao longo da história, desde as “criações” religiosa do universo ao evolucionismo darwinista, de líderes de topo tipo e poderio que, com ou sem pés de barro, forem sendo apeados por golpes de estado, derrubamento ou assassinato, após períodos de domínio, em geral ditatorial, mais ou menos curtos ou longos. 

Ocorrem-me alguns casos e situações, a granel, que, ao longo dos tempos e em todo o mundo, chefes, reis, imperadores, presidentes, ditadores e “tutti quanti” que, de uma forma legal, regular, hereditária ou por defunção e, na maioria das situações violenta por golpe político-militar, foram afastados do poder: Alexandre, O Grande, da Macedónia; Nero, Imperador romano; D. Carlos I, de Portugal; Kwame Nkrumah, do Ghana; Amílcar Cabral, do Paigc; Nino Bernardo Vieira, da Guiné-Bissau; Adolfo Hitler, da Alemanha Nazi; Saddam Hussein, do Iraque; Marien Ngouabi, do Congo Brazzaville; Mobutu Sese Seko, do Zaíre; etc., etc., etc.. Muitos, de entre eles, foram “exilados” de forma mais ou menos violenta, voluntariamente uns compulsivamente outros, tendo sido anos mais tarde recuperados e reabilitados política e historicamente.


Entre nós angolanos, no MPLA, algumas figuras históricas como Viriato da Cruz, Mário Pinto de Andrade, Joaquim Pinto de Andrade, Aníbal Melo, Hugo de Menezes, Eduardo Macedo dos Santos (Mwanha), Adolfo Maria, Edmundo Rocha, Gentil Viana, Carlos Pestana Heineken (Katiana), Manuel dos Santos Lima, Tomaz de Medeiros, entre outras figuras, foram esquecidas e ou ostracizadas durante anos e anos e deixadas um pouco ao “deus dará”; só há bem pouco tempo, quase “en catimini”, alguns foram relembrados e oficialmente decorados com medalhas e ordens civis, atitude que granjeou ao Presidente João Lourenço aplausos e diversas críticas por nesse medalhar se ter esquecido de muitos outros “históricos”, não só do partido governante como também de outros partidos que guerrearam para a independência.


Vem este parlatório e relambório a propósito do que nos foi dado ver muito recentemente na televisão: a passagem do ex-Presidente José Eduardo dos Santos por uma fronteira no Dubai, ao que seria o regresso a Barcelona, seu lugar de exílio voluntário e onde, quando ainda Chefe de Estado, ali se tratava de uma patologia.


Não gostei do que vi: um JES emagrecido, com uma démarche pouco segura, titubeante, velho e envelhecido, aparentemente com saúde física e psicológica debilitada. Com ele estavam duas ou três pessoas, uma das quais o embaixador nos Emiratos Árabes Unidos.
Fiquei chocado e triste. Um ex-combatente da Luta de Libertação Nacional, pelo MPLA; um angolano que esteve 42 anos no Poder, dos quais 37 como Presidente da República / Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, presidente do partido, por vontade de milhões e “contra milhões ninguém combate”, onde se manteve com o beneplácito e os “viva, viva, viva” dos milhares de militantes, amigos e simpatizantes do “M”; “Presidente emérito” querido, mimado e até adorado por muitos de entre os seus correligionários; elevado ao pedestal pelos beni-oui-oui e outros bajus como uma divindade; baptizado e rebaptizado com gloriosos epítetos como grande estratega militar e arquitecto da paz; autor e principal executor entre nós da ideia marxista de “acumulação primitiva do capital” de que muitos à sua volta e não só, dela se beneficiaram abundante e desabridamente!

É esse Presidente que, em 2017, sentiu a necessidade física e patriótica, talvez, de atirar ao tapete as luvas da governação e passar o testemunho a um dos membros do BP, ficando eventualmente apenas com a liderança do partido. Mau cálculo! Será que, depois destes anos todos e com a experiência da convivência político-partidária com os outros membros da direcção do partido, não se tenha dado conta de que no BP e no CC camaradas havia que cobiçavam e aspiravam política e logicamente poder também, um dia, ocupar o cadeirão no salão presidencial do partidão?


E deram-lhe a conhecer essa vontade de o ver pelas costas, através de um “abaixo-assinado” que, para a sua surpresa, lhe foi apresentado por um dos inamovíveis membros do BP. Mas JES parece tê-los surpreendido e a muitos de nós com a escolha de João Lourenço para o substituir na direcção do partido, tanto mais que “JLO” na altura SG do partido havia manifestado publicamente a sua opinião sobre o seu direito estatutário de se candidatar a presidente do partido; isso ter-lhe-ia valido uma “baçula” e um “cafrique” que o levaram a uma relativamente longa “travessia do deserto”, até que, de oásis em oásis, o último dos quais no Ministério da Defesa, chegou a “bom porto”: Presidente da República da nossa querida, conquistada e desde sempre mais ou menos mal gerida, Angola. As voltas que o mundo dá ou premonição?


Hoje, José Eduardo dos Santos é tratado como um ser pestilencial que só trouxe desgraças ao País, pois que a situação económica política e social difícil dos últimos anos do seu Governo, quase financeiramente caótica, a ele e a ele somente(?), é devida. A decisão de “JES” de partir e manter-se no exílio foi, penso eu, pelas mesmas razões que, há mais de três anos, o levaram a não aceitar o apoio protocolar do Estado nem viajar para Espanha, Barcelona, onde tem sido medicamente seguido, nem utilizar a TAAG, nossa companhia de bandeira, preferindo outra. Numa das minhas elucubrações publicada no Novo Jornal em Maio de 2019 e intitulada “Só não se sente quem não é filho de boa gente”, enumerei os porquês dessa atitude, que passo a lembrar:

  • 1- ter o seu filho Zenu dos Santos sido metido no calabouço por suspeição de gestão pouco ortodoxa e danosa do Fundo Soberano, quando se poderia terem-lhe sido aplicadas outras medidas de caução, enquanto se procedesse à investigação;
  • 2- terem, a sua primogénita Isabel dos Santos e a irmã Tchizé dos Santos, saído do país com receio de lhes acontecer o mesmo que ao irmão; ter sido, durante as celebrações da “Batalha do Cuito Cuanavale” quase esquecido nos discursos oficiais, ele que na altura era o Comandante-em-Chefe das Forças Armadas Angolanas.


Ora bem. Quem é que, ao fim de quase meio século à frente da direcção e dos destinos de um país exaurido física e moralmente por uma longa guerra civil, aceita de bom grado e cara alegre que se trate os filhos dessa maneira e por camaradas que sempre o apoiaram incondicionalmente e com ele compartilharam o poder e as acopladas benesses e vantagens materiais e pecuniárias. Quem: eu tu ele? Duvido!


Além de que a diabolização e a crucificação do ex-Presidente José Eduardo dos Santos e da sua família, orientadas, apoiadas e alimentadas politicamente nos meios de comunicação social privados e públicos, e que lhe chegam ao ver e ouvir, são agourentes quanto ao seu futuro caso decida regressar ao País agora ou após o período de amnistia constitucional a que tem direito. A suceder esse regresso é possível que lhe aconteça o mesmo como a tantos outros que, de pelo mundo, só voltaram à terra onde nasceram, cresceram, labutaram e sofreram, numa caixa ou nunca mais. Será isso que a maioria de entre o povo, quer? Não terá chegado o momento de, seriamente e sem preconceitos e apriorismos, se pensar o regresso de José Eduardo dos Santos ao convívio nacional?


Em meu entender, os erros e os desatinos económicos e financeiros que JES foi cometendo à vista conhecimento e aplausos de todos nós e do “povo em geral”, também seus diletos camaradas companheiros e auxiliares no timão da governação o teriam feito se na mesma situação e condições do ex-Presidente. Não tenho dúvidas quanto a alguns deles.


P.S. : Que fique claro. Não sou “eduardista”.


Apenas me entristece e enfurece que somente sobre José Eduardo dos Santos se coloque o ónus e a responsabilidade da caótica direcção do Estado durante 47 anos quando, à volta do zângão-rei, zumbiam alegremente centenas, senão milhares, de acólitos e obreiros-marimbondos. É só isso!

 

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