Em Angola, questiona-se o fraco debate sobre a institucionalização do poder local e por que motivo mais ex-governantes, acusados de corrupção, não são levados a tribunal. Diz-se que os dois temas foram esquecidos.
Nos últimos tempos, pouco ou quase nada se fala de dois importantes temas em Angola: a realização de eleições autárquias e a “cruzada contra a corrupção”.
O primeiro assunto foi recordado esta semana pelo Presidente angolano durante a sua visita a Cabo Verde, um país tido como exemplo de poder local em África.
João Lourenço reconheceu que a não institucionalização das autarquias “é uma anormalidade”, mas disse que tudo depende da conclusão da provação do Pacote Legislativo Autárquico. Falta apenas uma lei – uma lei fraturante entre o partido no poder, que defende um escrutínio gradual, e a oposição, que pretende autarquias em todos os municípios.
“O poder tem que estar assente numa lei e não é apenas uma lei, é um pacote de leis, a que nós chamamos de pacote legeslativo autárquico, o número deste pacote é bastante grande, felizmente uma grande maioria destas leis foram já aprovadas pela Assembleia Nacional, resta apenas uma, daí o facto de eu dizer que estamos bem próximos de começarmos a implementar as autarquias locais em Angola”, esclarece o Presidente.
“Falta de vontade política”
E porque não se aprovou, até ao momento, a Lei da Institucionalização do Poder Local? A DW África foi procurar a resposta junto do jurista angolano Serrote Simão Hebo.
“A discussão de todo o pacote praticamente foi célere. Entretanto, não se entende a falta da aprovação da lei da institucionalização, o que nos leva a crer que estamos diante da falta de vontade política”, responde.
O que para Serrote Hebo “de facto, atrasa o desenvolvimento do país. O legislador constituinte já criou as condições para que, de facto, se aprove todo pacote legislativo.”
Outro tema que parece estar engavetado é a “cruzada contra a corrupção” do Presidente João Lourenço, decretada em 2017 quando chegou ao poder.
Até aqui, apenas dois ex-ministros foram julgados e condenados. Augusto Tomás, a cumprir uma pena reduzida para oito anos, e Manuel Rebelais, condenado a 14 anos e seis meses de prisão por fraude estimada em 30,6 milhões de euros. Entretanto, a pena foi suspensa devido ao recurso interposto pela defesa.
“Combater a corrupção em Angola é combater o MPLA”
João Malavindele, coordenador executivo da ONG Omunga, com sede no Lobito, província de Benguela, reconhece a coragem do chefe de Estado em ter começado esta luta nos últimos três primeiros anos do seu mandato, mas lamenta que o assunto saia quase da agenda em ano de eleições.
“Combater a corrupção em Angola é combater o MPLA”, diz, para depois argumentar: “Uma vez que estamos em ano eleitoral em Angola, é expetável que neste momento se registe um afrouxamento nesta batalha.”
E Malavindele prossegue: “Até porque tudo que for feito nesta linha de combate à corrupção tem que ter em conta a estratégia eleitoral porque neste momento trazer figuras públicas implicadas em atos de corrupção dispersaria ou dispersa votos no seio do partido.”